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30-11-2000
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O "Verão quente" que antecedeu o 25 de Novembro, escreveu Mota Amaral, "fez mais para unir os Açores e consolidar a identidade do povo açoriano do que qualquer esforço de propaganda à roda das históricas formas de opressão e exploração do arquipélago, nem todas muito subtis". Os acontecimentos ora ocorridos, acrescenta, deixaram "caminho aberto para a consagração constitucional de um modelo arrojado de autogoverno insular, em ruptura, por salto qualitativo, com a anémica autonomia administrativa das juntas gerais".

Amaral, em artigos publicados na imprensa, tem escrito que o 6 de Junho de 1975, nos Açores, é "o primeiro sinal do grande levantamento popular contra o gonçalvismo que varreu todo o país nos meses seguintes". Para o antigo presidente do governo açoriano e actual vice-presidente da Assembleia da República, "face ao dessoramento do Estado, ao desvario comunizante, à vertigem descolonizadora, um tremendo sobressalto sacudiu a sociedade açoriana" no Verão de 75.

Então deputado à Constituinte e depois primeiro presidente do parlamento regional eleito em 76, Emanuel Rodrigues reconhece que em São Bento a questão da independência funcionou como "um balão de oxigénio". A FLAMA, revela, "deu muito jeito" quando os parlamentares madeirenses e açorianos na oitava comissão negociavam o âmbito da autonomia. Quando os outros deputados se opunham às pretensões insulares, conta Rodrigues, "nós agitávamos com o papão do separatismo".

Apesar das "virtudes" que Abril trouxe à Madeira em termos da consagração constitucional da autonomia, Alberto João Jardim assume-se mais como um "novembrista do que abrilista". "Sou mais novembrista porque se não fosse o 25 de Novembro, o 25 de Abril teria sido uma decepção para os portugueses", justifica. "Agradou-me imenso o programa do MFA. Só comecei a desconfiar quando vi as manifestações do 1º de Maio com soldados e marinheiros fardados de braço dado com aquela malta do PCP e com o dr. Mário Soares ainda com aquelas fantasias revolucionárias". Aí, confessa, "comecei a ficar preocupado".

É por essa altura que a Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira (FLAMA) entra em acção, ameaçando pessoas consideradas de esquerda e instituições conotadas com o processo revolucionário em curso, para pressionar o governo central a moderar a sua política. "O terrorismo de Estado totalitário combate-se com o terrorismo democrático. O país estava nas mãos de uma ditadura totalitária, que era a do Partido Comunista", declara Jardim, então director do diocesano "Jornal da Madeira", cargo para o qual fora designado pelo bispo D. Francisco Santana e em que se manteve até entrar para o governo em Março de 1978, data que coincide com o fim do bombismo na região.

Dividida em núcleos, um dos quais constituído por empresários funchalenses e outro por dirigentes da antiga Acção Nacional Popular em Câmara da Lobos e no Norte da ilha, neste caso mantidos pelo governador Carlos Azeredo em funções autárquicas para as quais seriam depois eleitos pelo PPD -, a FLAMA, ao contrário da Frente de Libertação dos Açores (FLA) nunca dispôs de um líder que se assumisse como rosto do movimento. Para os detractores, esta clandestinidade traduzia cobardia e uma forma de ocultar a incapacidade ou a ligação dos seus dirigentes ao antigo regime.

As movimentações "separatistas" iam sendo acompanhadas com simpatia, e até apoio, por militares madeirenses mais conservadores, antigos combatentes nas ex-colónias, com ligações ao ELP e MDLP. Contra eles eram feitas acusações de fornecer explosivos e armas aos independentistas e de, por outro lado, num processo de contra-informação, perseguir colegas continentais, particularmente os responsáveis pelo COPMAD, o COPCON madeirense.

Alguns daqueles, declarados spinolistas colocados por Azeredo nos comandos operacionais, enviariam no final do "Verão quente" de 75 um telegrama ao chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas em que se diziam "extremamente preocupados com as consequências da persistência do governo central minoritário, impopular, traduzidas no recrudescimento do sentimento de independência que se vai implantando em largos estratos populacionais, com grandes riscos para a unidade nacional". Ameaçavam ainda que "a falta de rápida decisão" do CEMGFA Carlos Fabião os levaria "a enfrentar a dramática opção entre a lealdade ao sentimento da unidade nacional e a sujeição perante a pretensa ideologia minoritária de alguns elementos do MFA e do Governo".

