Nos bastidores da notícia

13-05-2001
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Nos Bastidores da Notícia

Domingo, 13 de Maio de 2001

Envelopes com dinheiro...

O sistema funcionou como uma instituição ainda depois da queda de Marcos, nas Filipinas: no final da conferência de imprensa, chegava o envelope com dinheiro para os jornalistas. O mesmo acontece ainda hoje na Indonésia, garante Sawar Lateef, conselheiro do Banco Mundial. Ambos os países, di-lo toda a gente, gozam de uma grande liberdade de imprensa, sobretudo quando comparada com o passado ditatorial. Permanecem, contudo, situações preocupantes. Os principais "media", nas Filipinas, pertencem a uma elite com ligações ao poder. Na Indonésia, conta Lateef, 19 dos 33 artigos do Código Penal podem ser usados contra os jornalistas, e muitos órgãos de informação continuam ligados à "Nova Ordem" do velho Suharto. Apesar do papel "importantíssimo" que desempenha, a imprensa é vista ainda, alertam correspondentes de imprensa e jornalistas locais, como "factor de instabilidade". O que pode levar "líderes políticos mais conservadores" (referência a Megawati) a tentarem impor restrições "em nome do povo".

... e ameaças de morte

Muitos participantes enfatizaram as grandes mudanças em curso no panorama jornalístico da região. Da China, onde há já mais de 100 milhões de telemóveis e ultrapassam os 20 milhões os utilizadores de Internet, a Burma, onde os vistos continuam a ser recusados a jornalistas, mas que dispõe há meses de um semanário que "tenta ser independente", conforme anunciou, eufórico, o australiano que o fundou, juntamente com o filho do "1º secretário", tenente-general Khin Nyunt. Enquanto isto, uma nova geração de jornalistas desenvolve trabalhos na melhor tradição do jornalismo de investigação. Andrew Taussig, da Universidade de Oxford, disse, ao apresentar os directores dos jornais electrónicos Malaysianiki.com Malásia) e Tehelka.com (Índia), que há uma diferença entre os países de alto risco e o ambiente em que este tipo de trabalho decorre: "É mais sinistro e os seus actores mais profissionais." Ideia amplamente ilustrada pelas pressões económicas e as ameaças directas de morte relatadas por Tarun Tejpal, que se mostra, contudo, decidido: "O jornalismo levantou sempre questões desconfortáveis. A Índia é um monte de corrupção e finalmente a corrupção tornou-se um tema do jornalismo indiano."

O impensável consenso

O título posto pelos organizadores ao painel era suficientemente neutro para não revelar qualquer posição prévia, mas as perguntas colocadas pelo moderador foram aquelas que em Portugal se colocariam em situação semelhante: em que consiste o serviço público, para que serve e a quem interessa, num tempo em que proliferam as estações de televisão por todo o mundo; quem o paga; como preservar-lhe a independência em relação ao Governo; como conciliar o que o povo quer ver com o que o povo precisa de ver; qual o limite abaixo do qual as audiências não podem descer? A surpresa não veio das respostas dadas pela mesa, à roda da qual tomavam assento altos representantes das estações públicas de televisão e rádio da Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul e Singapura. Veio da assistência, composta por uma maioria de gestores e jornalistas de empresas privadas. À parte a intervenção de um jovem jornalista indonésio, irritado porque no seu país a televisão pública faz colectas junto dos cidadãos, nenhuma voz discordante se ouviu quanto ao princípio da existência do serviço público. Nem mesmo quando o moderador quis provocar a representante da CNN International, perguntando se não se sentia incomodada com a concorrência da BBC, suportada pelo dinheiro dos contribuintes. "Eles fazem o seu trabalho, nós fazemos o nosso", respondeu Rena Golden, mais ou menos por estas distanciadas palavras. Talvez lembrada da última alínea da definição de serviço público deixada logo no início pelo director do World Service, Mark Byford: "Tem alta qualidade, reflecte a cultura nacional, é relevante para todos os segmentos da sociedade, está no debate público, é independente editorialmente, e não anda atrás do mercado"...A.G.

