Embriões, escolha e ética

23-07-2001
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Genética

Embriões, Escolha e Ética

Por RICK WEISS

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

Os avanços na genética são uma dádiva de Deus? Ou é por eles que vai começar a perdição da humanidade? O debate só está no princípio e as tecnologias genéticas que estão a transformar o mundo e a humanidade continuam a avançar. Com pequenos passos. Três histórias para ajudar à discussão.

Gweneth e Jeff Berkowitz vão escolher o seu próximo bebé. Vão examinar os embriões-candidatos que produziram, um por um. Vão submeter cada um aos mais recentes exames genéticos conhecidos. Seleccionarão apenas o melhor - e rejeitarão os restantes.

Gweneth, 30 anos, e Jeff, 31, não têm medo de tomar nas suas mãos as rédeas da evolução ou da natureza - não desde o nascimento e morte da filha, Logan, há apenas alguns meses.

"Vê-se a criança, pega-se nela, e cria-se um laço", afirma Jeff Berkowitz. "E tê-la só durante cinco semanas e depois carregar esta dor connosco a vida inteira, é demasiado."

Logan Berkowitz sofria de distrofia miotónica, uma desordem muscular que herdou da mãe, que não sabia ser portadora do gene que causa a doença. A menina nasceu na véspera de Ano Novo de 2000; era linda, mas mal tinha força para respirar.

Agora, cinco meses depois de ter morrido, em Fevereiro, os pais planeiam tirar toda a vantagem dos novos testes que dirão quais os embriões que estão votados ao sofrimento e à morte. Só aqueles que estejam livres do gene "com defeito" serão implantados no útero de Gweneth.

A análise de embriões - conhecida como diagnóstico genético pré-implantatório, PGD nas iniciais em inglês - é, na opinião do casal Berkowitz, uma dádiva de Deus. Outros consideram-no um instrumento para a perdição da humanidade.

O PGD é uma de várias novas tecnologias genéticas que estão a transformar o mundo num laboratório vivo onde muitas das velhas regras da biologia já não se aplicam. Genes de espécies sem qualquer relação umas com as outras estão a ser trocados e recombinados com um capricho caleidoscópico, criando novas entidades que, por si, nunca teriam acontecido num processo de evolução.

Clones de clones estão a dar à luz outros clones. Estão mesmo a ser identificados os sinais moleculares de coisas tão intangíveis como o temperamento. Estas novas tecnologias estão a colocar sob controlo humano o destino das espécies. Proporcionam a oportunidade para redefinir, com uma precisão sem precedentes, o que significa ser uma pessoa.

Esta transformação biológica está a estilhaçar o vocabulário ético que tem guiado o moderno processo de tomada de decisões científicas. Os dilemas que cria não envolvem muitas vezes questões tão familiares como o que está certo e o que está errado, mas problemas totalmente novos sobre uma nova condição humana.

A revolução genética está a fazer-se sem avanços espectaculares e claramente marcados, que poderiam tornar mais fácil debatê-la e compreendê-la. Em vez disso, dá-se em pequenos passos, como resultado de decisões privadas, em esferas onde os políticos e os reguladores têm tido medo de aventurar-se. O PGD é um exemplo de como se processa através de pequenas decisões o redesenho que a humanidade está a fazer de si própria.

Especificamente, a análise de embriões tem tornado possível às famílias escaparem aos seus destinos genéticos. Parece simples, mas é uma enorme proeza humana. Esta tecnologia permite que a raça humana rejeite partes do seu código genético que não deseja, permitindo que o genoma humano se refaça - se purifique.

"Cientistas e pais têm agora o poder e a prerrogativa de decidir se a ''herança'' é suficientemente boa não só para entrar em Harvard mas sim na vida", diz Leon Kass, professor de bioética da Universidade de Chicago. "Mas quais vão ser os novos padrões e quem vai defini-los? Quem tem a sabedoria para dizer que estas ''melhorias'' vão tornar-nos melhores seres humanos? Estamos realmente numa encruzilhada."

