Justiça aperta crimes de bolsa

12-02-2001
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37 casos enviados à Procuradoria-Geral da República desde 1993

Justiça Aperta Crimes de Bolsa

Por ROSA SOARES E PEDRO LIMA

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

O ano em curso promete ser mais firme na luta contra os crimes de mercado. Não só porque a Justiça está mais sensível a estas questões, mas também porque muitos casos iniciados em 2000 poderão dar brevemente origem a julgamentos.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR), desde 1993, 37 casos de suspeita de manipulação de mercado e de utilização de informação privilegiada. Destes, apenas um chegou a julgamento, sem, contudo, ter havido sentença condenatória, e os restantes encontram-se em fase de tramitação ou foram arquivados. Esta situação pode, em parte, ser explicada pelo facto de se tratarem de situações de difícil prova, e de, na dúvida, o juiz absolver o réu - um princípio elementar do direito.

No mercado accionista, a ausência de condenações tem criado a ideia de que os prevaricadores nunca são punidos. Mas a situação pode estar prestes a mudar, tendo em conta que poderão ser marcados ainda este ano julgamentos dos processos iniciados no ano passado. Por outro lado, "os juízes têm feito um esforço muito grande na compreensão deste tipo de casos", conforme disse ao PÚBLICO Costa Pinto, assessor da CMVM. Este docente universitário, com literatura publicada sobre esta matéria - e que salvaguarda que as suas opiniões são pessoais, não vinculando o Conselho Directivo da CMVM -, lembra que a ausência de condenações é uma situação comum no espaço europeu, designadamente em Itália, onde as primeiras decisões condenatórias demoraram alguns anos a surgir.

Nos últimos meses têm surgido algumas situações de suspeita de manipulação de mercado (criação de condições para comprar ou vender acções a um determinado preço) e de "insider trading" (compra e venda de acções com base em informação privilegiada) que têm gerado forte expectativa sobre o desfecho destes processos. São casos como a queda das acções na véspera da última fase de privatização da EDP, a informação contraditória na Efacec, o alegado comunicado falso da Jerónimo Martins, bem como operações envolvendo a PT Multimédia. O que começa também a verificar-se é o aumento da celeridade da justiça, a par com o aumento de pedidos de informação à CMVM (ver caixa). O "caso" Jerónimo Martins é disso um exemplo: depois de em Novembro se ter verificado uma situação "duvidosa" com a empresa, enviada ao Ministério Público, as audiências a testemunhas tiveram lugar já em Janeiro.

Sem querer especificar casos, Costa Pinto reconhece que haverá situações em que a prova pode ser mais fácil ou mais difícil. Nos casos de "insider trading" e de manipulação de mercado, uma das dificuldades prende-se com o facto de o eventual acto ilícito ser praticado num ambiente de aparente normalidade, uma vez que "é natural comprar e vender acções no mercado". Quer o manipulador de mercado quer o utilizador de informação privilegiada "se comportam como normais investidores". Esta aparente normalidade "obriga" o sistema judicial a provar o ilícito criminal, o que pode ser conseguido por prova directa ou por via de indícios.

Apesar da constatação de que "não há mercados imunes à manipulação", Costa Pinto reconhece que "há comportamentos muitos nocivos, que em certo sentido funcionam como uma espécie de poluição no mercado". Garante que "a Comissão está activamente empenhada em combater as situações de fraude" e que "o mercado accionista português é, do ponto de vista da eficiência, comparável à generalidade dos mercados europeus".

Costa Pinto desvaloriza afirmações como "o mercado português é facilmente manipulável" ou a "entidade de supervisão não consegue provar as situações de crime", considerando-as um "lugar-comum" ou "incorrectas", já que a prova do ilícito não cabe à CMVM, que apenas deve reunir os elementos necessários para que o Ministério Público decida se deve ou não abrir um inquérito de investigação criminal. Assim, as expectativas de punição deste tipo de comportamentos têm de ser compatibilizadas com o funcionamento do sistema judicial, refere aquele responsável.

A globalização dos mercados e as novas tecnologias também vão tornando o trabalho de supervisão da CMVM mais complexo. Em Portugal, a recente proliferação de "sites" de bolsa já levou a Comissão a alertar os investidores para ponderarem cuidadosamente a informação neles veiculada. Apesar de a CMVM não prestar informação sobre casos concretos, alguns dos processos que terão sido enviados para o Ministério Público estão directamente relacionados com a utilização da Internet como meio de difusão de informação. Um dos casos mais graves tem a ver com a especulação à volta da Efacec, mas há outras situações a ser analisadas pela CMVM, como os rumores, mais tarde confirmados, de OPA sobre a Colep.

Além dos processos enviados ao Ministério Público, a CMVM tem também competência para aplicar contra-ordenações em inúmeras situações, que em apenas dez por cento dos casos não são aceites pelos infractores, originando recurso para o Tribunal de Pequena Instância. Uma das principais queixas que se ouve no mercado sobre estas contra-ordenações tem a ver com o valor das coimas, que, segundo alguns operadores contactados, "compensa o crime".

