O banqueiro do Bloco de Esquerda

22-01-2001
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Perfil Costa Leal

O Banqueiro do Bloco de Esquerda

Por ANTÓNIO MELO

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

É um homem discreto, mesmo caseiro, sem "hobbies" nem excentricidades. Quando tem tempo livre, ocupa-o a ler obras de história. Os jornais, que não despreza, fazem parte do trabalho: "De manhã vejo o PÚBLICO, o ''Diário Económico'' e o ''Diário de Notícias'', por esta ordem." O resto dos lazeres destina-os à família e aos amigos - que vêm na maioria do "Quelhas", do tempo em que andava no Instituto Superior de Economia e Finanças (ISEF). Há um núcleo privilegiado neste grupo, feito de antigos companheiros de prisão, que se reúne semanalmente para comer e conversar. Foi no dia 4 de Fevereiro de 1959, por denúncia, que foi detido pela polícia política salazarista, acusado de pertencer à célula comunista da revista "Economia". Foi a tribunal plenário e condenado a 18 meses de prisão por "atitudes subversivas contra a ordem estabelecida".

Vivia-se a ressaca do "furacão Delgado" - a campanha presidencial de 1958, que opôs Humberto Delgado a Salazar, pelo interposto candidato Américo Tomás. O tribunal do regime teve a mão pesada. Ulpiano Nascimento, considerado o responsável da célula foi condenado a 22 meses, e mesmo os que tiveram uma ligação acidental ao grupo, como Esteves Belo ou Silva Falcão, não ficaram livres de uma detenção de seis meses.

A evocação do episódio, passados que são 42 anos, ainda faz doer, sobretudo o cenário do tribunal plenário - "uma recordação tétrica". As outras contrariedades da vida são apenas isso, contrariedades que se ultrapassam melhor ou pior, mesmo quando o ser mais querido desliza dia após dia na escuridão da doença de Alzheimer. Não se trata de resignação no sentido cristão, sentimento que respeita mas não partilha. É antes uma atitude de respeito pela dignidade humana, solidária com o seu sofrimento, fundada na convicção de que o homem, com os instrumentos do conhecimento e da ciência, conseguirá um dia encontrar a solução para os problemas da saúde.

Foi o que lhe aconteceu em miúdo, quando a tuberculose o atingiu. A doença assustava, mas já não era a terrível tísica, que povoou de espectros os lares portugueses no final da segunda década do século XX. O jovem curou-se e pôde prosseguir os estudos no Instituto Comercial, antes de ir completar o curso liceal no "Ferreira Borges" e, depois, se inscrever no ISEF.

Este lisboeta de Arroios, que nasceu a 5 de Novembro de 1921, é menos esperançoso quanto aos males sociais. Vê o futuro sinalizado de "pontos negros" e considera que exemplos como o das recentes eleições presidenciais norte-americanas desacreditam a democracia e a põem à mercê de um tirano "salvador".

Interessa-se pela política nacional, mas mostra-se desiludido com a actividade partidária, que considera desideologizada e pouco inspirada. Abre uma excepção para o Bloco de Esquerda, por quem manifesta simpatia e espera que se consolide. Considera-o importante para a esquerda portuguesa, sobretudo numa altura em que o PS se "descaracterizou" e o PCP caiu numa "rigidez" sem entusiasmo.

No grupo de amigos cultiva a ironia subtil, flagelando o lugar comum pela repetição, até se tornar óbvio, mesmo para o autor, a insustentabilidade da sua "pérola".

No mais é uma pessoa distendida que surpreende pela lhaneza. Sempre que os azares da vida e da política o puseram em má posição, foi, sem estados de alma nem falsos orgulhos, pedir apoio aos amigos e conhecidos. Que não lho negaram, mesmo se não partilhavam do seu ideário social.

Foi o que aconteceu em meados de 1961, quando saiu da prisão de Caxias e sobre ele pesava um futuro sombrio. Apesar de ter sido o melhor aluno do seu curso, a carreira académica estava-lhe definitivamente vedada. Quem o tirou de apuros foi Jorge de Mello, que fora seu colega. Convidou-o para ir para a CUF, onde a sua coroa de glória foi o estudo financeiro para a construção da Lisnave.

Aí o encontrou a revolução de 1974, quando prosseguia uma áspera discussão salarial com a comissão de trabalhadores. Em Junho, Silva Lopes foi de lá tirá-lo, quando o convidou para seu subsecretário de Estado das Finanças.

Uma atitude semelhante teve dez anos mais tarde o padre Vítor Melícias. Estava ele em missão das Nações Unidas em Cabo Verde quando o convidou para fazer parte da sua lista para a administração do Montepio Geral. Em 1988, com a saída do padre Melícias para a União das Misericórdias, ficou a presidir ao conselho de administração, posto para que foi reeleito por mais três anos em Dezembro último.

