Um sonho antigo que se tornou realidade

07-09-2001
marcar artigo

Um Sonho Antigo Que Se Tornou Realidade

Sexta-feira, 07 de Setembro de 2001

Pavilhões da FIL, na Junqueira - 1976

A primeira festa incorporava já algumas vertentes que ainda hoje a sustentam: exposições sobre a actividade política (e "a vida heróica dos seus obreiros clandestinos") e organizações do PCP, pavilhões de países socialistas, concertos, cinema, colóquios, exposições de pintura e escultura. Nesses dias, foram exibidos os filmes "A Linha Geral" de 1929, de Serguei Eisenstein, "A Felicidade", de Alexandre Medvekine, e "Que Farei eu com Esta Espada?", de João César Monteiro, entre outros. Só não tinha os restaurantes que hoje são característicos porque o espaço, fechado, não era muito grande. Foi uma festa basicamente expositiva.

Apesar de ter começado com o pé esquerdo - três dias antes da festa, a FIL foi objecto de um atentado terrorista uma bomba destruiu a central eléctrica, que teve de ser refeita -, a primeira festa, dois anos depois do 25 de Abril, foi um sonho dos comunistas tornado realidade.

Um ano depois, a AIP recusou ceder novamente o recinto ao PCP. Queriam que o PCP pagasse os prejuízos causados pela bomba.

Carlucci assistiu à construção no Jamor

Complexo desportivo do Estádio Nacional, no Jamor - 1977-78

Devido à recusa da AIP, o PCP decidiu fazer a festa ao ar livre. É aqui que a festa adquire os contornos que tem ainda hoje. O PCP estava habituado às actividades ao ar livre, como os convívios campistas e reuniões que fazia durante a clandestinidade no campo. A parte decorativa e estética assume particular importância.

Foi preciso erguer pavilhões, enterrar canalizações e redes eléctricas, tratar dos esgotos e abastecimentos e limpar o terreno, que estava destinado à construção de um hipódromo. A pista chegou a ser construída, mas o projecto não avançou mais porque no Estado Novo não eram autorizadas apostas de cavalos.

Politicamente, passou a marcar a "rentrée" política do PCP. "Em si própria, a festa constituia o mais poderoso desmentido da imagem que inimigos e adversários pretenderam sempre dar do partido, fosse o do jamais verificado ''declínio irreversível'', fosse o do sempre negado ''fechamento às novas realidades'' humanas e culturais."

Rúben de Carvalho conta que enquanto a festa estava a ser erguida, no primeiro ano em que ali funcionou, a pista continuava a ser utilizada por pessoas que tinham o hábito de ir para ali fazer "jogging". Uma dessas pessoas era Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa e um dos "ódios de estimação" do PCP.

A Festa do "Avante!" teve a trabalhar para si três padarias de Lisboa e gastou durante os três dias da festa a mesma energia que a cidade das Caldas da Rainha. Os projectores de iluminação foram fornecidos pela Tóbis, na altura a única empresa que em Portugal detinha tais meios.

No terceiro ano, o PCP já não obteve autorização para fazer ali a festa outra vez. O pretexto foi o de que o terreno era preciso para lá se construir um campo de treino, que nunca chegou a ser feito.

Os anos de ouro da festa

Parque de Monsanto, no Casalinho da Ajuda - 1979-1986

Outra vez com a casa às costas, o PCP decide fazer a festa na zona do Lumiar, na Quinta das Conchas e dos Lilases, que pertencia ao Parque de Monsanto. No entanto, o parque negou a autorização alegando que a Quinta das Conchas era um dos maiores viveiros de fetos de Portugal, a seguir à serra de Sintra.

Os comunistas viram-se então para o Casalinho da Ajuda. Foi preciso limpar tudo à mão porque o terreno, 22 hectares, estava cheio de pedras.

