Portugueses à margem do movimento antiglobalização

28-07-2001
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Portugueses à Margem do Movimento Antiglobalização

Por NUNO SÁ LOURENÇO

Sábado, 28 de Julho de 2001 Participação fugaz em Génova Dois mil quilómetros de viagem para algumas horas na capital da desobediência. A maioria dos portugueses estava mais entusiasmado com um acampamento do que com a "grande manifestação de massas" Chegaram tarde e partiram cedo. Não eram muitos e revelaram-se pouco interventivos. É o que se pode contar da participação portuguesa no Fórum Social de Génova. A iniciativa começou logo a 16 de Julho. Foram cinco dias de debates e sessões sobre os mais variados temas, para depois se seguirem dois de manifestações. No meio de tudo isto, onde estava a esquerda portuguesa? Aparentemente, em Portugal. A maior parte só chegou mesmo para a "grande manifestação de massas", programada para sábado. Foi o caso dos cerca de 70 jovens do Bloco de Esquerda (BE), que chegaram quando o cortejo estava já na rua e partiu quando a polícia gaseava ainda manifestantes. Afinal, a intenção do BE não era estar em Génova. Segundo o dirigente do PSR Sérgio Vitorino, a cidade era um "bónus" numa viagem que tinha como destino o acampamento da Refundação Comunista em Roma. Revelavam-se assim proféticas as palavras do dirigente do BE Luís Branco ao PÚBLICO ainda antes da partida: "Aqui [em Portugal], o movimento é ainda muito incipiente. Ainda é tudo um bocado à moda antiga." Mas o director clínico do hospital de Santarém, Filipe Rosas, foi mais longe na crítica. Com a legitimidade de ter ido a Génova pelos seus próprios meios, o dirigente do BE reconheceu que a plataforma devia olhar de outra forma para o movimento antiglobalização: "Já defendi isso no Bloco. Acho que a esquerda portuguesa tem de participar muito mais neste tipo de movimentos. Tem muito a aprender com eles. Será este o caminho da esquerda para poder responder ao actual estado." Para o médico, não havia outra alternativa: "É minha obrigação integrar um movimento que prima pela solidariedade entre todos os povos." Ainda assim, Ângelo Alves fez questão de defender a sua dama. O membro do comité central do PCP, que chegou a Génova sexta à tarde e partiu na manhã de domingo, começou por lembrar que, apesar de não ter estado presente qualquer dos dirigentes mais conhecidos do partido, tinha enviado a um dos debates sobre "A política, as instituições e movimentos" um dos seus eurodeputados, Joaquim Miranda. Ângelo Alves disse mesmo considerar redutor que se visse o futuro da esquerda no movimento antiglobalização: "O movimento precisa da esquerda e a esquerda precisa que os povos se mobilizem contra o actual projecto de domínio político e económico. Este movimento é mais uma forma e é bem-vindo." Ainda assim, todos os participantes reconheceram o mérito das jornadas de Génova. Ângelo Alves viu nelas "mais um sinal de estreitamento da base social do capitalismo". E explicou porquê: "A grande novidade de Génova é o esforço da Refundação Comunista em transformar a iniciativa em algo de âmbito social muito mais alargado. Acho que isso se cumpriu perfeitamente." Para Sérgio Vitorino, um jovem dirigente do PSR, as iniciativas do Fórum Social de Génova "tiveram o efeito prático de incomodar o G8", para além de dar a oportunidade de contestar temas como a "nova guerra das estrelas, o rasgar do Protocolo de Quioto e o atropelo aos direitos das minorias". Quanto a Inês Leite, de 22 anos, que durante a viagem de dois dias a caminho de Itália se definiu como "trotskista" e "internacionalista", considerou Génova como mais um instrumento: "É importante que as pessoas tenham voz. Esta é mais uma forma de lutar contra o capitalismo e esta forma de globalização." Esta não foi a única matéria em que os participantes portugueses se puseram de acordo. Todos se esforçaram por deixar claro que a violência não era com eles: "Há quem pense que partir uma montra é um grande ataque ao capitalismo. É uma tanga", disse o bloquista Luís Branco. Ainda assim, Ricardo Noronha, ex-dirigente da JCP e companheiro de viagem do BE, lá ia dizendo que as coisas podiam mudar assim que chegassem a Génova: "Se tiver 500 pessoas à minha volta a resistir à polícia, é óbvio que não me vou embora." Só que Ricardo Noronha, aparentemente, não se encontrou com essas 500 pessoas. Participou ordeiramente na manifestação, tendo mesmo evitado os locais mais quentes da marcha de sábado passado. O grupo desistiu da ideia de se juntar à Refundação Comunista na Praça Kennedy devido aos confrontos que aí ocorriam. Jogaram pelo seguro e entraram na manifestação a meio, tendo feito o resto do percurso ordeiramente atrás das bandeiras curdas. Limitaram-se a colocar uns lenços ou máscaras na boca para evitar o gás lacrimogéneo. Foi a consequência natural de uma viagem sem história nem sessão de esclarecimento sobre a guerrilha urbana que os esperava em Génova. O máximo a que se chegou foram conselhos - à vista da fronteira italiana - do género: "Não digam nada à frente da bófia que eles aqui percebem as insinuações." Octávio Raposo, de 22 anos, foi o único a reconhecer que ia na comitiva por causa da manifestação de Génova, embora por outro motivo: "É importante estar lá, para nos localizarmos em termos políticos. Mas também vou por causa das boas fotografias." Para o brasileiro, a cidade encarnava tudo aquilo contra o que lutava: "Génova é a repressão do Estado capitalista democrático, entre aspas." Talvez por isso não se tenha demorado mais de seis horas na capital da desobediência. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Berlusconi promete "não esconder a verdade" sobre a violência em Génova