37 casos enviados à Procuradoria-Geral da República desde 1993

Justiça Aperta Crimes de Bolsa

Por ROSA SOARES E PEDRO LIMA

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

O ano em curso promete ser mais firme na luta contra os crimes de mercado. Não só porque a Justiça está mais sensível a estas questões, mas também porque muitos casos iniciados em 2000 poderão dar brevemente origem a julgamentos.

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR), desde 1993, 37 casos de suspeita de manipulação de mercado e de utilização de informação privilegiada. Destes, apenas um chegou a julgamento, sem, contudo, ter havido sentença condenatória, e os restantes encontram-se em fase de tramitação ou foram arquivados. Esta situação pode, em parte, ser explicada pelo facto de se tratarem de situações de difícil prova, e de, na dúvida, o juiz absolver o réu - um princípio elementar do direito.

No mercado accionista, a ausência de condenações tem criado a ideia de que os prevaricadores nunca são punidos. Mas a situação pode estar prestes a mudar, tendo em conta que poderão ser marcados ainda este ano julgamentos dos processos iniciados no ano passado. Por outro lado, "os juízes têm feito um esforço muito grande na compreensão deste tipo de casos", conforme disse ao PÚBLICO Costa Pinto, assessor da CMVM. Este docente universitário, com literatura publicada sobre esta matéria - e que salvaguarda que as suas opiniões são pessoais, não vinculando o Conselho Directivo da CMVM -, lembra que a ausência de condenações é uma situação comum no espaço europeu, designadamente em Itália, onde as primeiras decisões condenatórias demoraram alguns anos a surgir.

Nos últimos meses têm surgido algumas situações de suspeita de manipulação de mercado (criação de condições para comprar ou vender acções a um determinado preço) e de "insider trading" (compra e venda de acções com base em informação privilegiada) que têm gerado forte expectativa sobre o desfecho destes processos. São casos como a queda das acções na véspera da última fase de privatização da EDP, a informação contraditória na Efacec, o alegado comunicado falso da Jerónimo Martins, bem como operações envolvendo a PT Multimédia. O que começa também a verificar-se é o aumento da celeridade da justiça, a par com o aumento de pedidos de informação à CMVM (ver caixa). O "caso" Jerónimo Martins é disso um exemplo: depois de em Novembro se ter verificado uma situação "duvidosa" com a empresa, enviada ao Ministério Público, as audiências a testemunhas tiveram lugar já em Janeiro.

Sem querer especificar casos, Costa Pinto reconhece que haverá situações em que a prova pode ser mais fácil ou mais difícil. Nos casos de "insider trading" e de manipulação de mercado, uma das dificuldades prende-se com o facto de o eventual acto ilícito ser praticado num ambiente de aparente normalidade, uma vez que "é natural comprar e vender acções no mercado". Quer o manipulador de mercado quer o utilizador de informação privilegiada "se comportam como normais investidores". Esta aparente normalidade "obriga" o sistema judicial a provar o ilícito criminal, o que pode ser conseguido por prova directa ou por via de indícios.

Apesar da constatação de que "não há mercados imunes à manipulação", Costa Pinto reconhece que "há comportamentos muitos nocivos, que em certo sentido funcionam como uma espécie de poluição no mercado". Garante que "a Comissão está activamente empenhada em combater as situações de fraude" e que "o mercado accionista português é, do ponto de vista da eficiência, comparável à generalidade dos mercados europeus".

Costa Pinto desvaloriza afirmações como "o mercado português é facilmente manipulável" ou a "entidade de supervisão não consegue provar as situações de crime", considerando-as um "lugar-comum" ou "incorrectas", já que a prova do ilícito não cabe à CMVM, que apenas deve reunir os elementos necessários para que o Ministério Público decida se deve ou não abrir um inquérito de investigação criminal. Assim, as expectativas de punição deste tipo de comportamentos têm de ser compatibilizadas com o funcionamento do sistema judicial, refere aquele responsável.

A globalização dos mercados e as novas tecnologias também vão tornando o trabalho de supervisão da CMVM mais complexo. Em Portugal, a recente proliferação de "sites" de bolsa já levou a Comissão a alertar os investidores para ponderarem cuidadosamente a informação neles veiculada. Apesar de a CMVM não prestar informação sobre casos concretos, alguns dos processos que terão sido enviados para o Ministério Público estão directamente relacionados com a utilização da Internet como meio de difusão de informação. Um dos casos mais graves tem a ver com a especulação à volta da Efacec, mas há outras situações a ser analisadas pela CMVM, como os rumores, mais tarde confirmados, de OPA sobre a Colep.

Além dos processos enviados ao Ministério Público, a CMVM tem também competência para aplicar contra-ordenações em inúmeras situações, que em apenas dez por cento dos casos não são aceites pelos infractores, originando recurso para o Tribunal de Pequena Instância. Uma das principais queixas que se ouve no mercado sobre estas contra-ordenações tem a ver com o valor das coimas, que, segundo alguns operadores contactados, "compensa o crime".

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