Em 1979, os materiais de luz e som foram alugados em Londres. No ano seguinte, deu-se uma das mais memoráveis festas. A música brasileira esteve em grande. Os portugueses assistem em três dias e pela primeira vez às actuações de Edu Lobo, Simone e Chico Buarque.

Em 1986, Cunhal ataca Mário Soares para dois anos depois, perante a contingência de o PCP vir a apoiar precisamente Soares nas eleições presidenciais, o secretário-geral do PCP explicar na Festa do "Avante!" que votar Mário Soares não é "de qualquer forma apoiar a sua candidatura, a sua política e o seu programa". Nesse ano, em 1986, o PCP recebe na festa um herói da URSS, o cosmonauta soviético, Vladimir Djanibekov.

Um ano depois, a Câmara de Lisboa, presidida por Kruz Abecasis, não cede o terreno, alegando que o parque iria ser necessário para a construção da Faculdade de Arquitectura. (No entanto, o início das obras deu-se cinco anos depois.) Quando isto foi comunicado ao PCP, já não houve tempo para se encontrar um local alternativo. O PCP abandona assim o Alto da Ajuda, que fica na história como palco das mais concorridas festas do "Avante!".

PCP enfrenta investigação parlamentar às festas

Quinta do Infantado, Loures - 1988-89

As duas festas que se realizaram num terreno cedido pela Câmara de Loures foram as mais difíceis de montar e aquelas que mais sofreram com a falta de acessos.

Em termos políticos, Álvaro Cunhal faz um discurso violento pela defesa da ideologia do partido. Em 1988, acusa os críticos do partido, que então se organizavam em duas correntes, Terceira Via e Grupo dos Seis, de fazerem uma "campanha anticomunista".

"Na época do imperialismo, não se pode ser marxista se não se é leninista!", gritou Cunhal, na luta contra aquilo que considerava ser a tentativa de social-democratização do PCP.

O então deputado do PSD, Pacheco Pereira, que era candidato à Câmara de Loures, acusa o executivo deste concelho e do Seixal (já se sabia nesta altura da compra da Quinta da Atalaia) de conceder facilidades à organização da Festa do "Avante!". O Parlamento ainda chegou a aprovar a constituição de uma comissão de inquérito para averiguar as denúncias, mas com as eleições autárquicas o assunto ficou esquecido e os membros da comissão nunca tomaram posse.

A cidade socialista adquire morada própria

Quinta da Atalaia, Amora, Seixal - Desde 1990

Fartos de andar com a casa às costas, os comunistas compram a Quinta da Atalaia, no Seixal, por 150 mil contos. Este dinheiro é rapidamente reposto nos cofres do partido graças a uma campanha de recolha de fundos. Para o PCP, foi uma afirmação de força do partido numa altura em que a URSS se desmoronava e o muro de Berlim conhecia o seu fim.

O cuidado com o espaço envolvente é tal que o PCP compra antigas chulipas de madeira à CP para fazer os degraus na Quinta da Atalaia.

Carlos Carvalhas é apresentado como candidato às presidenciais na festa do "Avante!" de 1990. Um ano depois, numa altura de demissões e contestação interna pelo facto de a direcção ter apoiado o golpe de Moscovo num primeiro comunicado, Cunhal afirma que "o comunismo não morreu, nem morre", avisou.

A Quinta da Atalaia é renovada de ano para ano. Os espaços verdes são ampliados. As infra-estruturas melhoradas. O palco 25 de Abril, o maior ao ar livre do país, acolhe orquestras e garante sempre uma audiência de, pelo menos, dez mil pessoas.

A última festa ficou marcada pelas tensões internas e pelos ataques da direcção ao militante histórico Carlos Brito por causa de uma carta enviada a Carvalhas em que criticava o partido. Carvalhas, no seu discurso, responsabilizou a comunicação social por inventar "divisões e fracturas". O congresso do PCP, em Dezembro, viria pôr a nu as divergências internas que o secretário-geral insistia em negar.

