Mistérios da pré-campanha

10-06-2000
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Mistérios de pré-campanha

Por Vítor Dias

Membro da Comissão Política do CC do PCP

Decididamente, parece andar cheia de mistérios esta pré-campanha para o Parlamento Europeu. No fim, veremos se são mesmo mistérios ou se, afinal, está tudo muito bem explicado.

O maior e mais intrigante mistério que, em geral, povoa esta pré-campanha é como foi possível que uma tão densa cortina de nevoeiro e amnésia tivesse descido sobre factos amplamente conhecidos e reconhecidos e como é possível que, na generalidade dos «media», qualquer «nuance» de discurso, traços de personalidade ou fragmentos de teatro político de Pacheco Pereira e Mário Soares estejam a chegar e sobrar para escamotear esse dado histórico - incontornável e irrefutável - da profundíssima identidade de posições entre PS e PSD nomeadamente em matéria de política europeia.

Parece, pois, já ter entrado em vigor aquele decreto que, em prosa de ficção política que publicámos noutro lado, determinava ironicamente que «por prejudiciais ao interesse mediático da luta eleitoral e designadamente à proeminência do duelo Mário Soares-Pacheco Pereira, devem ser dadas por absolutamente inexistentes todas as convergências, todos os acordos, todas as votações conjuntas que, no passado, associaram fortemente o PS e o PSD em matéria de construção europeia» . E em que, para plena eficácia deste democrático preceito, se postulava de seguida que «devem ser queimados todos os arquivos de imprensa escrita ou registos audiovisuais, incluindo números do "Diário da Assembleia da República", que possam ser usados pelos inimigos da modernização das campanhas eleitorais para contestar aquela inexistência».

E é pelo mesmo efeito de uma amnésia administrativamente decretada ou voluntariamente assimilada que em muitos «media» também se olham excitadamente as estocadas verbais entre Paulo Portas e Pacheco Pereira e poucos são os que retêm - e sobretudo tiram as devidas ilações - que, se não fossem umas ainda recentes cenas de faca e alguidar televisivas, nenhum dos dois seria cabeça de lista porque ambos, felizes e contentes e debaixo de um programa comum, estariam a ser representados por Leonor Beleza !

E, como se está vendo, a transformação da «nuance», do conflito verbal personalizado e do espalhafato entre PS,PSD e PP em substância central do debate e das escolhas eleitorais precisa, como de pão para a boca, de outra coisa que está sendo feita impiedosamente. Precisa que reais diferenças de propostas e de projecto e a ousadia de romper com a resignação e com o actual estado de coisas, como as que são protagonizadas pela CDU, sejam expeditamente classificadas e exiladas como não tendo «nada a ver com o mundo em que vivemos» (Prado Coelho dixit) embora sejam, de facto, as que melhor escutam os apelos e desafios colocados pelo país, pela Europa e pelo mundo em que realmente vivemos.

P rossegue também o mistério da cegueira de alguns que, sempre que a realidade não bate certo com os seus esquemas preconcebidos, logo empreendem a falsificação da realidade até que ela finalmente se conforme com as conveniências e interesses que querem salvar a todo o custo.

Sem especial gosto o dizemos, mas é precisamente isso que fez Fernando Rosas quando, em artigo no «Público» (12.5.99),escreveu que «os meios de comunicação social públicos e privados se preparam como sempre para entregar o domínio quase exclusivo do acesso aos eleitores aos partidos do centro e, mais acessoriamente, aos apendiculares colaterais».. O que, trocado por miúdos, só pode querer dizer que, para aquele dirigente do novo partido formado pelos partidos PSR, Política XXI e UDP, o PCP seria o «apendicular colateral» do PS.

E, mesmo não dizendo mais nada, porque além do mais a expressão usada por F. Rosas fala como um livro aberto sobre aqueles cuja esperança de brilharem está sempre dependente da prévia deturpação da real orientação e papel de outros, não nos admiraria que Eduardo Prado Coelho visse nesta sóbria referência mais «um esforço intelectual para tentar demolir o Bloco de Esquerda» por parte do PCP, como sentenciou em recente crónica («Público», 20.4.99).

Mas, propiciando alguma entrada dos leitores em certos bastidores, talvez se justifique contarmos hoje que, nesse mesmo dia, escrevemos a E.P.C estranhando que ele «curiosamente nunca tenha visto nenhum esforço de «demolição» do PCP por parte do «Bloco de Esquerda», pelo que «a bem da equidade e da isenção, continuamos pois na magnifica situação em que uns podem dizer o que quiserem sobre outros mas já os atingidos por deturpações e caricaturas nem sequer podem exercer o direito à legítima defesa política».

