Uma vitória de sabor amargo

12-12-2000
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António Guterres "inteiramente satisfeito" com o Tratado de Nice

Uma Vitória de Sabor Amargo

Pela nossa enviada TERESA DE SOUSA, em Nice

Terça-feira, 12 de Dezembro de 2000 Portugal ganhou em toda a linha na batalha da Comissão e conseguiu uma solução honrosa na repartição de votos no Conselho. No computo final, a estratégia de radicalização seguida por António Guterres resultou. Resta saber se o Tratado de Nice foi uma vitória para a Europa. A ameaça de bloquear o acordo, muito trabalho de bastidores e uma razoável coesão na frente comum dos pequenos países permitiram ontem a Portugal chegar ao fim da cimeira de Nice com um resultado global que o primeiro-ministro português classificou de "inteiramente satisfatório." António Guterres reparte com o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, os louros da reviravolta operada numa cimeira que parecia caminhar a passos largos para o isolamento de Portugal e da Bélgica, os únicos dois países que consideravam "inaceitável" a proposta de repartição de votos no Conselho apresentada na tarde de domingo pela presidência francesa e que esta considerava inegociável. A resistência de ambos - que chegou a parecer desesperada - acabaria por reconstituir à sua volta a unidade entre os "pequenos", vencendo o braço-de-ferro com a presidência francesa. Com o chanceler alemão e o primeiro-ministro de Itália a darem sinais de abertura a um novo compromisso, a presidência viu o seu apoio reduzido à Espanha e ao Reino Unido, não tendo outro remédio senão voltar a negociar. A última "oferta" de Jacques Chirac aos pequenos países acabou por abrir caminho a um novo equilíbrio considerado menos humilhante para os pequenos. Portugal salvou a face, mesmo que a solução encontrada não chegue para afastar definitivamente a ameaça do directório dos grandes. "Portugal conseguiu obter [na repartição final dos votos no Conselho] um peso superior aquele que lhe era atribuído na proposta apresentada em Santa Maria da Feira", recordou o primeiro-ministro na conferência de imprensa final. A solução adoptada dá a Portugal 12 votos para 29 dos quatro maiores países, reforçando globalmente o peso dos pequenos e médios em relação aos grandes. Na proposta da Feira a relação era entre 10 e 25. Mas o próprio primeiro-ministro admitiu que a solução adoptada não vai no sentido de tornar mais simples e mais eficaz o processo de decisão europeu - um dos principais objectivos desta reforma, que acabou por ficar seriamente comprometido em Nice. "É verdade que este sistema não facilita a tomada de decisões, temos uma tripla maioria", disse Guterres. Maiorias qualificadas e minorias de bloqueio A preocupação de Portugal na repartição de votos no Conselho, o principal órgão deliberativo da União, não se limitava a um equilíbrio entre pequenos e grandes que não tivesse o ar de capitulação. A questão do limiar - de votos, de população e de Estados - para formar maiorias qualificadas e minorias de bloqueio era também considerada fundamental pela delegação portuguesa para não deixar nas mãos dos maiores um poder excessivo. Neste capítulo, Portugal só ganhou metade. Ganhou na garantia de que nenhuma decisão