Um Sonho Antigo Que Se Tornou Realidade

Sexta-feira, 07 de Setembro de 2001

Pavilhões da FIL, na Junqueira - 1976

A primeira festa incorporava já algumas vertentes que ainda hoje a sustentam: exposições sobre a actividade política (e "a vida heróica dos seus obreiros clandestinos") e organizações do PCP, pavilhões de países socialistas, concertos, cinema, colóquios, exposições de pintura e escultura. Nesses dias, foram exibidos os filmes "A Linha Geral" de 1929, de Serguei Eisenstein, "A Felicidade", de Alexandre Medvekine, e "Que Farei eu com Esta Espada?", de João César Monteiro, entre outros. Só não tinha os restaurantes que hoje são característicos porque o espaço, fechado, não era muito grande. Foi uma festa basicamente expositiva.

Apesar de ter começado com o pé esquerdo - três dias antes da festa, a FIL foi objecto de um atentado terrorista uma bomba destruiu a central eléctrica, que teve de ser refeita -, a primeira festa, dois anos depois do 25 de Abril, foi um sonho dos comunistas tornado realidade.

Um ano depois, a AIP recusou ceder novamente o recinto ao PCP. Queriam que o PCP pagasse os prejuízos causados pela bomba.

Carlucci assistiu à construção no Jamor

Complexo desportivo do Estádio Nacional, no Jamor - 1977-78

Devido à recusa da AIP, o PCP decidiu fazer a festa ao ar livre. É aqui que a festa adquire os contornos que tem ainda hoje. O PCP estava habituado às actividades ao ar livre, como os convívios campistas e reuniões que fazia durante a clandestinidade no campo. A parte decorativa e estética assume particular importância.

Foi preciso erguer pavilhões, enterrar canalizações e redes eléctricas, tratar dos esgotos e abastecimentos e limpar o terreno, que estava destinado à construção de um hipódromo. A pista chegou a ser construída, mas o projecto não avançou mais porque no Estado Novo não eram autorizadas apostas de cavalos.

Politicamente, passou a marcar a "rentrée" política do PCP. "Em si própria, a festa constituia o mais poderoso desmentido da imagem que inimigos e adversários pretenderam sempre dar do partido, fosse o do jamais verificado ''declínio irreversível'', fosse o do sempre negado ''fechamento às novas realidades'' humanas e culturais."

Rúben de Carvalho conta que enquanto a festa estava a ser erguida, no primeiro ano em que ali funcionou, a pista continuava a ser utilizada por pessoas que tinham o hábito de ir para ali fazer "jogging". Uma dessas pessoas era Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa e um dos "ódios de estimação" do PCP.

A Festa do "Avante!" teve a trabalhar para si três padarias de Lisboa e gastou durante os três dias da festa a mesma energia que a cidade das Caldas da Rainha. Os projectores de iluminação foram fornecidos pela Tóbis, na altura a única empresa que em Portugal detinha tais meios.

No terceiro ano, o PCP já não obteve autorização para fazer ali a festa outra vez. O pretexto foi o de que o terreno era preciso para lá se construir um campo de treino, que nunca chegou a ser feito.

Os anos de ouro da festa

Parque de Monsanto, no Casalinho da Ajuda - 1979-1986

Outra vez com a casa às costas, o PCP decide fazer a festa na zona do Lumiar, na Quinta das Conchas e dos Lilases, que pertencia ao Parque de Monsanto. No entanto, o parque negou a autorização alegando que a Quinta das Conchas era um dos maiores viveiros de fetos de Portugal, a seguir à serra de Sintra.

Os comunistas viram-se então para o Casalinho da Ajuda. Foi preciso limpar tudo à mão porque o terreno, 22 hectares, estava cheio de pedras.