E como EPC, na mesma crónica, depois de, por causa de uma ou duas iniciativas, valorizar altamente a abertura ao debate pelo «Bloco de Esquerda», logo se lamentava que no PS e no PCP não houvesse semelhante abertura, lembrámos-lhe que «em matéria de disponibilidade e concretização de iniciativas e espaços de diálogo à esquerda, deve ser muito difícil colocar alguém à frente do PCP. Como poderá ver, só para citar o exemplo mais recente, através da lista (em anexo) das iniciativas e respectivos participantes do «Portugal 2000- Debates para uma política de esquerda» promovido pelo PCP».

E, perfidamente, terminávamos a missiva manifestando a nossa certeza de que «a leitura desta lista lhe provocará o irresistível impulso de assumir perante os seus leitores que lamentavelmente não tinha tal informação e de alinhar algumas pertinentes reflexões sobre como foi possível que, pela comunicação social, não tivesse tido acesso a uma tão forte demonstração da capacidade de diálogo do PCP ».

Passou um mês sobre a carta, e qual «irresistível impulso» qual carapuça, nem novas nem mandados, apenas silêncio e silêncio de chumbo. Mas não se pense que é por EPC ser um dos que acham que aos comunistas nem por uma vez se pode dar razão ou confiança. É apenas porque, conforme confessou na sua crónica de passada segunda-feira, é vítima de um grande «assédio comunicacional» e não consegue dar despacho a tanta carta e outras incontáveis mensagens.

P rossegue, ainda e sempre, o mistério sempre renovado e apaixonante das sondagens eleitorais e da sua inesquecível contribuição para uma opinião pública esclarecida, apostada em formar a sua opinião na base de factos e propostas, privilegiando os ditames da sua própria consciência em vez do comportamento «Maria vai com as outras».

E, neste campo, permanece sobretudo o sublime mistério de, ostentando quase todas grandes diferenças de resultados, não poderem ser todas verosímeis ou dignas de crédito, mas ao mesmo tempo cada uma ser vista e sentida como verdadeira no dia em que é publicada por milhões de cidadãos inevitavelmente aprisionados nos grandes títulos e nos grandes números.

A somar a tantas outras prevenções que hoje não queremos repetir, desta vez volta a haver coisas verdadeiramente extraordinárias nas sondagens pré-eleitorais. Assim, por exemplo, as sondagens pelo telefone SIC/Visão referenciam uma abstenção da ordem dos 60%. Mas uma sondagem igualmente pelo telefone do «DN» já só apurou uma abstenção de 6% (sim, seis por cento!). Alguns outros órgãos de informação escapam a este problema, porque conseguem esquecer-se de publicar que nível de abstenção é que foi declarado pelos inquiridos, apesar de não poderem ignorar que, nas eleições para o Parlamento Europeu, esse é um elemento de que depende em grande medida a razoabilidade dos outros resultados apurados.

T udo visto, é hora de confirmar o que já de principio se sabia: que não têm mistério nenhum muitos dos «mistérios» que estão compondo a galáxia de futilidade, de truques artificiosos, e de gritante hostilidade e ostensivo preconceito contra o PCP e a CDU e de fuga premeditada das realidades e problemas mais cruciais que deviam estar sob atento exame e vigoroso debate, a que alguns querem reduzir a campanha para o Parlamento Europeu.

Trata-se afinal da confissão velada e indirecta de que incomodamos fortemente os interesses instalados e a política dominante em Portugal e na Europa, de que a nossa voz e as nossas propostas marcam demasiada e insuportável diferença no pântano de quietude e conformismo que a política de direita reclama e anima, de que um bom resultado da CDU em 13 de Junho estragaria a festa da cruzada da «bipolarização» e abriria uma nova e esperançosa dinâmica para as legislativas seguintes.

Sabendo isto, saibamos nós erguer nestes 22 dias que faltam para o voto de 13 de Junho uma grande corrente de verdade e de esclarecimento, de vontade, confiança e mobilização, de diálogo directo com os eleitores que, estilhaçando sofismas, preconceitos e discriminações, reforce a votação na CDU, para mais esquerda por um melhor Portugal e um novo rumo para a Europa.