Fabião conhecia bem os subscritores. Era óbvia a sua ligação à FLAMA, sob cuja égide, como chegou a ser comentado em reunião do Conselho de Revolução, actuavam dirigentes locais do PPD e do CDS que com o "espantalho" do separatismo pretendiam afastar a "ameaça comunista", exercer pressão contra o PREC e facilitar a implantação daqueles dois partidos.

Conselho da Revolução desvaloriza separatismo

"Eu entendi sempre e hoje não tenho dúvidas de que estava correcto quando discutíamos isso, que os movimentos separatistas não tinham dimensão", declarou Vítor Alves ao "Diário de Notícias" funchalense no 20º aniversário da revolução. "Nas ilhas eram pessoas não separatistas que se serviam do separatismo para exercerem pressão sobre Lisboa", afirmou o ex-conselheiro entrevistado por Luís Calisto, autor do livro "Achas na Autonomia, Viagem ao Interior da FLAMA".

Em documentos dos serviços de apoio ao Conselho de Revolução regista-se que "existe nos Açores uma organização clandestina, trabalhando por células e que se denomina FLA e quer lutar pela independência dos Açores, embora se creia que a mesma pretende submeter-se a influências americanas, onde aliás a propaganda junto aos emigrantes açorianos é intensa e comandada por um sr. prof. Almeida". O documento, o Ofício 592, acrescentava que, "dado que a FLA se mantém na clandestinidade, procuram os seus membros mais notórios encobrir-se sob a capa do PPD".

Logo no seu primeiro congresso regional, o PPD madeirense, pela voz do presidente da mesa, Sales Caldeira, deixa bem claro que "a Madeira não quer ser negociada". "Por isso temos de lutar com todo o vigor e com todas as nossas forças para mantermos a nossa autonomia e, se preciso, a nossa independência." Não foi por mera coincidência que este partido, logo após a eleição da primeira assembleia regional, propôs e fez aprovar projectos inicialmente apresentados pela FLAMA de criação de uma moeda própria e de, para símbolo da região, uma bandeira inspirada no pavilhão dos separatistas e co-concebida por Jardim e pelo bispo funchalense, D. Francisco Santana, antigo colaborador do ministro Tenreiro.

Também o CDS não deixou seus créditos por mãos alheias, na colaboração com a FLAMA. Um jovem militante morreu quando de madrugada deflagrou um engenho explosivo no Porto Santo. O dirigente João Machado, acabado de chegar do serviço militar cumprido em Angola, participa na organização da ocupação e destruição do Emissora Nacional no Funchal e confessa ter preparado um plano para matar Otelo Saraiva de Carvalho, numa visita à Madeira, por meio de um potente explosivo, colocado sob um ponte, e que viria a ser ocasionalmente descoberto por um criança a tempo de ser desactivado antes da passagem do comandante do COPCON.

Para justificar tais atentados, Machado afirma que o separatismo "existiu como forma de pressão contra a ditadura comunista". Atendendo ao sentido da acção desenvolvida, os dirigentes da FLAMA, escreveu Alberto João Jardim no "Jornal da Madeira", "não são dignos de castigo, mas sim de recompensa", uma vez que são "defensores da pátria e da democracia". Também quando uma brigada da PJ se deslocou ao Funchal para investigar a rede bombista, o presidente do governo regional, dando o tom a uma campanha hostil à investigação, comentou que aqueles agentes se deviam preocupar mais com os roubos do que com propaganda separatista. "A FLAMA prestou um grande serviço ao país", confessaria em 1992, quase vinte anos após a onda bombista que fez acordar em sobressalto os funchalenses em mais de sete dezenas de noite do Verão de 75 até depois do 25 de Novembro.

Passados 25 anos, no debate do programa do novo governo, foi pedido anteontem que "enterrem o separatismo". Eventualmente, para ressuscitá-lo na próxima revisão constitucional.

