"Os jovens estão em período de moratória"

09-03-2001
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"Os Jovens Estão em Período de Moratória"

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Terça-feira, 27 de Fevereiro de 2001

Villaverde Cabral, estudioso dos comportamentos dos jovens perante a política, garante que a medida é inútil já que só a partir dos 21 anos nasce o interesse pela participação política

O reconhecimento do direito de voto aos 16 anos "não é uma solução é um problema", declarou ao PÚBLICO, Manuel Villaverde Cabral, vice-reitor da Universidade de Lisboa e autor de estudos sociológicos que abordam também a relação dos jovens com a política.

Considerando que a proposta de António Guterres "é uma manobra demagógica" e que uma proposta destas "só se compreende quando venha de um grupo como o Bloco de Esquerda" e não de um partido de poder, Villaverde Cabral explicou ao PÚBLICO as razões por que olha com descrédito para esta ideia.

Villaverde Cabral explica que há hoje um problema de comunicação entre os jovens e a política. Ou seja, "trata-se de um sistema de procura e oferta que do lado da oferta está fechado aos jovens". E concretizando sustenta que, "do lado dos jovens, estes estão em período de moratória" em relação à sociedade, "só têm direitos não têm deveres, casam mais tarde, tem filhos mais tarde, vivem um prolongamento da idade juvenil". Há assim um "problema da participação que tem a ver com o prolongamento da idade da juventude que é real porque há cada vez mais uma capacidade da sociedade de prolongar a irresponsabilidade social dos jovens, para que estes sejam felizes, para que sejam aquilo que os pais, mais modestos, não foram".

Do outro lado, "do lado do sistema, os partidos têm pouco ou nada para oferecer, estão anquilosados, pois foram constituídos com base em clivagens sociais antigas que já não têm nada a oferecer aos jovens, tornaram-se clubísticos e a militância é zero". Daí que - prossegue Villaverde -, "no limite, quando os jovens se mobilizam, para além do interesse do grupo de amigos, da pequena tribo, fazem-no fora e às vezes contra a política".

Olhando o assunto do ponto de vista meramente intelectual, Villaverde Cabral admite discutir as eventuais virtudes da antecipação do voto para os 16 anos, mas passo a passo vai desmontando a defesa desta proposta. Começa por dizer que não se podem antecipar comportamentos e adverte: "É evidente que se for dado este direito aos jovens muitos votarão". Mas contrapõe: "O que isso trará de mais? Na minha opinião, não traria nada. Isso não será uma forma de resolver o problema da participação política." Assumindo que não é contra a atribuição de direitos, sublinha que o seu "problema é o do exercício de direitos, se as pessoas fazem algo de útil com os seus direitos".

Garantindo que "é preciso pensar duas vezes e não ir atrás da novidade", Manuel Villaverde lembra que "há um país conhecido, o Brasil, que tem o direito de voto facultativo aos 16 anos e obrigatório aos 18 anos", mas que se saiba "os votos dos jovens não trouxeram nada de novo ao Brasil". E questiona: "Porque será que em todo o mundo nunca ninguém fez esta opção? Será que são todos autoritários ou parvos?"

Voltando ao domínio da explicação sociológica, Villaverde advoga que "as fasquias etárias são arbitrárias, mas resultam de convenções sociais". E embora considere que não se pode definir em rigor o que é a "maturidade", sustenta que se deve alargar a discussão a outros parâmetros. Rejeitando, porém, a antecipação da maioridade, contrapõe: "Já agora, demagogicamente, vamos deixar que se casem e que se matem na estrada? Se não lhes entregamos um automóvel entregamos o destino da pátria? Para ser coerente e ir até ao fim, então, antecipa-se a maioridade."

Entrando na explicação prática que lhe é possibilitada pela análise comparada de estudos ingleses com outros por si feitos no universo dos jovens portugueses, Villaverde Cabral afirma que há tendências comuns. Ora, prossegue, essas tendências apontam para que "o jovem só começa a exercer os seus direitos eleitorais a partir dos 20-21 anos e não aos 18 anos", sendo que "um dos factores de convergência é o estado civil, os casados votam mais que os solteiros". Já "a identificação com o sistema partidário só se faz a partir dos 21 anos e tende a coincidir com o casamento com o primeiro filho e com o trabalho" - aqui Villaverde Cabral faz um parentesis para afirmar: "É verdade que em Portugal o jovem tende a trabalhar mais cedo e com isso é que o Governo deveria preocupar-se".

A participação política, considera Villaverde Cabral, "está associada à sociabilidade e à responsabilidade, a participação cívica e política é uma faceta da participação social, tem de haver maturidade". E continua: "Combinando o interesse pela política, a identificação partidária e a participação política, até à faixa dos 24, 25 anos as percentagens de pouco empenhamento são sempre superiores a cinquenta por cento".

Assim, "há uma tendência crescente dos jovens que chegando aos 18 anos não se recenseiam, há uma parte da abstenção juvenil que não é identificada por que eles não se recenseiam". E deixa o alerta: "Se isto fosse a sério, teríamos uma massa enorme de eleitores que não se recenseavam e outra massa enorme de abstencionistas que já é grande aos 18 anos e que vai diminuindo até aos 30 anos, momento em que a integração social aumenta em relação à média."

