Tempo ignorante

08-12-2000
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Tempo Ignorante

Por VÍTOR DIAS

Sexta-feira, 8 de Dezembro de 2000 Num depoimento curto mas denso de dogmatismo, arrogância e "clichés" sobre o PCP ("Tempo cansado" no PÚBLICO de 4/12), Miguel Portas, não sabendo no que se ia meter, sentenciou lesta e atrevidamente que "só mesmo no PCP seria possível explicar o envelhecimento do partido pelo envelhecimento do próprio país, como se faz nas Teses em discussão...". Sobre a afirmação, começamos por saudar esta magnífica visão (ela sim arqueológica) perfilhada por Miguel Portas, segundo a qual parece que os partidos e os seus colectivos de militantes teriam a obrigação de serem um corpo fechado e imune a tendências e fenómenos que se desenvolvem nas sociedades em que estão inseridos e em que se movem. De seguida, convém informar o estimado público leitor que, mais rigorosamente, o que se afirma nas Teses para o Congresso do PCP é que "verifica-se uma subida do número de membros do Partido com mais de 50 anos, que corresponde à manutenção de uma tendência no partido, mas também a uma evolução da sociedade portuguesa que traduz o aumento da esperança de vida e o facto de muitos milhares de pessoas que aderiram ao Partido continuarem a ser membros do Partido". As Teses também referem, mas a isso Miguel Portas não ligou, que "o rejuvenescimento é muito insuficiente" sendo entretanto "um sinal positivo que das novas adesões ao Partido desde o XV Congresso 40 por cento tenham menos de 30 anos" (o que deve corresponder a cerca de 1500 novos membros nessa faixa etária, número que, francamente, não sabemos se é superior ou inferior ao total de militantes do Bloco de Esquerda). Antes de fazermos a demonstração de que a afirmação de Miguel Portas é um penoso sinal de ignorância e ligeireza, queremos sublinhar que, do nosso ponto de vista, o rejuvenescimento do colectivo militante do PCP tem de ser uma séria preocupação e um objectivo crucial bem como a ampliação da capacidade de diálogo, comunicação e influência (incluindo eleitoral) do PCP entre as jovens gerações. E afirmamos isto por necessidades, ambições e exigências próprias do PCP, ou seja independentemente de os outros grandes partidos enfrentarem com grande probabilidade problemas semelhantes (mas isso não se sabe ao certo porque, ao contrário do PCP, não contam nada sobre a estrutura etária dos seus membros e a sua evolução ao longo dos anos). Convirá entretanto ter em conta que a real natureza e inegável complexidade da questão do "envelhecimento" dos membros do PCP de todo em todo desaconselha simplismos, voluntarismos e apostas em receitas milagrosas e soluções instantâneas. Precisamente por tudo o que Miguel Portas parece ignorar. Desde logo, por esse facto óbvio, mas espantosamente esquecido por tanta gente, de que todos envelhecemos, a tal ponto que, se Miguel Portas ainda estivesse no PCP, estaria agora a contribuir para o escalão etário acima dos 40 anos, quando há 25 anos contribuía para o de menos de 20. Depois é preciso ter em conta que uma parte considerável dos actuais 131 mil membros do PCP, tal como acontecerá noutros partidos, terá aderido ao Partido entre 1974-1982, o que significa que, dado o aumento da esperança de vida e estando felizmente vivos e continuando felizmente no Partido, provocam obrigatoriamente uma subida dos escalões etários mais altos (não se esqueça: quem tinha 25 anos no 25 de Abril tem agora 51; quem tinha 40 tem agora 66; quem tinha 50 tem agora 76). Quer isto dizer, seja M. Portas capaz de o admitir ou não, que no PCP (e noutros partidos também, até no Bloco de Esquerda, se durar, vai acontecer, embora noutra escala de grandezas numéricas) há assim um "envelhecimento" natural e inevitável de boa parte dos seus membros e que só seria menor se, trágica e desgraçadamente, grande parte dos acima de 50 anos desaparecessem do mundo dos vivos ou tivessem abandonado o Partido. Daqui decorre com meridiana clareza que a única forma de compensar ou atenuar este "envelhecimento" natural é através das adesões ao PCP de jovens e outros cidadãos de escalões etários abaixo dos 40 anos. Acontece porém um pequeno problema que é o de saber qual teria de ser a dimensão dessas novas adesões para compensar o tal inelutável "envelhecimento". No caso do PCP, a questão é só esta: supondo, por hipótese, que a idade média dos membros do PCP estava nos 46 anos no anterior Congresso (1996), é fatal como o destino que agora, passados quatro anos, estaria nos 50 anos. Ou seja, a passagem do tempo entre dois Congressos significa acrescentar 524 mil anos à soma total das idades dos membros do PCP há quatro anos (131 mil membros x 4 anos = 524 mil anos). E assim aproximamo-nos da parte mais complicada do problema e que consiste em ter uma ideia de quantas novas adesões ao PCP de cidadãos mais jovens teriam de se ter verificado nos últimos quatro anos para que, por exemplo, a idade média dos membros do PCP em Dezembro de 2000 se mantivesse nos 46 anos (e que, correspondentemente, não se agravassem os desiquilíbrios entre escalões etários). Não adianta olhar para o lado ou não querer entender: é que, falando em termos de grandes números (já que os falecimentos ocorridos não os alteram significativamente), seria necessário nem mais nem menos que, nos últimos quatro anos, tivessem aderido ao PCP ou 20 mil cidadãos com 20 anos, ou 30 mil com 30 anos ou 40 mil com 35 anos, valores estes que seguramente não se verificam em nenhum partido nacional. E se tal coisa tivesse surpreendentemente acontecido, repare-se que o PCP estaria então num fortíssimo movimento ascensional de aumento do número de membros, a tal ponto que chegaria ao XVI Congresso, consoante as variantes atrás exemplificadas, ou com 151 mil membros, ou com 161 mil ou com 171 mil! E daqui por quatro anos teria de continuar com um crescimento similar para poder corrigir os efeitos dessa chatice que é a passagem dos anos sobre cada um de nós! Por uma vez, perceba-se pois a imensa dificuldade deste problema que, repita-se, não é certamente apenas do PCP e que, de qualquer forma, não deve desencorajar uma grande audácia na direcção do rejuvenescimento. É claro que, modéstia à parte, para alinhar estas notas convidando a uma reflexão mais séria e elevada que supere o mero papaguear sobre o "envelhecimento do PCP" foi preciso estudar e pensar alguma coisa, o que, sem dúvida, provoca por vezes algum cansaço. Coisa que evidentemente não acontece aos que, como se acaba de ver com Miguel Portas, até falam sobre o que não estudaram nem pensaram e, por isso, estão sempre frescos, viçosos e prontos a dar lições e mandar piadas a toda a gente. * Membro da Comissão Política do PCP OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Crise adiada no PCP