«Avante!» Nº 1329 - 20.Maio.1999

Mistérios de pré-campanha

Por Vítor Dias

Membro da Comissão Política do CC do PCP

Decididamente, parece andar cheia de mistérios esta pré-campanha para o Parlamento Europeu. No fim, veremos se são mesmo mistérios ou se, afinal, está tudo muito bem explicado.

O maior e mais intrigante mistério que, em geral, povoa esta pré-campanha é como foi possível que uma tão densa cortina de nevoeiro e amnésia tivesse descido sobre factos amplamente conhecidos e reconhecidos e como é possível que, na generalidade dos «media», qualquer «nuance» de discurso, traços de personalidade ou fragmentos de teatro político de Pacheco Pereira e Mário Soares estejam a chegar e sobrar para escamotear esse dado histórico - incontornável e irrefutável - da profundíssima identidade de posições entre PS e PSD nomeadamente em matéria de política europeia.

Parece, pois, já ter entrado em vigor aquele decreto que, em prosa de ficção política que publicámos noutro lado, determinava ironicamente que «por prejudiciais ao interesse mediático da luta eleitoral e designadamente à proeminência do duelo Mário Soares-Pacheco Pereira, devem ser dadas por absolutamente inexistentes todas as convergências, todos os acordos, todas as votações conjuntas que, no passado, associaram fortemente o PS e o PSD em matéria de construção europeia» . E em que, para plena eficácia deste democrático preceito, se postulava de seguida que «devem ser queimados todos os arquivos de imprensa escrita ou registos audiovisuais, incluindo números do "Diário da Assembleia da República", que possam ser usados pelos inimigos da modernização das campanhas eleitorais para contestar aquela inexistência».

E é pelo mesmo efeito de uma amnésia administrativamente decretada ou voluntariamente assimilada que em muitos «media» também se olham excitadamente as estocadas verbais entre Paulo Portas e Pacheco Pereira e poucos são os que retêm - e sobretudo tiram as devidas ilações - que, se não fossem umas ainda recentes cenas de faca e alguidar televisivas, nenhum dos dois seria cabeça de lista porque ambos, felizes e contentes e debaixo de um programa comum, estariam a ser representados por Leonor Beleza !

E, como se está vendo, a transformação da «nuance», do conflito verbal personalizado e do espalhafato entre PS,PSD e PP em substância central do debate e das escolhas eleitorais precisa, como de pão para a boca, de outra coisa que está sendo feita impiedosamente. Precisa que reais diferenças de propostas e de projecto e a ousadia de romper com a resignação e com o actual estado de coisas, como as que são protagonizadas pela CDU, sejam expeditamente classificadas e exiladas como não tendo «nada a ver com o mundo em que vivemos» (Prado Coelho dixit) embora sejam, de facto, as que melhor escutam os apelos e desafios colocados pelo país, pela Europa e pelo mundo em que realmente vivemos.

P rossegue também o mistério da cegueira de alguns que, sempre que a realidade não bate certo com os seus esquemas preconcebidos, logo empreendem a falsificação da realidade até que ela finalmente se conforme com as conveniências e interesses que querem salvar a todo o custo.

Sem especial gosto o dizemos, mas é precisamente isso que fez Fernando Rosas quando, em artigo no «Público» (12.5.99),escreveu que «os meios de comunicação social públicos e privados se preparam como sempre para entregar o domínio quase exclusivo do acesso aos eleitores aos partidos do centro e, mais acessoriamente, aos apendiculares colaterais».. O que, trocado por miúdos, só pode querer dizer que, para aquele dirigente do novo partido formado pelos partidos PSR, Política XXI e UDP, o PCP seria o «apendicular colateral» do PS.

E, mesmo não dizendo mais nada, porque além do mais a expressão usada por F. Rosas fala como um livro aberto sobre aqueles cuja esperança de brilharem está sempre dependente da prévia deturpação da real orientação e papel de outros, não nos admiraria que Eduardo Prado Coelho visse nesta sóbria referência mais «um esforço intelectual para tentar demolir o Bloco de Esquerda» por parte do PCP, como sentenciou em recente crónica («Público», 20.4.99).

Mas, propiciando alguma entrada dos leitores em certos bastidores, talvez se justifique contarmos hoje que, nesse mesmo dia, escrevemos a E.P.C estranhando que ele «curiosamente nunca tenha visto nenhum esforço de «demolição» do PCP por parte do «Bloco de Esquerda», pelo que «a bem da equidade e da isenção, continuamos pois na magnifica situação em que uns podem dizer o que quiserem sobre outros mas já os atingidos por deturpações e caricaturas nem sequer podem exercer o direito à legítima defesa política».