pode ser tomada se não representar uma maioria de Estados. Perdeu ao ter de aceitar que as decisões só são válidas se tiverem o apoio de 62 por cento da população - uma cláusula da qual a Alemanha, o país mais populosos da União, nunca admitiu abdicar. Guterres mostrou-se compreensivo com o claro reforço do poder da Alemanha, que fez pagar caro à França a paridade formal dos votos entre os dois países que constituem o eixo da construção europeia. "A Alemanha fez um sacrifício muito significativo ao aceitar uma ponderação igual à dos outros Estados de maior dimensão", disse o primeiro-ministro. Esse sacrifício teve de ter uma compensação que está "fundamentalmente expressa no limiar dos 62 por cento da população." Num dos momentos de maior dramatização da cimeira, quando Portugal resolveu jogar no tudo ou nada, todos os argumentos foram bons para sublinhar o risco de "directório" contido na proposta da presidência para a repartição dos votos no Conselho. Nessa altura, Francisco Seixas da Costa, o principal negociador português a quem coube um papel-chave na estratégia de radicalização posta em prática por Portugal, não hesitou em utilizar o espectro do poder alemão para justificar a posição portuguesa. Mas negociar é, por vezes, dar o dito por não dito e não foi Portugal, certamente, o único a fazê-lo. O princípio da "absoluta igualdade" Na outra grande frente de batalha - a composição da Comissão-, Portugal ganhou ao assegurar o princípio da "absoluta igualdade" entre os Estados-membros através da garantir de que haverá um comissário por país até um futuro ainda muito distante. Portugal adoptou desde o início desta negociação, que se arrastou por quase um ano, uma linha e valorização dos outros dois capítulos da reforma de Nice (as cooperações reforçadas e a extensão da maioria qualificada), como aqueles que eram "verdadeiramente importantes" para permitir um alargamento sem riscos para o futuro do projecto europeu. No final da cimeira, Guterres disfarçou os parcos resultados obtidos na extensão das maiorias qualificadas a novos domínios do Tratado, considerando que "houve nítidos progressos". Portugal salvaguardou a unanimidade nas decisões sobre as políticas de coesão até um horizonte de 2014, deixando que fosse a Espanha a liderar esta guerra. A estratégia que António Guterres delineou para esta cimeira - uma estratégia de risco pela qual se bateu até ao fim -, acabou por revelar-se compensadora. Portugal controlou os danos de uma reforma que tinha como primeiro objectivo garantir um aumento substancial do poder dos grandes países na União, apenas possível à custa dos mais pequenos. O espectro do "directório" não ficou, de modo nenhum, afastado. Mas os primeiros-ministros de Portugal e da Bélgica demonstraram que dois pequenos países chegam para bloquear um acordo e virar o resultado de uma cimeira. Fazendo a apreciação global do acordo alcançado, Guterres considerou que o Tratado de Nice "não é o melhor Tratado." É este o problema da vitória portuguesa. Em Nice ficou escancarada a porta para uma União mais intergovernamental e mais desigual, o pior dos cenários de futuro para um pequeno país periférico como é Portugal. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Acordo minimalista em Nice