Gweneth e Jeff Berkowitz reconhecem fazer parte de uma revolução maior, de que a sua decisão de escolher - mesmo que numa escala reduzida - quais os sinais a transmitir aos seus filhos tem implicações profundas para o futuro da procriação humana. "Temos pensado e falado muito sobre isto", confirma Gweneth.

"Não estamos a escolher um filho com olhos azuis em vez de castanhos", acrescenta Jeff. "Não estamos à espera de criar uma criança geneticamente perfeita. Tudo o que procuramos é ter um filho saudável." É por isso que resolveram fazer a viagem a partir de sua casa em Hampton Halls, New Hampshire, até ao Michigan, para consultarem o médico pioneiro do PGD nos Estados Unidos.

Quando escolheram analisar os seus embriões, os Berkowitzes juntaram-se a um movimento que teve os seus princípios em 1992. Foi quando os cientistas mostraram pela primeira vez ser capazes de remover uma única célula de um embrião humano com oito células, realizar testes genéticos nessa célula e, se os resultados fossem positivos, transferir o embrião de sete células para o útero de uma mulher, para que se tornasse um bebé saudável.

Desde então, mais de mil casais em todo o mundo confiaram os seus genes a esta tecnologia, com a maioria a fazê-lo para evitar certos sofrimentos e uma morte prematura aos seus descendentes. Nos últimos anos, casais começaram a usar o processo com outros fins.

Matt Rominger, por exemplo, é portador do gene da doença de Huntington, uma síndroma neurodegenerativa que, por assim dizer, "rouba" a mente das suas vítimas - mas só na idade adulta, quando a pessoa já teve tempo de ter uma vida realizada e compensadora.

Aos 37 anos, Matt ainda é saudável, mas já viu a doença matar tias, tios e, há cinco anos, a mãe. Em 1992, um exame disse-lhe que o seu destino ia ser o mesmo dos seus - uma imobilidade física crescente, comportamentos psicóticos cada vez mais frequentes, perda de intelecto - e que qualquer filho seu teria 50 por cento de possibilidades de herdar o gene causador da doença.

"Pensámos ter filhos e arriscar", conta a mulher, Denise. Mas depois ouviram dizer que o PGD podia eliminar esse elemento de acaso.

"Fizemos muitas perguntas e andámos para a frente e para trás", afirma Matt. E não podia deixar de pensar que, se a mãe tivesse tido acesso a um teste deste género, ele poderia nunca ter nascido. E sentiu que merecia ter nascido. Mas era perseguido pela imagem dos seus filhos a sucumbirem um dia à maldição familiar.

Há cinco anos, os Rominger tornaram-se o primeiro casal a empregar o PGD para avaliar embriões e verificar se eles iam desenvolver a doença de Huntington. Os resultados foram Austin e Hannah, dois gémeos com quatro anos que nunca terão de preocupar-se com a doença ou com a possibilidade de a passar aos seus filhos.

Desde então, tem crescido o número de doenças em relação às quais se pode usar o exame de embriões. E têm aumentado as preocupações sobre quais os seus limites. Tem sido usado para ajudar casais a escolher o sexo do filho, para eliminar embriões em relação aos quais não há a certeza de que possam ter determinada doença, mas que simplesmente têm hipóteses mais elevadas.

Mais recentemente, o PGD tem sido usado para escolher embriões, não apenas porque eles tenham genes que lhes prometem vidas melhores, mas porque transportam genes de que alguém necessita.

Alguém como Brandon Sunderland, de cinco anos, afectado pela doença granulomatosa crónica, uma deficiência do sistema imunitário que, na família, já matou muitas pessoas.

"Em Setembro vai fazer seis anos", diz a mãe, Heidi Sunderland, numa entrevista telefónica. Ela vive em Queensland, Austrália. "Alguns médicos dizem que pode viver até aos 20 ou 30 anos. Na maior parte morrem novos. Nunca se sabe quando vai aparecer a infecção que ameaça a vida."