António Melo

Perfil Costa Leal

O Banqueiro do Bloco de Esquerda

Por ANTÓNIO MELO

Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2001

É um homem discreto, mesmo caseiro, sem "hobbies" nem excentricidades. Quando tem tempo livre, ocupa-o a ler obras de história. Os jornais, que não despreza, fazem parte do trabalho: "De manhã vejo o PÚBLICO, o ''Diário Económico'' e o ''Diário de Notícias'', por esta ordem." O resto dos lazeres destina-os à família e aos amigos - que vêm na maioria do "Quelhas", do tempo em que andava no Instituto Superior de Economia e Finanças (ISEF). Há um núcleo privilegiado neste grupo, feito de antigos companheiros de prisão, que se reúne semanalmente para comer e conversar. Foi no dia 4 de Fevereiro de 1959, por denúncia, que foi detido pela polícia política salazarista, acusado de pertencer à célula comunista da revista "Economia". Foi a tribunal plenário e condenado a 18 meses de prisão por "atitudes subversivas contra a ordem estabelecida".

Vivia-se a ressaca do "furacão Delgado" - a campanha presidencial de 1958, que opôs Humberto Delgado a Salazar, pelo interposto candidato Américo Tomás. O tribunal do regime teve a mão pesada. Ulpiano Nascimento, considerado o responsável da célula foi condenado a 22 meses, e mesmo os que tiveram uma ligação acidental ao grupo, como Esteves Belo ou Silva Falcão, não ficaram livres de uma detenção de seis meses.

A evocação do episódio, passados que são 42 anos, ainda faz doer, sobretudo o cenário do tribunal plenário - "uma recordação tétrica". As outras contrariedades da vida são apenas isso, contrariedades que se ultrapassam melhor ou pior, mesmo quando o ser mais querido desliza dia após dia na escuridão da doença de Alzheimer. Não se trata de resignação no sentido cristão, sentimento que respeita mas não partilha. É antes uma atitude de respeito pela dignidade humana, solidária com o seu sofrimento, fundada na convicção de que o homem, com os instrumentos do conhecimento e da ciência, conseguirá um dia encontrar a solução para os problemas da saúde.

Foi o que lhe aconteceu em miúdo, quando a tuberculose o atingiu. A doença assustava, mas já não era a terrível tísica, que povoou de espectros os lares portugueses no final da segunda década do século XX. O jovem curou-se e pôde prosseguir os estudos no Instituto Comercial, antes de ir completar o curso liceal no "Ferreira Borges" e, depois, se inscrever no ISEF.

Este lisboeta de Arroios, que nasceu a 5 de Novembro de 1921, é menos esperançoso quanto aos males sociais. Vê o futuro sinalizado de "pontos negros" e considera que exemplos como o das recentes eleições presidenciais norte-americanas desacreditam a democracia e a põem à mercê de um tirano "salvador".

Interessa-se pela política nacional, mas mostra-se desiludido com a actividade partidária, que considera desideologizada e pouco inspirada. Abre uma excepção para o Bloco de Esquerda, por quem manifesta simpatia e espera que se consolide. Considera-o importante para a esquerda portuguesa, sobretudo numa altura em que o PS se "descaracterizou" e o PCP caiu numa "rigidez" sem entusiasmo.

No grupo de amigos cultiva a ironia subtil, flagelando o lugar comum pela repetição, até se tornar óbvio, mesmo para o autor, a insustentabilidade da sua "pérola".

No mais é uma pessoa distendida que surpreende pela lhaneza. Sempre que os azares da vida e da política o puseram em má posição, foi, sem estados de alma nem falsos orgulhos, pedir apoio aos amigos e conhecidos. Que não lho negaram, mesmo se não partilhavam do seu ideário social.

Foi o que aconteceu em meados de 1961, quando saiu da prisão de Caxias e sobre ele pesava um futuro sombrio. Apesar de ter sido o melhor aluno do seu curso, a carreira académica estava-lhe definitivamente vedada. Quem o tirou de apuros foi Jorge de Mello, que fora seu colega. Convidou-o para ir para a CUF, onde a sua coroa de glória foi o estudo financeiro para a construção da Lisnave.

Aí o encontrou a revolução de 1974, quando prosseguia uma áspera discussão salarial com a comissão de trabalhadores. Em Junho, Silva Lopes foi de lá tirá-lo, quando o convidou para seu subsecretário de Estado das Finanças.

Uma atitude semelhante teve dez anos mais tarde o padre Vítor Melícias. Estava ele em missão das Nações Unidas em Cabo Verde quando o convidou para fazer parte da sua lista para a administração do Montepio Geral. Em 1988, com a saída do padre Melícias para a União das Misericórdias, ficou a presidir ao conselho de administração, posto para que foi reeleito por mais três anos em Dezembro último.

António Melo

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