"Os Jovens Estão em Período de Moratória"

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Terça-feira, 27 de Fevereiro de 2001

Villaverde Cabral, estudioso dos comportamentos dos jovens perante a política, garante que a medida é inútil já que só a partir dos 21 anos nasce o interesse pela participação política

O reconhecimento do direito de voto aos 16 anos "não é uma solução é um problema", declarou ao PÚBLICO, Manuel Villaverde Cabral, vice-reitor da Universidade de Lisboa e autor de estudos sociológicos que abordam também a relação dos jovens com a política.

Considerando que a proposta de António Guterres "é uma manobra demagógica" e que uma proposta destas "só se compreende quando venha de um grupo como o Bloco de Esquerda" e não de um partido de poder, Villaverde Cabral explicou ao PÚBLICO as razões por que olha com descrédito para esta ideia.

Villaverde Cabral explica que há hoje um problema de comunicação entre os jovens e a política. Ou seja, "trata-se de um sistema de procura e oferta que do lado da oferta está fechado aos jovens". E concretizando sustenta que, "do lado dos jovens, estes estão em período de moratória" em relação à sociedade, "só têm direitos não têm deveres, casam mais tarde, tem filhos mais tarde, vivem um prolongamento da idade juvenil". Há assim um "problema da participação que tem a ver com o prolongamento da idade da juventude que é real porque há cada vez mais uma capacidade da sociedade de prolongar a irresponsabilidade social dos jovens, para que estes sejam felizes, para que sejam aquilo que os pais, mais modestos, não foram".

Do outro lado, "do lado do sistema, os partidos têm pouco ou nada para oferecer, estão anquilosados, pois foram constituídos com base em clivagens sociais antigas que já não têm nada a oferecer aos jovens, tornaram-se clubísticos e a militância é zero". Daí que - prossegue Villaverde -, "no limite, quando os jovens se mobilizam, para além do interesse do grupo de amigos, da pequena tribo, fazem-no fora e às vezes contra a política".

Olhando o assunto do ponto de vista meramente intelectual, Villaverde Cabral admite discutir as eventuais virtudes da antecipação do voto para os 16 anos, mas passo a passo vai desmontando a defesa desta proposta. Começa por dizer que não se podem antecipar comportamentos e adverte: "É evidente que se for dado este direito aos jovens muitos votarão". Mas contrapõe: "O que isso trará de mais? Na minha opinião, não traria nada. Isso não será uma forma de resolver o problema da participação política." Assumindo que não é contra a atribuição de direitos, sublinha que o seu "problema é o do exercício de direitos, se as pessoas fazem algo de útil com os seus direitos".

Garantindo que "é preciso pensar duas vezes e não ir atrás da novidade", Manuel Villaverde lembra que "há um país conhecido, o Brasil, que tem o direito de voto facultativo aos 16 anos e obrigatório aos 18 anos", mas que se saiba "os votos dos jovens não trouxeram nada de novo ao Brasil". E questiona: "Porque será que em todo o mundo nunca ninguém fez esta opção? Será que são todos autoritários ou parvos?"

Voltando ao domínio da explicação sociológica, Villaverde advoga que "as fasquias etárias são arbitrárias, mas resultam de convenções sociais". E embora considere que não se pode definir em rigor o que é a "maturidade", sustenta que se deve alargar a discussão a outros parâmetros. Rejeitando, porém, a antecipação da maioridade, contrapõe: "Já agora, demagogicamente, vamos deixar que se casem e que se matem na estrada? Se não lhes entregamos um automóvel entregamos o destino da pátria? Para ser coerente e ir até ao fim, então, antecipa-se a maioridade."

Entrando na explicação prática que lhe é possibilitada pela análise comparada de estudos ingleses com outros por si feitos no universo dos jovens portugueses, Villaverde Cabral afirma que há tendências comuns. Ora, prossegue, essas tendências apontam para que "o jovem só começa a exercer os seus direitos eleitorais a partir dos 20-21 anos e não aos 18 anos", sendo que "um dos factores de convergência é o estado civil, os casados votam mais que os solteiros". Já "a identificação com o sistema partidário só se faz a partir dos 21 anos e tende a coincidir com o casamento com o primeiro filho e com o trabalho" - aqui Villaverde Cabral faz um parentesis para afirmar: "É verdade que em Portugal o jovem tende a trabalhar mais cedo e com isso é que o Governo deveria preocupar-se".

A participação política, considera Villaverde Cabral, "está associada à sociabilidade e à responsabilidade, a participação cívica e política é uma faceta da participação social, tem de haver maturidade". E continua: "Combinando o interesse pela política, a identificação partidária e a participação política, até à faixa dos 24, 25 anos as percentagens de pouco empenhamento são sempre superiores a cinquenta por cento".

Assim, "há uma tendência crescente dos jovens que chegando aos 18 anos não se recenseiam, há uma parte da abstenção juvenil que não é identificada por que eles não se recenseiam". E deixa o alerta: "Se isto fosse a sério, teríamos uma massa enorme de eleitores que não se recenseavam e outra massa enorme de abstencionistas que já é grande aos 18 anos e que vai diminuindo até aos 30 anos, momento em que a integração social aumenta em relação à média."

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