A única hipótese de cura para Brandon é uma transplantação de medula óssea, de preferência usando sangue de cordão umbilical de um recém-nascido de ascendência próxima. A mãe transporta consigo a cópia do "gene culpado", que apenas afecta rapazes, e eram escassas as hipóteses de conceber uma criança não afectada com o exacto tipo de tecido de Brandon. Mas como podia ela não tentar?

Engravidou o ano passado e ela e o marido, David, fizeram um exame ao feto com 11 semanas. "Descobrimos que era um rapaz", conta. "E que estava afectado." Fez um aborto: "Não é uma posição em que nos queiramos ver outra vez."

Pouco depois, na televisão, viram uma reportagem sobre a salvação de Molly Nash, de 6 anos, que estava a morrer com anemia de Fanconi, uma doença sanguínea hereditária. Os pais, Lisa e Jack Nash, do Colorado, tinham tentado gerar um dador de medula para Molly, passando por quatro ciclos de fertilização "in vitro" para chegarem ao total de 30 embriões com os óvulos de Lisa e o esperma de Jack.

Utilizando tecnologia largamente desenvolvida por Mark Hughes, um ex-geneticista do Instituto Nacional de Saúde, cientistas do Illinois submeteram a exames uma célula de cada um dos 30 embriões e descobriram que cinco deles não continham o gene da doença e também tinham o tipo de tecido perfeito para Molly. Quatro deles não conseguiram desenvolver-se no útero de Lisa, mas finalmente engravidou com o quinto.

Em Setembro, deu à luz um rapaz, Adam. Pouco depois de ter nascido, os médicos procederam a uma transfusão de algumas das células sanguíneas para Molly, para que fizessem o trabalho que as células dela não conseguiam fazer. Umas semanas depois, o médico responsável pelo transplante recebeu uma chamada telefónica desagradável do Vaticano, mas não lhe deu muita importância. Afinal, Molly já estava a melhorar.

Na sua casa na Austrália, Heidi e David Sunderland assistiram pela televisão ao desenrolar deste drama. "Eu olhei para o meu marido e ele olhou para mim. Dissemos: ''Aqui está. Podíamos fazer isto.'' Telefonámos e puseram-nos em contacto com Hughes. Perguntámos se ele nos ajudaria e ele respondeu que sim."

Na casa dos Sunderland, é o presente, e não o futuro, que importa. De cada vez que Brandon tem de recorrer a esteróides para enfrentar a sua doença, os seus ossos enfraquecem. Cada problema com um vírus contém a ameaça de poder ser o último.

"Vai à escola quando pode", diz Heidi. "Normalmente não passa uma semana sem que ele fique em casa com qualquer problema."

Ela e David calculam que precisarão de 60 mil a 70 mil dólares para viajar para os Estados Unidos, pagar os vários ciclos de fertilização "in vitro" e viver lá durante meses, à espera dos exames aos embriões e, finalmente, de uma implantação bem sucedida. É dinheiro que não têm - ele vende peças sobresselentes para automóveis e ela deixou de trabalhar como cabeleireira para tomar conta de Brandon. Têm feito tudo para juntar dinheiro, desde leilões a jantares de angariação de fundos.

A escola católica que Brandon frequenta informou-os de que não podia ajudar a arranjar dinheiro. Para que isso acontecesse, explicaram-lhes, era preciso que a Igreja estivesse de acordo com aquilo que ela está a fazer.

"Sou católica", diz Heidi. "Acredito em Deus. A minha opinião é a de que se Deus permitiu a descoberta desta tecnologia, é porque queria que a usássemos." É por isso que continua a juntar dinheiro, que vem da generosidade e compreensão das pessoas da sua comunidade. "É qualquer coisa que restaura a nossa fé na natureza humana."

Os Sunderland devem chegar aos Estados Unidos no fim de Agosto ou no início de Setembro. Mark Hughes estará no seu laboratório, à espera deles. E outro passo para a mudança na natureza humana principiará.