Odete Santos sobe ao comité central

EDITORIAL A páginas tantas

Como funciona o congresso

Números de um partido em queda

Os cunhalistas

COMENTÁRIO O PCP e o poder

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Sexta-feira, 8 de Dezembro de 2000 Num depoimento curto mas denso de dogmatismo, arrogância e "clichés" sobre o PCP ("Tempo cansado" no PÚBLICO de 4/12), Miguel Portas, não sabendo no que se ia meter, sentenciou lesta e atrevidamente que "só mesmo no PCP seria possível explicar o envelhecimento do partido pelo envelhecimento do próprio país, como se faz nas Teses em discussão...". Sobre a afirmação, começamos por saudar esta magnífica visão (ela sim arqueológica) perfilhada por Miguel Portas, segundo a qual parece que os partidos e os seus colectivos de militantes teriam a obrigação de serem um corpo fechado e imune a tendências e fenómenos que se desenvolvem nas sociedades em que estão inseridos e em que se movem. De seguida, convém informar o estimado público leitor que, mais rigorosamente, o que se afirma nas Teses para o Congresso do PCP é que "verifica-se uma subida do número de membros do Partido com mais de 50 anos, que corresponde à manutenção de uma tendência no partido, mas também a uma evolução da sociedade portuguesa que traduz o aumento da esperança de vida e o facto de muitos milhares de pessoas que aderiram ao Partido continuarem a ser membros do Partido". As Teses também referem, mas a isso Miguel Portas não ligou, que "o rejuvenescimento é muito insuficiente" sendo entretanto "um sinal positivo que das novas adesões ao Partido desde o XV Congresso 40 por cento tenham menos de 30 anos" (o que deve corresponder a cerca de 1500 novos membros nessa faixa etária, número que, francamente, não sabemos se é superior ou inferior ao total de militantes do Bloco de Esquerda). Antes de fazermos a demonstração de que a afirmação de Miguel Portas é um penoso sinal de ignorância e ligeireza, queremos sublinhar que, do nosso ponto de vista, o rejuvenescimento do colectivo militante do PCP tem de ser uma séria preocupação e um objectivo crucial bem como a ampliação da capacidade de diálogo, comunicação e influência (incluindo eleitoral) do PCP entre as jovens gerações. E afirmamos isto por necessidades, ambições e exigências próprias do PCP, ou seja independentemente de os outros grandes partidos enfrentarem com grande probabilidade problemas semelhantes (mas isso não se sabe ao certo porque, ao contrário do PCP, não contam nada sobre a estrutura etária dos seus membros e a sua evolução ao longo dos anos). Convirá entretanto ter em conta que a real natureza e inegável complexidade da questão do "envelhecimento" dos membros do PCP de todo em todo desaconselha simplismos, voluntarismos e apostas em receitas milagrosas e soluções instantâneas. Precisamente por tudo o que Miguel Portas parece ignorar. Desde logo, por esse facto óbvio, mas espantosamente esquecido por tanta gente, de que todos envelhecemos, a tal ponto que, se Miguel Portas ainda estivesse no PCP, estaria agora a contribuir para o escalão etário acima dos 40 anos, quando há 25 anos contribuía para o de menos de 20. Depois é preciso ter em conta que uma parte considerável dos actuais 131 mil membros do PCP, tal como acontecerá noutros partidos, terá aderido ao Partido entre 1974-1982, o que significa que, dado o aumento da esperança de vida e estando felizmente vivos e continuando felizmente no Partido, provocam obrigatoriamente uma subida