EDITORIAL Contas de diminuir

Uma vitória de sabor amargo

Satisfação moderada

Perguntas & respostas

PSD e PP a favor, PCP e BE contra

OPINIÃO

Nice e o "après Nice": é tempo de tocar a orquestra da Europa

António Guterres "inteiramente satisfeito" com o Tratado de Nice

Uma Vitória de Sabor Amargo

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A resistência de ambos - que chegou a parecer desesperada - acabaria por reconstituir à sua volta a unidade entre os "pequenos", vencendo o braço-de-ferro com a presidência francesa. Com o chanceler alemão e o primeiro-ministro de Itália a darem sinais de abertura a um novo compromisso, a presidência viu o seu apoio reduzido à Espanha e ao Reino Unido, não tendo outro remédio senão voltar a negociar. A última "oferta" de Jacques Chirac aos pequenos países acabou por abrir caminho a um novo equilíbrio considerado menos humilhante para os pequenos. Portugal salvou a face, mesmo que a solução encontrada não chegue para afastar definitivamente a ameaça do directório dos grandes. "Portugal conseguiu obter [na repartição final dos votos no Conselho] um peso superior aquele que lhe era atribuído na proposta apresentada em Santa Maria da Feira", recordou o primeiro-ministro na conferência de imprensa final. A solução adoptada dá a Portugal 12 votos para 29 dos quatro maiores países, reforçando globalmente o peso dos pequenos e médios em relação aos grandes. Na proposta da Feira a relação era entre 10 e 25. Mas o próprio primeiro-ministro admitiu que a solução adoptada não vai no sentido de tornar mais simples e mais eficaz o processo de decisão europeu - um dos principais objectivos desta reforma, que acabou por ficar seriamente comprometido em Nice. "É verdade que este sistema não facilita a tomada de decisões, temos uma tripla maioria", disse Guterres. Maiorias qualificadas e minorias de bloqueio A preocupação de Portugal na repartição de votos no Conselho, o principal órgão deliberativo da União, não se limitava a um equilíbrio entre pequenos e grandes que não tivesse o ar de capitulação. A questão do limiar - de votos, de população e de Estados - para formar maiorias qualificadas e minorias de bloqueio era também considerada fundamental pela delegação portuguesa para não deixar nas mãos dos maiores um poder excessivo. Neste capítulo, Portugal só ganhou metade. Ganhou na garantia de que nenhuma decisão pode ser tomada se não representar uma maioria de Estados. Perdeu ao ter de aceitar que as decisões só são válidas se tiverem o apoio de 62 por cento da população - uma cláusula da qual a Alemanha, o país mais populosos da União, nunca admitiu abdicar. Guterres mostrou-se compreensivo com o claro reforço do poder da Alemanha, que fez pagar caro à França a paridade formal dos votos entre os dois países que constituem o eixo da construção europeia. "A Alemanha fez um sacrifício muito significativo ao aceitar uma ponderação igual à dos outros Estados de maior dimensão", disse o primeiro-ministro. Esse sacrifício teve de ter uma compensação que está "fundamentalmente expressa no limiar dos 62 por cento da população." Num dos momentos de maior dramatização da cimeira, quando Portugal resolveu jogar no tudo ou nada, todos os argumentos foram bons para sublinhar o risco de "directório" contido na proposta da presidência para a repartição dos votos no Conselho. Nessa altura, Francisco Seixas da Costa, o principal negociador português a quem coube um papel-chave na estratégia de radicalização posta em prática por Portugal, não hesitou em utilizar o espectro do poder alemão para justificar a posição portuguesa. Mas negociar é, por vezes, dar o dito por não dito e não foi Portugal, certamente, o único a fazê-lo. O princípio da "absoluta igualdade" Na outra grande frente de batalha - a composição da Comissão-, Portugal ganhou ao assegurar o princípio da "absoluta igualdade" entre os Estados-membros através da garantir de que haverá um comissário por país até um futuro ainda muito distante. Portugal adoptou desde o início desta negociação, que se arrastou por quase um ano, uma linha e valorização dos outros dois capítulos da reforma de Nice (as cooperações reforçadas e a extensão da maioria qualificada), como aqueles que eram "verdadeiramente importantes" para permitir um alargamento sem riscos para o futuro do projecto europeu. No final da cimeira, Guterres disfarçou os parcos resultados obtidos na extensão das maiorias qualificadas a novos domínios do Tratado, considerando que "houve nítidos progressos". Portugal salvaguardou a unanimidade nas decisões sobre as políticas de coesão até um horizonte de 2014, deixando que fosse a Espanha a liderar esta guerra. A estratégia que António Guterres delineou para esta cimeira - uma estratégia de risco pela qual se bateu até ao fim -, acabou por revelar-se compensadora. Portugal controlou os danos de uma reforma que tinha como primeiro objectivo garantir um aumento substancial do poder dos grandes países na União, apenas possível à custa dos mais pequenos. O espectro do "directório" não ficou, de modo nenhum, afastado. Mas os primeiros-ministros de Portugal e da Bélgica demonstraram que dois pequenos países chegam para bloquear um acordo e virar o resultado de uma cimeira. Fazendo a apreciação global do acordo alcançado, Guterres considerou que o Tratado de Nice "não é o melhor Tratado." É este o problema da vitória portuguesa. Em Nice ficou escancarada a porta para uma União mais intergovernamental e mais desigual, o pior dos cenários de futuro para um pequeno país periférico como é Portugal. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Acordo minimalista em Nice

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