O "Verão quente" que antecedeu o 25 de Novembro, escreveu Mota Amaral, "fez mais para unir os Açores e consolidar a identidade do povo açoriano do que qualquer esforço de propaganda à roda das históricas formas de opressão e exploração do arquipélago, nem todas muito subtis". Os acontecimentos ora ocorridos, acrescenta, deixaram "caminho aberto para a consagração constitucional de um modelo arrojado de autogoverno insular, em ruptura, por salto qualitativo, com a anémica autonomia administrativa das juntas gerais".

Amaral, em artigos publicados na imprensa, tem escrito que o 6 de Junho de 1975, nos Açores, é "o primeiro sinal do grande levantamento popular contra o gonçalvismo que varreu todo o país nos meses seguintes". Para o antigo presidente do governo açoriano e actual vice-presidente da Assembleia da República, "face ao dessoramento do Estado, ao desvario comunizante, à vertigem descolonizadora, um tremendo sobressalto sacudiu a sociedade açoriana" no Verão de 75.

Então deputado à Constituinte e depois primeiro presidente do parlamento regional eleito em 76, Emanuel Rodrigues reconhece que em São Bento a questão da independência funcionou como "um balão de oxigénio". A FLAMA, revela, "deu muito jeito" quando os parlamentares madeirenses e açorianos na oitava comissão negociavam o âmbito da autonomia. Quando os outros deputados se opunham às pretensões insulares, conta Rodrigues, "nós agitávamos com o papão do separatismo".

Apesar das "virtudes" que Abril trouxe à Madeira em termos da consagração constitucional da autonomia, Alberto João Jardim assume-se mais como um "novembrista do que abrilista". "Sou mais novembrista porque se não fosse o 25 de Novembro, o 25 de Abril teria sido uma decepção para os portugueses", justifica. "Agradou-me imenso o programa do MFA. Só comecei a desconfiar quando vi as manifestações do 1º de Maio com soldados e marinheiros fardados de braço dado com aquela malta do PCP e com o dr. Mário Soares ainda com aquelas fantasias revolucionárias". Aí, confessa, "comecei a ficar preocupado".

É por essa altura que a Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira (FLAMA) entra em acção, ameaçando pessoas consideradas de esquerda e instituições conotadas com o processo revolucionário em curso, para pressionar o governo central a moderar a sua política. "O terrorismo de Estado totalitário combate-se com o terrorismo democrático. O país estava nas mãos de uma ditadura totalitária, que era a do Partido Comunista", declara Jardim, então director do diocesano "Jornal da Madeira", cargo para o qual fora designado pelo bispo D. Francisco Santana e em que se manteve até entrar para o governo em Março de 1978, data que coincide com o fim do bombismo na região.

Dividida em núcleos, um dos quais constituído por empresários funchalenses e outro por dirigentes da antiga Acção Nacional Popular em Câmara da Lobos e no Norte da ilha, neste caso mantidos pelo governador Carlos Azeredo em funções autárquicas para as quais seriam depois eleitos pelo PPD -, a FLAMA, ao contrário da Frente de Libertação dos Açores (FLA) nunca dispôs de um líder que se assumisse como rosto do movimento. Para os detractores, esta clandestinidade traduzia cobardia e uma forma de ocultar a incapacidade ou a ligação dos seus dirigentes ao antigo regime.

As movimentações "separatistas" iam sendo acompanhadas com simpatia, e até apoio, por militares madeirenses mais conservadores, antigos combatentes nas ex-colónias, com ligações ao ELP e MDLP. Contra eles eram feitas acusações de fornecer explosivos e armas aos independentistas e de, por outro lado, num processo de contra-informação, perseguir colegas continentais, particularmente os responsáveis pelo COPMAD, o COPCON madeirense.

Alguns daqueles, declarados spinolistas colocados por Azeredo nos comandos operacionais, enviariam no final do "Verão quente" de 75 um telegrama ao chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas em que se diziam "extremamente preocupados com as consequências da persistência do governo central minoritário, impopular, traduzidas no recrudescimento do sentimento de independência que se vai implantando em largos estratos populacionais, com grandes riscos para a unidade nacional". Ameaçavam ainda que "a falta de rápida decisão" do CEMGFA Carlos Fabião os levaria "a enfrentar a dramática opção entre a lealdade ao sentimento da unidade nacional e a sujeição perante a pretensa ideologia minoritária de alguns elementos do MFA e do Governo".