Em 1979, os materiais de luz e som foram alugados em Londres. No ano seguinte, deu-se uma das mais memoráveis festas. A música brasileira esteve em grande. Os portugueses assistem em três dias e pela primeira vez às actuações de Edu Lobo, Simone e Chico Buarque.

Em 1986, Cunhal ataca Mário Soares para dois anos depois, perante a contingência de o PCP vir a apoiar precisamente Soares nas eleições presidenciais, o secretário-geral do PCP explicar na Festa do "Avante!" que votar Mário Soares não é "de qualquer forma apoiar a sua candidatura, a sua política e o seu programa". Nesse ano, em 1986, o PCP recebe na festa um herói da URSS, o cosmonauta soviético, Vladimir Djanibekov.

Um ano depois, a Câmara de Lisboa, presidida por Kruz Abecasis, não cede o terreno, alegando que o parque iria ser necessário para a construção da Faculdade de Arquitectura. (No entanto, o início das obras deu-se cinco anos depois.) Quando isto foi comunicado ao PCP, já não houve tempo para se encontrar um local alternativo. O PCP abandona assim o Alto da Ajuda, que fica na história como palco das mais concorridas festas do "Avante!".

PCP enfrenta investigação parlamentar às festas

Quinta do Infantado, Loures - 1988-89

As duas festas que se realizaram num terreno cedido pela Câmara de Loures foram as mais difíceis de montar e aquelas que mais sofreram com a falta de acessos.

Em termos políticos, Álvaro Cunhal faz um discurso violento pela defesa da ideologia do partido. Em 1988, acusa os críticos do partido, que então se organizavam em duas correntes, Terceira Via e Grupo dos Seis, de fazerem uma "campanha anticomunista".

"Na época do imperialismo, não se pode ser marxista se não se é leninista!", gritou Cunhal, na luta contra aquilo que considerava ser a tentativa de social-democratização do PCP.

O então deputado do PSD, Pacheco Pereira, que era candidato à Câmara de Loures, acusa o executivo deste concelho e do Seixal (já se sabia nesta altura da compra da Quinta da Atalaia) de conceder facilidades à organização da Festa do "Avante!". O Parlamento ainda chegou a aprovar a constituição de uma comissão de inquérito para averiguar as denúncias, mas com as eleições autárquicas o assunto ficou esquecido e os membros da comissão nunca tomaram posse.

A cidade socialista adquire morada própria

Quinta da Atalaia, Amora, Seixal - Desde 1990

Fartos de andar com a casa às costas, os comunistas compram a Quinta da Atalaia, no Seixal, por 150 mil contos. Este dinheiro é rapidamente reposto nos cofres do partido graças a uma campanha de recolha de fundos. Para o PCP, foi uma afirmação de força do partido numa altura em que a URSS se desmoronava e o muro de Berlim conhecia o seu fim.

O cuidado com o espaço envolvente é tal que o PCP compra antigas chulipas de madeira à CP para fazer os degraus na Quinta da Atalaia.

Carlos Carvalhas é apresentado como candidato às presidenciais na festa do "Avante!" de 1990. Um ano depois, numa altura de demissões e contestação interna pelo facto de a direcção ter apoiado o golpe de Moscovo num primeiro comunicado, Cunhal afirma que "o comunismo não morreu, nem morre", avisou.

A Quinta da Atalaia é renovada de ano para ano. Os espaços verdes são ampliados. As infra-estruturas melhoradas. O palco 25 de Abril, o maior ao ar livre do país, acolhe orquestras e garante sempre uma audiência de, pelo menos, dez mil pessoas.

A última festa ficou marcada pelas tensões internas e pelos ataques da direcção ao militante histórico Carlos Brito por causa de uma carta enviada a Carvalhas em que criticava o partido. Carvalhas, no seu discurso, responsabilizou a comunicação social por inventar "divisões e fracturas". O congresso do PCP, em Dezembro, viria pôr a nu as divergências internas que o secretário-geral insistia em negar.

marcar artigo