Onde está Guterres?

22-06-2001
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EDITORIAL

Onde Está Guterres?

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 22 de Junho de 2001

Pina Moura continua no Governo. Manuela Arcanjo também. Assim como José Sasportes e Augusto Santos Silva. Sem esquecer Castro Caldas.

Tudo como dantes, portanto. Não: tudo um pouco pior do que antes. O que ontem se passou ao longo de algumas horas, enquanto se especulava com a demissão de Pina Moura, foi muito revelador sobre o estado de espírito do país. Se ele tivesse saído, ninguém se teria surpreendido; ao continuar, surpreendeu. Até a bolsa sofreu com isso.

Na verdade, ao longo dos últimos dias, Pina Moura tem feito tudo o que parece estar ao seu alcance não apenas para sobreviver, mas também para conseguir corrigir alguns dos erros que cometeu, ou foi levado a cometer. Preparou um plano de redução da despesa pública. Debateu-o com um conjunto de "sábios" que incluíam alguns dos mais reputados economistas portugueses. Pareceu recolher o seu apoio e foi preparando a opinião pública. Mas, mesmo assim, nunca conseguiu deixar de ser visto como um cadáver adiado.

Pina Moura concentra em si o drama deste Governo: depois de tanto tempo a prometer reformas que não fez, já ninguém acredita que possa levar a cabo a viragem da política orçamental que se impõe. Vive aquilo que se poderia definir como um "estado de desgraça": antes de se escutar o que tem a dizer, já se está desconfiado. Perdeu todo o crédito.

Por isso aquilo que se discute não é se Pina Moura sai ou não do Governo: é quando sai. E especula-se mesmo que a apresentação deste orçamento rectificativo decorre de ser necessário "limpar a casa" para que depois Guterres encontre quem aceite substitui-lo nas Finanças. Uma especulação que ontem ganhou mais força ao compreender-se que este rectificativo não corresponde a nenhuma "reorientação" da despesa pública, como foi anunciado, apenas visa limpar dívidas antigas e rapar o fundo a alguns tachos.

É por isso que não é com grande optimismo que se aguarda para hoje a anunciada divulgação das 50 medidas de redução da dívida pública. A única que ontem foi revelada - limitar o crescimento da despesa a quatro por cento - não entusiasma ninguém. As 49 que faltam veremos, mas não há razões para estar optimista: em lugar de "50 medidas" que lembram, na sua formulação, um slogan barato de campanha, seria preferível fixar apenas duas ou três metas sobre as quais fosse possível estabelecer um consenso nacional. E cujo cumprimento fosse facilmente verificável pela opinião pública.

Não foi esse o caminho escolhido por Guterres - porque não tenhamos dúvidas que foi Guterres, e não Pina Moura, que estabeleceu os limites (frouxos) deste "apertão". Pina Moura, por ser um ministro mais político do que técnico, por ser muito próximo de Guterres, pode estar disposto a sacrificar-se por ele. A aceitar ficar a meio caminho nos cortes da despesa pública. A, mesmo assim, dar a cara por eles. Isso nem surpreende, sobretudo se nos lembrarmos do cadinho político em que Pina Moura cresceu, o do PCP.

Aquilo que verdadeiramente surpreende é como, neste momento mais difícil do seu Governo, Guterres se esconde atrás de Pina Moura. Soares já teria vindo à televisão falar com ar grave aos portugueses. Cavaco nunca teria deixado a tarefa de dar as más notícias a um seu ministro. Guterres, pelos vistos, acha que os portugueses não merecem mais - não merecem sequer que ele verdadeiramente se envolva nesta altura em que as coisas estão a ficar difíceis.

EDITORIAL

Onde Está Guterres?

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Sexta-feira, 22 de Junho de 2001

Pina Moura continua no Governo. Manuela Arcanjo também. Assim como José Sasportes e Augusto Santos Silva. Sem esquecer Castro Caldas.

Tudo como dantes, portanto. Não: tudo um pouco pior do que antes. O que ontem se passou ao longo de algumas horas, enquanto se especulava com a demissão de Pina Moura, foi muito revelador sobre o estado de espírito do país. Se ele tivesse saído, ninguém se teria surpreendido; ao continuar, surpreendeu. Até a bolsa sofreu com isso.

Na verdade, ao longo dos últimos dias, Pina Moura tem feito tudo o que parece estar ao seu alcance não apenas para sobreviver, mas também para conseguir corrigir alguns dos erros que cometeu, ou foi levado a cometer. Preparou um plano de redução da despesa pública. Debateu-o com um conjunto de "sábios" que incluíam alguns dos mais reputados economistas portugueses. Pareceu recolher o seu apoio e foi preparando a opinião pública. Mas, mesmo assim, nunca conseguiu deixar de ser visto como um cadáver adiado.

Pina Moura concentra em si o drama deste Governo: depois de tanto tempo a prometer reformas que não fez, já ninguém acredita que possa levar a cabo a viragem da política orçamental que se impõe. Vive aquilo que se poderia definir como um "estado de desgraça": antes de se escutar o que tem a dizer, já se está desconfiado. Perdeu todo o crédito.

Por isso aquilo que se discute não é se Pina Moura sai ou não do Governo: é quando sai. E especula-se mesmo que a apresentação deste orçamento rectificativo decorre de ser necessário "limpar a casa" para que depois Guterres encontre quem aceite substitui-lo nas Finanças. Uma especulação que ontem ganhou mais força ao compreender-se que este rectificativo não corresponde a nenhuma "reorientação" da despesa pública, como foi anunciado, apenas visa limpar dívidas antigas e rapar o fundo a alguns tachos.

É por isso que não é com grande optimismo que se aguarda para hoje a anunciada divulgação das 50 medidas de redução da dívida pública. A única que ontem foi revelada - limitar o crescimento da despesa a quatro por cento - não entusiasma ninguém. As 49 que faltam veremos, mas não há razões para estar optimista: em lugar de "50 medidas" que lembram, na sua formulação, um slogan barato de campanha, seria preferível fixar apenas duas ou três metas sobre as quais fosse possível estabelecer um consenso nacional. E cujo cumprimento fosse facilmente verificável pela opinião pública.

Não foi esse o caminho escolhido por Guterres - porque não tenhamos dúvidas que foi Guterres, e não Pina Moura, que estabeleceu os limites (frouxos) deste "apertão". Pina Moura, por ser um ministro mais político do que técnico, por ser muito próximo de Guterres, pode estar disposto a sacrificar-se por ele. A aceitar ficar a meio caminho nos cortes da despesa pública. A, mesmo assim, dar a cara por eles. Isso nem surpreende, sobretudo se nos lembrarmos do cadinho político em que Pina Moura cresceu, o do PCP.

Aquilo que verdadeiramente surpreende é como, neste momento mais difícil do seu Governo, Guterres se esconde atrás de Pina Moura. Soares já teria vindo à televisão falar com ar grave aos portugueses. Cavaco nunca teria deixado a tarefa de dar as más notícias a um seu ministro. Guterres, pelos vistos, acha que os portugueses não merecem mais - não merecem sequer que ele verdadeiramente se envolva nesta altura em que as coisas estão a ficar difíceis.

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