© PÚBLICO/"The Washington Post"

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Embriões, Escolha e Ética

Por RICK WEISS

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

Os avanços na genética são uma dádiva de Deus? Ou é por eles que vai começar a perdição da humanidade? O debate só está no princípio e as tecnologias genéticas que estão a transformar o mundo e a humanidade continuam a avançar. Com pequenos passos. Três histórias para ajudar à discussão.

Gweneth e Jeff Berkowitz vão escolher o seu próximo bebé. Vão examinar os embriões-candidatos que produziram, um por um. Vão submeter cada um aos mais recentes exames genéticos conhecidos. Seleccionarão apenas o melhor - e rejeitarão os restantes.

Gweneth, 30 anos, e Jeff, 31, não têm medo de tomar nas suas mãos as rédeas da evolução ou da natureza - não desde o nascimento e morte da filha, Logan, há apenas alguns meses.

"Vê-se a criança, pega-se nela, e cria-se um laço", afirma Jeff Berkowitz. "E tê-la só durante cinco semanas e depois carregar esta dor connosco a vida inteira, é demasiado."

Logan Berkowitz sofria de distrofia miotónica, uma desordem muscular que herdou da mãe, que não sabia ser portadora do gene que causa a doença. A menina nasceu na véspera de Ano Novo de 2000; era linda, mas mal tinha força para respirar.

Agora, cinco meses depois de ter morrido, em Fevereiro, os pais planeiam tirar toda a vantagem dos novos testes que dirão quais os embriões que estão votados ao sofrimento e à morte. Só aqueles que estejam livres do gene "com defeito" serão implantados no útero de Gweneth.

A análise de embriões - conhecida como diagnóstico genético pré-implantatório, PGD nas iniciais em inglês - é, na opinião do casal Berkowitz, uma dádiva de Deus. Outros consideram-no um instrumento para a perdição da humanidade.

O PGD é uma de várias novas tecnologias genéticas que estão a transformar o mundo num laboratório vivo onde muitas das velhas regras da biologia já não se aplicam. Genes de espécies sem qualquer relação umas com as outras estão a ser trocados e recombinados com um capricho caleidoscópico, criando novas entidades que, por si, nunca teriam acontecido num processo de evolução.

Clones de clones estão a dar à luz outros clones. Estão mesmo a ser identificados os sinais moleculares de coisas tão intangíveis como o temperamento. Estas novas tecnologias estão a colocar sob controlo humano o destino das espécies. Proporcionam a oportunidade para redefinir, com uma precisão sem precedentes, o que significa ser uma pessoa.

Esta transformação biológica está a estilhaçar o vocabulário ético que tem guiado o moderno processo de tomada de decisões científicas. Os dilemas que cria não envolvem muitas vezes questões tão familiares como o que está certo e o que está errado, mas problemas totalmente novos sobre uma nova condição humana.

A revolução genética está a fazer-se sem avanços espectaculares e claramente marcados, que poderiam tornar mais fácil debatê-la e compreendê-la. Em vez disso, dá-se em pequenos passos, como resultado de decisões privadas, em esferas onde os políticos e os reguladores têm tido medo de aventurar-se. O PGD é um exemplo de como se processa através de pequenas decisões o redesenho que a humanidade está a fazer de si própria.

Especificamente, a análise de embriões tem tornado possível às famílias escaparem aos seus destinos genéticos. Parece simples, mas é uma enorme proeza humana. Esta tecnologia permite que a raça humana rejeite partes do seu código genético que não deseja, permitindo que o genoma humano se refaça - se purifique.

"Cientistas e pais têm agora o poder e a prerrogativa de decidir se a ''herança'' é suficientemente boa não só para entrar em Harvard mas sim na vida", diz Leon Kass, professor de bioética da Universidade de Chicago. "Mas quais vão ser os novos padrões e quem vai defini-los? Quem tem a sabedoria para dizer que estas ''melhorias'' vão tornar-nos melhores seres humanos? Estamos realmente numa encruzilhada."

