Fomos nós o alvo do atentado suicida

18-09-2001
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Fomos Nós o Alvo do Atentado Suicida

Por PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS, professor universitário

Terça-feira, 18 de Setembro de 2001

As imagens do ataque suicida às torres gémeas de Nova Iorque repetiram-se vezes sem conta perante o nosso olhar incrédulo e acabamos todos a dizer que "a partir de agora" nada será como dantes! Sabíamos, contudo, todos quantos agora genuinamente nos surpreendemos, que de uma maneira ou de outra, ali ou acolá, mais tarde ou mais cedo "aquilo" tinha de acontecer. Temos agora de tentar perceber, nas imagens brutais do atentado, o que todavia não soubemos ler nos relatórios dos serviços de segurança, nos ensaios, nos romances, no cinema. E o que as imagens nos mostram, obviamente, não é uma guerra contra os Estados Unidos. A Casa Branca ficou incólume. Apenas uma parte do Pentágono soçobrou. O que ruiu - e ruiu completamente - por um gesto satânico repetido como num rito sacrificial, foram - uma a uma - as duas torres do World Trade Center, que serve de modelo a tantos outros centros de negócios por esse mundo fora, seja no Porto, em Xangai ou Singapura.

Não foi por ódio que Pearl Harbour aconteceu. O ódio não chega para definir uma guerra mas é o ódio que verdadeiramente enfrentamos aqui. Ódio à geometria pura das obras grandiosas de engenharia, construídas com mão-de-obra imigrante. Ódio à ostentação da abundância e à ilusão de vida fácil vendida em cada produto comercial. Ódio ao vestuário e calçado de marca, confeccionados por mãos infantis na Índia ou no Brasil. Ódio à sedução omnipresente do lazer, ao brilho metálico das máquinas inteligentes, com componentes electrónicos fabricados na Ásia. Somos nós os objectos deste ódio, fomos nós o alvo do atentado suicida: a cidade de Nova Iorque, a sociedade cosmopolita, o nosso conforto displicente, os nossos modos descontraídos, liberais, gentis... tão improváveis em Cabul, nos campos de refugiados da Palestina e nas florestas da Colômbia. Isto não é uma guerra contra "o Ocidente": a subversão da geografia é precisamente o que distingue o nosso tempo. "O Ocidente" já não existe: o mundo inteiro, com uma sofreguidão milenar, apropriou-se dele.

Há uma pulsão de morte rapidamente farejada por alguns titulares oficiosos da representação política nas nossas democracias mediatizadas. Falam de uma "guerra contra o terrorismo" como se fosse possível erradicar à força a iniquidade e o horror. Não! A NATO não é o terreno desse combate. Nem tão-pouco os métodos de infiltração e aliciamento mercenário que pariram abortos como Bin Laden e corrompem as nossas instituições democráticas. O terrorismo combate-se com o cruzamento de informações e a cooperação judicial internacional. E, decisivamente, com a tolerância, a razão e uma distribuição menos injusta dos recursos do planeta.

Os cidadãos das democracias constitucionais do mundo, a sociedade civil cosmopolita, tem de assumir as suas próprias responsabilidades. É certo que a retaliação é inevitável e, porventura, moralmente menos repugnante que a impunidade dos terroristas. Os antecedentes no

Sudão e no Iraque não são, porém, animadores... Que os parceiros europeus da NATO garantam ao menos alguma "proporcionalidade" na vingança e que se esgotem os meios para capturar o cérebro cobarde que se poupou ao sacrifício a que premeditadamente condenou, também, os miseráveis executores materiais do seu plano tenebroso.

A cidadania não se esgota no voto céptico e demissionista. Os cidadãos que em desespero impediram que o avião civil despenhado na Pensilvânia cumprisse o seu destino criminoso deram-nos um exemplo e uma luminosa esperança.

Fomos Nós o Alvo do Atentado Suicida

Por PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS, professor universitário

Terça-feira, 18 de Setembro de 2001

As imagens do ataque suicida às torres gémeas de Nova Iorque repetiram-se vezes sem conta perante o nosso olhar incrédulo e acabamos todos a dizer que "a partir de agora" nada será como dantes! Sabíamos, contudo, todos quantos agora genuinamente nos surpreendemos, que de uma maneira ou de outra, ali ou acolá, mais tarde ou mais cedo "aquilo" tinha de acontecer. Temos agora de tentar perceber, nas imagens brutais do atentado, o que todavia não soubemos ler nos relatórios dos serviços de segurança, nos ensaios, nos romances, no cinema. E o que as imagens nos mostram, obviamente, não é uma guerra contra os Estados Unidos. A Casa Branca ficou incólume. Apenas uma parte do Pentágono soçobrou. O que ruiu - e ruiu completamente - por um gesto satânico repetido como num rito sacrificial, foram - uma a uma - as duas torres do World Trade Center, que serve de modelo a tantos outros centros de negócios por esse mundo fora, seja no Porto, em Xangai ou Singapura.

Não foi por ódio que Pearl Harbour aconteceu. O ódio não chega para definir uma guerra mas é o ódio que verdadeiramente enfrentamos aqui. Ódio à geometria pura das obras grandiosas de engenharia, construídas com mão-de-obra imigrante. Ódio à ostentação da abundância e à ilusão de vida fácil vendida em cada produto comercial. Ódio ao vestuário e calçado de marca, confeccionados por mãos infantis na Índia ou no Brasil. Ódio à sedução omnipresente do lazer, ao brilho metálico das máquinas inteligentes, com componentes electrónicos fabricados na Ásia. Somos nós os objectos deste ódio, fomos nós o alvo do atentado suicida: a cidade de Nova Iorque, a sociedade cosmopolita, o nosso conforto displicente, os nossos modos descontraídos, liberais, gentis... tão improváveis em Cabul, nos campos de refugiados da Palestina e nas florestas da Colômbia. Isto não é uma guerra contra "o Ocidente": a subversão da geografia é precisamente o que distingue o nosso tempo. "O Ocidente" já não existe: o mundo inteiro, com uma sofreguidão milenar, apropriou-se dele.

Há uma pulsão de morte rapidamente farejada por alguns titulares oficiosos da representação política nas nossas democracias mediatizadas. Falam de uma "guerra contra o terrorismo" como se fosse possível erradicar à força a iniquidade e o horror. Não! A NATO não é o terreno desse combate. Nem tão-pouco os métodos de infiltração e aliciamento mercenário que pariram abortos como Bin Laden e corrompem as nossas instituições democráticas. O terrorismo combate-se com o cruzamento de informações e a cooperação judicial internacional. E, decisivamente, com a tolerância, a razão e uma distribuição menos injusta dos recursos do planeta.

Os cidadãos das democracias constitucionais do mundo, a sociedade civil cosmopolita, tem de assumir as suas próprias responsabilidades. É certo que a retaliação é inevitável e, porventura, moralmente menos repugnante que a impunidade dos terroristas. Os antecedentes no

Sudão e no Iraque não são, porém, animadores... Que os parceiros europeus da NATO garantam ao menos alguma "proporcionalidade" na vingança e que se esgotem os meios para capturar o cérebro cobarde que se poupou ao sacrifício a que premeditadamente condenou, também, os miseráveis executores materiais do seu plano tenebroso.

A cidadania não se esgota no voto céptico e demissionista. Os cidadãos que em desespero impediram que o avião civil despenhado na Pensilvânia cumprisse o seu destino criminoso deram-nos um exemplo e uma luminosa esperança.

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