Fabião conhecia bem os subscritores. Era óbvia a sua ligação à FLAMA, sob cuja égide, como chegou a ser comentado em reunião do Conselho de Revolução, actuavam dirigentes locais do PPD e do CDS que com o "espantalho" do separatismo pretendiam afastar a "ameaça comunista", exercer pressão contra o PREC e facilitar a implantação daqueles dois partidos.

Conselho da Revolução desvaloriza separatismo

"Eu entendi sempre e hoje não tenho dúvidas de que estava correcto quando discutíamos isso, que os movimentos separatistas não tinham dimensão", declarou Vítor Alves ao "Diário de Notícias" funchalense no 20º aniversário da revolução. "Nas ilhas eram pessoas não separatistas que se serviam do separatismo para exercerem pressão sobre Lisboa", afirmou o ex-conselheiro entrevistado por Luís Calisto, autor do livro "Achas na Autonomia, Viagem ao Interior da FLAMA".

Em documentos dos serviços de apoio ao Conselho de Revolução regista-se que "existe nos Açores uma organização clandestina, trabalhando por células e que se denomina FLA e quer lutar pela independência dos Açores, embora se creia que a mesma pretende submeter-se a influências americanas, onde aliás a propaganda junto aos emigrantes açorianos é intensa e comandada por um sr. prof. Almeida". O documento, o Ofício 592, acrescentava que, "dado que a FLA se mantém na clandestinidade, procuram os seus membros mais notórios encobrir-se sob a capa do PPD".

Logo no seu primeiro congresso regional, o PPD madeirense, pela voz do presidente da mesa, Sales Caldeira, deixa bem claro que "a Madeira não quer ser negociada". "Por isso temos de lutar com todo o vigor e com todas as nossas forças para mantermos a nossa autonomia e, se preciso, a nossa independência." Não foi por mera coincidência que este partido, logo após a eleição da primeira assembleia regional, propôs e fez aprovar projectos inicialmente apresentados pela FLAMA de criação de uma moeda própria e de, para símbolo da região, uma bandeira inspirada no pavilhão dos separatistas e co-concebida por Jardim e pelo bispo funchalense, D. Francisco Santana, antigo colaborador do ministro Tenreiro.

Também o CDS não deixou seus créditos por mãos alheias, na colaboração com a FLAMA. Um jovem militante morreu quando de madrugada deflagrou um engenho explosivo no Porto Santo. O dirigente João Machado, acabado de chegar do serviço militar cumprido em Angola, participa na organização da ocupação e destruição do Emissora Nacional no Funchal e confessa ter preparado um plano para matar Otelo Saraiva de Carvalho, numa visita à Madeira, por meio de um potente explosivo, colocado sob um ponte, e que viria a ser ocasionalmente descoberto por um criança a tempo de ser desactivado antes da passagem do comandante do COPCON.

Para justificar tais atentados, Machado afirma que o separatismo "existiu como forma de pressão contra a ditadura comunista". Atendendo ao sentido da acção desenvolvida, os dirigentes da FLAMA, escreveu Alberto João Jardim no "Jornal da Madeira", "não são dignos de castigo, mas sim de recompensa", uma vez que são "defensores da pátria e da democracia". Também quando uma brigada da PJ se deslocou ao Funchal para investigar a rede bombista, o presidente do governo regional, dando o tom a uma campanha hostil à investigação, comentou que aqueles agentes se deviam preocupar mais com os roubos do que com propaganda separatista. "A FLAMA prestou um grande serviço ao país", confessaria em 1992, quase vinte anos após a onda bombista que fez acordar em sobressalto os funchalenses em mais de sete dezenas de noite do Verão de 75 até depois do 25 de Novembro.

Passados 25 anos, no debate do programa do novo governo, foi pedido anteontem que "enterrem o separatismo". Eventualmente, para ressuscitá-lo na próxima revisão constitucional.

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