E como EPC, na mesma crónica, depois de, por causa de uma ou duas iniciativas, valorizar altamente a abertura ao debate pelo «Bloco de Esquerda», logo se lamentava que no PS e no PCP não houvesse semelhante abertura, lembrámos-lhe que «em matéria de disponibilidade e concretização de iniciativas e espaços de diálogo à esquerda, deve ser muito difícil colocar alguém à frente do PCP. Como poderá ver, só para citar o exemplo mais recente, através da lista (em anexo) das iniciativas e respectivos participantes do «Portugal 2000- Debates para uma política de esquerda» promovido pelo PCP».

E, perfidamente, terminávamos a missiva manifestando a nossa certeza de que «a leitura desta lista lhe provocará o irresistível impulso de assumir perante os seus leitores que lamentavelmente não tinha tal informação e de alinhar algumas pertinentes reflexões sobre como foi possível que, pela comunicação social, não tivesse tido acesso a uma tão forte demonstração da capacidade de diálogo do PCP ».

Passou um mês sobre a carta, e qual «irresistível impulso» qual carapuça, nem novas nem mandados, apenas silêncio e silêncio de chumbo. Mas não se pense que é por EPC ser um dos que acham que aos comunistas nem por uma vez se pode dar razão ou confiança. É apenas porque, conforme confessou na sua crónica de passada segunda-feira, é vítima de um grande «assédio comunicacional» e não consegue dar despacho a tanta carta e outras incontáveis mensagens.

P rossegue, ainda e sempre, o mistério sempre renovado e apaixonante das sondagens eleitorais e da sua inesquecível contribuição para uma opinião pública esclarecida, apostada em formar a sua opinião na base de factos e propostas, privilegiando os ditames da sua própria consciência em vez do comportamento «Maria vai com as outras».

E, neste campo, permanece sobretudo o sublime mistério de, ostentando quase todas grandes diferenças de resultados, não poderem ser todas verosímeis ou dignas de crédito, mas ao mesmo tempo cada uma ser vista e sentida como verdadeira no dia em que é publicada por milhões de cidadãos inevitavelmente aprisionados nos grandes títulos e nos grandes números.

A somar a tantas outras prevenções que hoje não queremos repetir, desta vez volta a haver coisas verdadeiramente extraordinárias nas sondagens pré-eleitorais. Assim, por exemplo, as sondagens pelo telefone SIC/Visão referenciam uma abstenção da ordem dos 60%. Mas uma sondagem igualmente pelo telefone do «DN» já só apurou uma abstenção de 6% (sim, seis por cento!). Alguns outros órgãos de informação escapam a este problema, porque conseguem esquecer-se de publicar que nível de abstenção é que foi declarado pelos inquiridos, apesar de não poderem ignorar que, nas eleições para o Parlamento Europeu, esse é um elemento de que depende em grande medida a razoabilidade dos outros resultados apurados.

T udo visto, é hora de confirmar o que já de principio se sabia: que não têm mistério nenhum muitos dos «mistérios» que estão compondo a galáxia de futilidade, de truques artificiosos, e de gritante hostilidade e ostensivo preconceito contra o PCP e a CDU e de fuga premeditada das realidades e problemas mais cruciais que deviam estar sob atento exame e vigoroso debate, a que alguns querem reduzir a campanha para o Parlamento Europeu.

Trata-se afinal da confissão velada e indirecta de que incomodamos fortemente os interesses instalados e a política dominante em Portugal e na Europa, de que a nossa voz e as nossas propostas marcam demasiada e insuportável diferença no pântano de quietude e conformismo que a política de direita reclama e anima, de que um bom resultado da CDU em 13 de Junho estragaria a festa da cruzada da «bipolarização» e abriria uma nova e esperançosa dinâmica para as legislativas seguintes.

Sabendo isto, saibamos nós erguer nestes 22 dias que faltam para o voto de 13 de Junho uma grande corrente de verdade e de esclarecimento, de vontade, confiança e mobilização, de diálogo directo com os eleitores que, estilhaçando sofismas, preconceitos e discriminações, reforce a votação na CDU, para mais esquerda por um melhor Portugal e um novo rumo para a Europa.

«Avante!» Nº 1329 - 20.Maio.1999

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