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"Estava ferido e aterrorizado"

Portugueses à margem do movimento antiglobalização

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Segundo o dirigente do PSR Sérgio Vitorino, a cidade era um "bónus" numa viagem que tinha como destino o acampamento da Refundação Comunista em Roma. Revelavam-se assim proféticas as palavras do dirigente do BE Luís Branco ao PÚBLICO ainda antes da partida: "Aqui [em Portugal], o movimento é ainda muito incipiente. Ainda é tudo um bocado à moda antiga." Mas o director clínico do hospital de Santarém, Filipe Rosas, foi mais longe na crítica. Com a legitimidade de ter ido a Génova pelos seus próprios meios, o dirigente do BE reconheceu que a plataforma devia olhar de outra forma para o movimento antiglobalização: "Já defendi isso no Bloco. Acho que a esquerda portuguesa tem de participar muito mais neste tipo de movimentos. Tem muito a aprender com eles. Será este o caminho da esquerda para poder responder ao actual estado." Para o médico, não havia outra alternativa: "É minha obrigação integrar um movimento que prima pela solidariedade entre todos os povos." Ainda assim, Ângelo Alves fez questão de defender a sua dama. O membro do comité central do PCP, que chegou a Génova sexta à tarde e partiu na manhã de domingo, começou por lembrar que, apesar de não ter estado presente qualquer dos dirigentes mais conhecidos do partido, tinha enviado a um dos debates sobre "A política, as instituições e movimentos" um dos seus eurodeputados, Joaquim Miranda. Ângelo Alves disse mesmo considerar redutor que se visse o futuro da esquerda no movimento antiglobalização: "O movimento precisa da esquerda e a esquerda precisa que os povos se mobilizem contra o actual projecto de domínio político e económico. Este movimento é mais uma forma e é bem-vindo." Ainda assim, todos os participantes reconheceram o mérito das jornadas de Génova. Ângelo Alves viu nelas "mais um sinal de estreitamento da base social do capitalismo". E explicou porquê: "A grande novidade de Génova é o esforço da Refundação Comunista em transformar a iniciativa em algo de âmbito social muito mais alargado. Acho que isso se cumpriu perfeitamente." Para Sérgio Vitorino, um jovem dirigente do PSR, as iniciativas do Fórum Social de Génova "tiveram o efeito prático de incomodar o G8", para além de dar a oportunidade de contestar temas como a "nova guerra das estrelas, o rasgar do Protocolo de Quioto e o atropelo aos direitos das minorias". Quanto a Inês Leite, de 22 anos, que durante a viagem de dois dias a caminho de Itália se definiu como "trotskista" e "internacionalista", considerou Génova como mais um instrumento: "É importante que as pessoas tenham voz. Esta é mais uma forma de lutar contra o capitalismo e esta forma de globalização." Esta não foi a única matéria em que os participantes portugueses se puseram de acordo. Todos se esforçaram por deixar claro que a violência não era com eles: "Há quem pense que partir uma montra é um grande ataque ao capitalismo. É uma tanga", disse o bloquista Luís Branco. Ainda assim, Ricardo Noronha, ex-dirigente da JCP e companheiro de viagem do BE, lá ia dizendo que as coisas podiam mudar assim que chegassem a Génova: "Se tiver 500 pessoas à minha volta a resistir à polícia, é óbvio que não me vou embora." Só que Ricardo Noronha, aparentemente, não se encontrou com essas 500 pessoas. Participou ordeiramente na manifestação, tendo mesmo evitado os locais mais quentes da marcha de sábado passado. O grupo desistiu da ideia de se juntar à Refundação Comunista na Praça Kennedy devido aos confrontos que aí ocorriam. Jogaram pelo seguro e entraram na manifestação a meio, tendo feito o resto do percurso ordeiramente atrás das bandeiras curdas. Limitaram-se a colocar uns lenços ou máscaras na boca para evitar o gás lacrimogéneo. Foi a consequência natural de uma viagem sem história nem sessão de esclarecimento sobre a guerrilha urbana que os esperava em Génova. O máximo a que se chegou foram conselhos - à vista da fronteira italiana - do género: "Não digam nada à frente da bófia que eles aqui percebem as insinuações." Octávio Raposo, de 22 anos, foi o único a reconhecer que ia na comitiva por causa da manifestação de Génova, embora por outro motivo: "É importante estar lá, para nos localizarmos em termos políticos. Mas também vou por causa das boas fotografias." Para o brasileiro, a cidade encarnava tudo aquilo contra o que lutava: "Génova é a repressão do Estado capitalista democrático, entre aspas." Talvez por isso não se tenha demorado mais de seis horas na capital da desobediência. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Berlusconi promete "não esconder a verdade" sobre a violência em Génova

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