Destaque

28-06-2001
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EDITORIAL

Às Fuças

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Quinta, 28 de Junho de 2001 "Temos homem", dir-se-ia noutros tempos. "Assim é que é", acrescentar-se-ia. Noutros tempos - e esse é que é o problema. Segundo as descrições mais fidedignas, o homem entrou sem garra na arena - mais uma reunião com o grupo parlamentar do PS -, fez uma intervenção murcha e falha de chama, mas, devidamente acicatado pela ala esquerda do partido, assumiu-se. Ou melhor, transfigurou-se. E garantiu: "não me apetece outra coisa se não ir-lhes às fuças". Ir-lhes, à direita. Ele, António Guterres de seu nome, homem pacato e sorridente, incapaz de levantar a voz, está agora cheio de brios. E garante que vai fazer exactamente o contrário do que está na sua natureza como pessoa e na sua tradição como político. Na verdade não é só estilo que é diferente: é também a opção de fundo. Porque antes de lançar o seu grito de guerra, o primeiro-ministro disse que saíria a terreiro porque não está no seu posto "para fazer a política neoliberal da direita". No entanto, para muitos não haverá nada mais "neoliberal" do que disciplinas as contas públicas, diminuir o défice público, diminuir o peso do Estado na economia, impor tectos salariais a funcionários públicos e aprovar umas medidas de estímulo ao investimento bolsista - exactamente as medidas para que Guterres pedira o apoio dos seus deputados. Isto é: no momento em que finalmente o ministro das Finanças decidiu ser ministro das Finanças e apresentou um conjunto de medidas que, mesmo tardias e parciais, não deixam de ser positivas, o primeiro ministro resolve "ir às fuças" aos que poderiam dar apoio parlamentar a essas medidas e aos que até se preparam para deixar passar o seu orçamento rectificativo. Isto só é possível porque António Guterres continua a fazer das fraquezas alheias a sua força, e sabe que por enquanto tem Durão Barroso no bolso: se não fosse ele a viabilizar-lhe o rectificativo, eram os deputados PSD da Madeira, a quem foram ofertados mais uns milhões de contos. Mais: sabe que o líder do PSD não é da mesma escola de anteriores presidentes desse partido, como Sá Carneiro e Cavaco Silva, e que por isso não ataca, antes prefere aguardar que o fruto do poder lhe caia podre nas mãos. Por isso ele, como Durão, tentam jogar com o tempo: Guterres espera que a tempestade passe, Barroso que ela afunde o barco da governação. Quaisquer considerações sobre o país e o que ele entretanto vai definhando não parece incomodá-los. Entretem-se antes a dizer que perderam o respeito ao outro ou a adoptar a linguagem dos marialvas. Este apodrecimento recomenda, como já aqui defendemos, a realização de eleições clarificadoras. Primeiro, porque se o PS quiser aplicar a sua política de austeridade, necessita de uma legitimidade renovada; mas, seguindo a nova retórica guterrista, se quiser antes enfrentar a "alta finança" e "ir às fuças" à direita, então convém que diga isso aos eleitores e estes voltem a julgá-lo, pois a plataforma eleitoral com que concorreu era centrista e moderada, e não radical. Depois, porque também é conveniente acabar com as hesitações à direita. Se Durão Barroso está à altura de governar, esta é a altura de tentar a sua sorte. Senão é melhor sair da frente. Ficar à espera que Guterres se consuma de vez, ou que se formem alternativas sólidas e estáveis, como defendem alguns comentadores, pode ser ficar à espera de Godot. E Godot, como se sabe, nunca chega: sobretudo quando não se vai ao encontro dele. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Guterres enfrenta fim de ciclo

PSD: A estratégia da resistência

Eleições já, pedem CDS-PP e BE

PCP chuta para Outubro

EDITORIAL Às fuças

OPINIÃO A mentira

Os 24 trabalhos de António Guterres

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