dos escalões etários mais altos (não se esqueça: quem tinha 25 anos no 25 de Abril tem agora 51; quem tinha 40 tem agora 66; quem tinha 50 tem agora 76). Quer isto dizer, seja M. Portas capaz de o admitir ou não, que no PCP (e noutros partidos também, até no Bloco de Esquerda, se durar, vai acontecer, embora noutra escala de grandezas numéricas) há assim um "envelhecimento" natural e inevitável de boa parte dos seus membros e que só seria menor se, trágica e desgraçadamente, grande parte dos acima de 50 anos desaparecessem do mundo dos vivos ou tivessem abandonado o Partido. Daqui decorre com meridiana clareza que a única forma de compensar ou atenuar este "envelhecimento" natural é através das adesões ao PCP de jovens e outros cidadãos de escalões etários abaixo dos 40 anos. Acontece porém um pequeno problema que é o de saber qual teria de ser a dimensão dessas novas adesões para compensar o tal inelutável "envelhecimento". No caso do PCP, a questão é só esta: supondo, por hipótese, que a idade média dos membros do PCP estava nos 46 anos no anterior Congresso (1996), é fatal como o destino que agora, passados quatro anos, estaria nos 50 anos. Ou seja, a passagem do tempo entre dois Congressos significa acrescentar 524 mil anos à soma total das idades dos membros do PCP há quatro anos (131 mil membros x 4 anos = 524 mil anos). E assim aproximamo-nos da parte mais complicada do problema e que consiste em ter uma ideia de quantas novas adesões ao PCP de cidadãos mais jovens teriam de se ter verificado nos últimos quatro anos para que, por exemplo, a idade média dos membros do PCP em Dezembro de 2000 se mantivesse nos 46 anos (e que, correspondentemente, não se agravassem os desiquilíbrios entre escalões etários). Não adianta olhar para o lado ou não querer entender: é que, falando em termos de grandes números (já que os falecimentos ocorridos não os alteram significativamente), seria necessário nem mais nem menos que, nos últimos quatro anos, tivessem aderido ao PCP ou 20 mil cidadãos com 20 anos, ou 30 mil com 30 anos ou 40 mil com 35 anos, valores estes que seguramente não se verificam em nenhum partido nacional. E se tal coisa tivesse surpreendentemente acontecido, repare-se que o PCP estaria então num fortíssimo movimento ascensional de aumento do número de membros, a tal ponto que chegaria ao XVI Congresso, consoante as variantes atrás exemplificadas, ou com 151 mil membros, ou com 161 mil ou com 171 mil! E daqui por quatro anos teria de continuar com um crescimento similar para poder corrigir os efeitos dessa chatice que é a passagem dos anos sobre cada um de nós! Por uma vez, perceba-se pois a imensa dificuldade deste problema que, repita-se, não é certamente apenas do PCP e que, de qualquer forma, não deve desencorajar uma grande audácia na direcção do rejuvenescimento. É claro que, modéstia à parte, para alinhar estas notas convidando a uma reflexão mais séria e elevada que supere o mero papaguear sobre o "envelhecimento do PCP" foi preciso estudar e pensar alguma coisa, o que, sem dúvida, provoca por vezes algum cansaço. Coisa que evidentemente não acontece aos que, como se acaba de ver com Miguel Portas, até falam sobre o que não estudaram nem pensaram e, por isso, estão sempre frescos, viçosos e prontos a dar lições e mandar piadas a toda a gente. * Membro da Comissão Política do PCP OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Crise adiada no PCP

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