Gweneth e Jeff Berkowitz reconhecem fazer parte de uma revolução maior, de que a sua decisão de escolher - mesmo que numa escala reduzida - quais os sinais a transmitir aos seus filhos tem implicações profundas para o futuro da procriação humana. "Temos pensado e falado muito sobre isto", confirma Gweneth.

"Não estamos a escolher um filho com olhos azuis em vez de castanhos", acrescenta Jeff. "Não estamos à espera de criar uma criança geneticamente perfeita. Tudo o que procuramos é ter um filho saudável." É por isso que resolveram fazer a viagem a partir de sua casa em Hampton Halls, New Hampshire, até ao Michigan, para consultarem o médico pioneiro do PGD nos Estados Unidos.

Quando escolheram analisar os seus embriões, os Berkowitzes juntaram-se a um movimento que teve os seus princípios em 1992. Foi quando os cientistas mostraram pela primeira vez ser capazes de remover uma única célula de um embrião humano com oito células, realizar testes genéticos nessa célula e, se os resultados fossem positivos, transferir o embrião de sete células para o útero de uma mulher, para que se tornasse um bebé saudável.

Desde então, mais de mil casais em todo o mundo confiaram os seus genes a esta tecnologia, com a maioria a fazê-lo para evitar certos sofrimentos e uma morte prematura aos seus descendentes. Nos últimos anos, casais começaram a usar o processo com outros fins.

Matt Rominger, por exemplo, é portador do gene da doença de Huntington, uma síndroma neurodegenerativa que, por assim dizer, "rouba" a mente das suas vítimas - mas só na idade adulta, quando a pessoa já teve tempo de ter uma vida realizada e compensadora.

Aos 37 anos, Matt ainda é saudável, mas já viu a doença matar tias, tios e, há cinco anos, a mãe. Em 1992, um exame disse-lhe que o seu destino ia ser o mesmo dos seus - uma imobilidade física crescente, comportamentos psicóticos cada vez mais frequentes, perda de intelecto - e que qualquer filho seu teria 50 por cento de possibilidades de herdar o gene causador da doença.

"Pensámos ter filhos e arriscar", conta a mulher, Denise. Mas depois ouviram dizer que o PGD podia eliminar esse elemento de acaso.

"Fizemos muitas perguntas e andámos para a frente e para trás", afirma Matt. E não podia deixar de pensar que, se a mãe tivesse tido acesso a um teste deste género, ele poderia nunca ter nascido. E sentiu que merecia ter nascido. Mas era perseguido pela imagem dos seus filhos a sucumbirem um dia à maldição familiar.

Há cinco anos, os Rominger tornaram-se o primeiro casal a empregar o PGD para avaliar embriões e verificar se eles iam desenvolver a doença de Huntington. Os resultados foram Austin e Hannah, dois gémeos com quatro anos que nunca terão de preocupar-se com a doença ou com a possibilidade de a passar aos seus filhos.

Desde então, tem crescido o número de doenças em relação às quais se pode usar o exame de embriões. E têm aumentado as preocupações sobre quais os seus limites. Tem sido usado para ajudar casais a escolher o sexo do filho, para eliminar embriões em relação aos quais não há a certeza de que possam ter determinada doença, mas que simplesmente têm hipóteses mais elevadas.

Mais recentemente, o PGD tem sido usado para escolher embriões, não apenas porque eles tenham genes que lhes prometem vidas melhores, mas porque transportam genes de que alguém necessita.

Alguém como Brandon Sunderland, de cinco anos, afectado pela doença granulomatosa crónica, uma deficiência do sistema imunitário que, na família, já matou muitas pessoas.

"Em Setembro vai fazer seis anos", diz a mãe, Heidi Sunderland, numa entrevista telefónica. Ela vive em Queensland, Austrália. "Alguns médicos dizem que pode viver até aos 20 ou 30 anos. Na maior parte morrem novos. Nunca se sabe quando vai aparecer a infecção que ameaça a vida."

