A mentira

28-06-2001
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OPINIÃO

A Mentira

Por ANÍBAL CAVACO SILVA

Quinta, 28 de Junho de 2001 O abrandamento do crescimento económico português no primeiro semestre de 2001 foi o argumento invocado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças para justificar a redução das despesas do Estado em 150 milhões de contos, constante do Orçamento Rectificativo apresentado à Assembleia da República. Quer isto dizer que, segundo o Governo, quando o crescimento económico de um país abranda e, consequentemente, as receitas dos impostos baixam em relação ao previsto, as despesas públicas devem ser reduzidas, tal como acontece nas famílias, para evitar o agravamento do défice das contas do Estado. Trata-se de uma proposição errada. O que terão pensado os meus alunos da universidade ao ouvirem o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, no passado dia 21, afirmarem perante as câmaras da televisão precisamente o contrário daquilo que lhes ensinei e que leram nos livros de Macroeconomia e Finanças Públicas? Porque estamos em época de exames, entendi que era meu dever não ficar calado. O argumento invocado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças é falso. Quando o crescimento económico de um país abranda, a política correcta é precisamente deixar que a receita fiscal baixe automaticamente e não cortar na despesa pública. É igualmente correcto deixar aumentar as despesas do Estado em subsídios de desemprego, quando a situação económica se deteriora e mais trabalhadores perdem o seu emprego. É aquilo a que os economistas designam por "estabilização automática". Se, quando um país é atingido por uma crise económica, se cortasse a despesa pública, a crise ainda se agravava mais. É por isso que não se deve fazê-lo. Como é possível que os assessores do primeiro-ministro não lhe tenham explicado que este é um caso em que não há similitude entre o comportamento correcto para as famílias e para o Estado? O primeiro-ministro e o ministro das Finanças mentiram quando afirmaram que o Orçamento Rectificativo e o corte anunciado nas despesas do Estado eram uma consequência natural do abrandamento económico. A verdade é outra. A crise das finanças públicas, que agora rebentou, era previsível há muito. Eu próprio escrevi um artigo num jornal, em Fevereiro de 2000, alertando que o MONSTRO em que o Governo tinha transformado o Orçamento do Estado estava a devorar a riqueza nacional. O Orçamento Rectificativo apresentado à Assembleia da República é o resultado de erros graves deliberadamente cometidos pelo Governo nos últimos anos. É o resultado, por exemplo, do congelamento dos preços dos combustíveis, um erro impossível de explicar; da admissão injustificada de dezenas de milhares de novos funcionários públicos; da criação de dezenas de institutos públicos, que, nalguns casos, são duplicações de outros serviços; do completo descontrolo em que o Governo deixou cair as despesas do sector da saúde; da gestão ruinosa de algumas empresas públicas, que acumularam centenas de milhões de contos de prejuízos; do aumento insustentável das transferências de verbas para as autarquias, sem a correspondente transferência de competências; da criação de um sistema de rendimento mínimo garantido propício à fraude e ineficiente no combate à pobreza; do acréscimo de rigidez introduzido na gestão da mão-de-obra do sector público. É esta a verdade e é lamentável que o Governo não tenha tido a coragem de assumi-la e tenha preferido mentir aos portugueses. A grave crise das finanças públicas em que o país está mergulhado não tem nada a ver com o abrandamento económico, como o primeiro-ministro e o ministro das Finanças pretenderam fazer crer. É apenas o fruto dos erros de política económica cometidos pelo Governo socialista e da sua paixão pelo desperdício dos dinheiros públicos, que atinge muitas centenas de milhões de contos. É por isso que o Governo não tem hoje margem de manobra orçamental para estabilizar a economia e cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento e é forçado a lançar sobre os portugueses um programa de austeridade. Para isso, foi alertado em devido tempo, não só por economistas portugueses, mas também por organizações internacionais. Foi uma irresponsabilidade não lhes ter dado ouvidos. Tendo o Governo optado pela mentira na justificação do Orçamento Rectificativo, ocorre perguntar: se a economia não tivesse abrandado, continuava a política despudorada de desperdício dos dinheiros públicos? É por isso que é legítimo desconfiar agora das declarações do Governo de se emendar no futuro. Perante a facilidade com que no passado prometeu obra que depois não realizou, o à-vontade com que diz branco e a seguir diz preto e a sua insistência numa retórica sem conteúdo, o melhor é esperar para ver. Se o Governo tivesse conduzido a política orçamental com um mínimo de rigor, as contas públicas teriam fechado equilibradas no ano 2000 e não seria necessário qualquer aperto do cinto em 2001 ou 2002. O Governo é o único culpado pela austeridade agora anunciada. Como é habitual nestas circunstâncias, a factura irá ser suportada em maior grau pelos portugueses de menores recursos. Actualmente, nenhum outro governo europeu revela uma tão grande insensibilidade em relação à justiça social e às famílias de baixos rendimentos como o Governo do engenheiro Guterres. É imperdoável aquilo que fizeram e ainda por cima mentem. Post scriptum: Agora que parece que o dr. Pina Moura vai abandonar as funções de ministro das Finanças, deixo-lhe aqui um apelo. O senhor, que percebeu a encruzilhada em que o Governo do eng. Guterres meteu o país e mandou preparar um programa de emergência de redução da despesa pública, tenha também a coragem de mandar restituir verdade aos números das contas públicas na óptica das contas nacionais, quer aos da despesa, quer aos da receita dos impostos. Por duas razões. Primeiro, porque é uma vergonha ouvir nas reuniões internacionais afirmar-se que as contas públicas portuguesas são manipuladas para apresentarem défices artificialmente baixos. Segundo, para não enviesar os estudos dos economistas que se dedicam à análise empírica da economia portuguesa. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Guterres enfrenta fim de ciclo