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Domingo, 13 de Maio de 2001

Envelopes com dinheiro...

O sistema funcionou como uma instituição ainda depois da queda de Marcos, nas Filipinas: no final da conferência de imprensa, chegava o envelope com dinheiro para os jornalistas. O mesmo acontece ainda hoje na Indonésia, garante Sawar Lateef, conselheiro do Banco Mundial. Ambos os países, di-lo toda a gente, gozam de uma grande liberdade de imprensa, sobretudo quando comparada com o passado ditatorial. Permanecem, contudo, situações preocupantes. Os principais "media", nas Filipinas, pertencem a uma elite com ligações ao poder. Na Indonésia, conta Lateef, 19 dos 33 artigos do Código Penal podem ser usados contra os jornalistas, e muitos órgãos de informação continuam ligados à "Nova Ordem" do velho Suharto. Apesar do papel "importantíssimo" que desempenha, a imprensa é vista ainda, alertam correspondentes de imprensa e jornalistas locais, como "factor de instabilidade". O que pode levar "líderes políticos mais conservadores" (referência a Megawati) a tentarem impor restrições "em nome do povo".

... e ameaças de morte

Muitos participantes enfatizaram as grandes mudanças em curso no panorama jornalístico da região. Da China, onde há já mais de 100 milhões de telemóveis e ultrapassam os 20 milhões os utilizadores de Internet, a Burma, onde os vistos continuam a ser recusados a jornalistas, mas que dispõe há meses de um semanário que "tenta ser independente", conforme anunciou, eufórico, o australiano que o fundou, juntamente com o filho do "1º secretário", tenente-general Khin Nyunt. Enquanto isto, uma nova geração de jornalistas desenvolve trabalhos na melhor tradição do jornalismo de investigação. Andrew Taussig, da Universidade de Oxford, disse, ao apresentar os directores dos jornais electrónicos Malaysianiki.com Malásia) e Tehelka.com (Índia), que há uma diferença entre os países de alto risco e o ambiente em que este tipo de trabalho decorre: "É mais sinistro e os seus actores mais profissionais." Ideia amplamente ilustrada pelas pressões económicas e as ameaças directas de morte relatadas por Tarun Tejpal, que se mostra, contudo, decidido: "O jornalismo levantou sempre questões desconfortáveis. A Índia é um monte de corrupção e finalmente a corrupção tornou-se um tema do jornalismo indiano."

O impensável consenso

O título posto pelos organizadores ao painel era suficientemente neutro para não revelar qualquer posição prévia, mas as perguntas colocadas pelo moderador foram aquelas que em Portugal se colocariam em situação semelhante: em que consiste o serviço público, para que serve e a quem interessa, num tempo em que proliferam as estações de televisão por todo o mundo; quem o paga; como preservar-lhe a independência em relação ao Governo; como conciliar o que o povo quer ver com o que o povo precisa de ver; qual o limite abaixo do qual as audiências não podem descer? A surpresa não veio das respostas dadas pela mesa, à roda da qual tomavam assento altos representantes das estações públicas de televisão e rádio da Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul e Singapura. Veio da assistência, composta por uma maioria de gestores e jornalistas de empresas privadas. À parte a intervenção de um jovem jornalista indonésio, irritado porque no seu país a televisão pública faz colectas junto dos cidadãos, nenhuma voz discordante se ouviu quanto ao princípio da existência do serviço público. Nem mesmo quando o moderador quis provocar a representante da CNN International, perguntando se não se sentia incomodada com a concorrência da BBC, suportada pelo dinheiro dos contribuintes. "Eles fazem o seu trabalho, nós fazemos o nosso", respondeu Rena Golden, mais ou menos por estas distanciadas palavras. Talvez lembrada da última alínea da definição de serviço público deixada logo no início pelo director do World Service, Mark Byford: "Tem alta qualidade, reflecte a cultura nacional, é relevante para todos os segmentos da sociedade, está no debate público, é independente editorialmente, e não anda atrás do mercado"...A.G.

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