A única hipótese de cura para Brandon é uma transplantação de medula óssea, de preferência usando sangue de cordão umbilical de um recém-nascido de ascendência próxima. A mãe transporta consigo a cópia do "gene culpado", que apenas afecta rapazes, e eram escassas as hipóteses de conceber uma criança não afectada com o exacto tipo de tecido de Brandon. Mas como podia ela não tentar?

Engravidou o ano passado e ela e o marido, David, fizeram um exame ao feto com 11 semanas. "Descobrimos que era um rapaz", conta. "E que estava afectado." Fez um aborto: "Não é uma posição em que nos queiramos ver outra vez."

Pouco depois, na televisão, viram uma reportagem sobre a salvação de Molly Nash, de 6 anos, que estava a morrer com anemia de Fanconi, uma doença sanguínea hereditária. Os pais, Lisa e Jack Nash, do Colorado, tinham tentado gerar um dador de medula para Molly, passando por quatro ciclos de fertilização "in vitro" para chegarem ao total de 30 embriões com os óvulos de Lisa e o esperma de Jack.

Utilizando tecnologia largamente desenvolvida por Mark Hughes, um ex-geneticista do Instituto Nacional de Saúde, cientistas do Illinois submeteram a exames uma célula de cada um dos 30 embriões e descobriram que cinco deles não continham o gene da doença e também tinham o tipo de tecido perfeito para Molly. Quatro deles não conseguiram desenvolver-se no útero de Lisa, mas finalmente engravidou com o quinto.

Em Setembro, deu à luz um rapaz, Adam. Pouco depois de ter nascido, os médicos procederam a uma transfusão de algumas das células sanguíneas para Molly, para que fizessem o trabalho que as células dela não conseguiam fazer. Umas semanas depois, o médico responsável pelo transplante recebeu uma chamada telefónica desagradável do Vaticano, mas não lhe deu muita importância. Afinal, Molly já estava a melhorar.

Na sua casa na Austrália, Heidi e David Sunderland assistiram pela televisão ao desenrolar deste drama. "Eu olhei para o meu marido e ele olhou para mim. Dissemos: ''Aqui está. Podíamos fazer isto.'' Telefonámos e puseram-nos em contacto com Hughes. Perguntámos se ele nos ajudaria e ele respondeu que sim."

Na casa dos Sunderland, é o presente, e não o futuro, que importa. De cada vez que Brandon tem de recorrer a esteróides para enfrentar a sua doença, os seus ossos enfraquecem. Cada problema com um vírus contém a ameaça de poder ser o último.

"Vai à escola quando pode", diz Heidi. "Normalmente não passa uma semana sem que ele fique em casa com qualquer problema."

Ela e David calculam que precisarão de 60 mil a 70 mil dólares para viajar para os Estados Unidos, pagar os vários ciclos de fertilização "in vitro" e viver lá durante meses, à espera dos exames aos embriões e, finalmente, de uma implantação bem sucedida. É dinheiro que não têm - ele vende peças sobresselentes para automóveis e ela deixou de trabalhar como cabeleireira para tomar conta de Brandon. Têm feito tudo para juntar dinheiro, desde leilões a jantares de angariação de fundos.

A escola católica que Brandon frequenta informou-os de que não podia ajudar a arranjar dinheiro. Para que isso acontecesse, explicaram-lhes, era preciso que a Igreja estivesse de acordo com aquilo que ela está a fazer.

"Sou católica", diz Heidi. "Acredito em Deus. A minha opinião é a de que se Deus permitiu a descoberta desta tecnologia, é porque queria que a usássemos." É por isso que continua a juntar dinheiro, que vem da generosidade e compreensão das pessoas da sua comunidade. "É qualquer coisa que restaura a nossa fé na natureza humana."

Os Sunderland devem chegar aos Estados Unidos no fim de Agosto ou no início de Setembro. Mark Hughes estará no seu laboratório, à espera deles. E outro passo para a mudança na natureza humana principiará.

© PÚBLICO/"The Washington Post"

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