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EDITORIAL Às fuças

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Porque estamos em época de exames, entendi que era meu dever não ficar calado. O argumento invocado pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças é falso. Quando o crescimento económico de um país abranda, a política correcta é precisamente deixar que a receita fiscal baixe automaticamente e não cortar na despesa pública. É igualmente correcto deixar aumentar as despesas do Estado em subsídios de desemprego, quando a situação económica se deteriora e mais trabalhadores perdem o seu emprego. É aquilo a que os economistas designam por "estabilização automática". Se, quando um país é atingido por uma crise económica, se cortasse a despesa pública, a crise ainda se agravava mais. É por isso que não se deve fazê-lo. Como é possível que os assessores do primeiro-ministro não lhe tenham explicado que este é um caso em que não há similitude entre o comportamento correcto para as famílias e para o Estado? O primeiro-ministro e o ministro das Finanças mentiram quando afirmaram que o Orçamento Rectificativo e o corte anunciado nas despesas do Estado eram uma consequência natural do abrandamento económico. A verdade é outra. A crise das finanças públicas, que agora rebentou, era previsível há muito. Eu próprio escrevi um artigo num jornal, em Fevereiro de 2000, alertando que o MONSTRO em que o Governo tinha transformado o Orçamento do Estado estava a devorar a riqueza nacional. O Orçamento Rectificativo apresentado à Assembleia da República é o resultado de erros graves deliberadamente cometidos pelo Governo nos últimos anos. É o resultado, por exemplo, do congelamento dos preços dos combustíveis, um erro impossível de explicar; da admissão injustificada de dezenas de milhares de novos funcionários públicos; da criação de dezenas de institutos públicos, que, nalguns casos, são duplicações de outros serviços; do completo descontrolo em que o Governo deixou cair as despesas do sector da saúde; da gestão ruinosa de algumas empresas públicas, que acumularam centenas de milhões de contos de prejuízos; do aumento insustentável das transferências de verbas para as autarquias, sem a correspondente transferência de competências; da criação de um sistema de rendimento mínimo garantido propício à fraude e ineficiente no combate à pobreza; do acréscimo de rigidez introduzido na gestão da mão-de-obra do sector público. É esta a verdade e é lamentável que o Governo não tenha tido a coragem de assumi-la e tenha preferido mentir aos portugueses. A grave crise das finanças públicas em que o país está mergulhado não tem nada a ver com o abrandamento económico, como o primeiro-ministro e o ministro das Finanças pretenderam fazer crer. É apenas o fruto dos erros de política económica cometidos pelo Governo socialista e da sua paixão pelo desperdício dos dinheiros públicos, que atinge muitas centenas de milhões de contos. É por isso que o Governo não tem hoje margem de manobra orçamental para estabilizar a economia e cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento e é forçado a lançar sobre os portugueses um programa de austeridade. Para isso, foi alertado em devido tempo, não só por economistas portugueses, mas também por organizações internacionais. Foi uma irresponsabilidade não lhes ter dado ouvidos. Tendo o Governo optado pela mentira na justificação do Orçamento Rectificativo, ocorre perguntar: se a economia não tivesse abrandado, continuava a política despudorada de desperdício dos dinheiros públicos? É por isso que é legítimo desconfiar agora das declarações do Governo de se emendar no futuro. Perante a facilidade com que no passado prometeu obra que depois não realizou, o à-vontade com que diz branco e a seguir diz preto e a sua insistência numa retórica sem conteúdo, o melhor é esperar para ver. Se o Governo tivesse conduzido a política orçamental com um mínimo de rigor, as contas públicas teriam fechado equilibradas no ano 2000 e não seria necessário qualquer aperto do cinto em 2001 ou 2002. O Governo é o único culpado pela austeridade agora anunciada. Como é habitual nestas circunstâncias, a factura irá ser suportada em maior grau pelos portugueses de menores recursos. Actualmente, nenhum outro governo europeu revela uma tão grande insensibilidade em relação à justiça social e às famílias de baixos rendimentos como o Governo do engenheiro Guterres. É imperdoável aquilo que fizeram e ainda por cima mentem. Post scriptum: Agora que parece que o dr. Pina Moura vai abandonar as funções de ministro das Finanças, deixo-lhe aqui um apelo. O senhor, que percebeu a encruzilhada em que o Governo do eng. Guterres meteu o país e mandou preparar um programa de emergência de redução da despesa pública, tenha também a coragem de mandar restituir verdade aos números das contas públicas na óptica das contas nacionais, quer aos da despesa, quer aos da receita dos impostos. Por duas razões. Primeiro, porque é uma vergonha ouvir nas reuniões internacionais afirmar-se que as contas públicas portuguesas são manipuladas para apresentarem défices artificialmente baixos. Segundo, para não enviesar os estudos dos economistas que se dedicam à análise empírica da economia portuguesa. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Guterres enfrenta fim de ciclo

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