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30-11-2000
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Foi só em Agosto de 1976 que os portugueses ficaram a conhecer os responsáveis por mais de 150 crimes de terrorismo. Eram os homens da rede bombista. Que também tinham sido do MDLP, extinto por Spínola em Abril de 76. E que também tinham actuado no "Verão quente". Estavam em roda livre? Já não existia o MDLP enquanto organização? Do que é que falamos quando se pronuncia a sigla do MDLP? Interrogações que ainda são enigmas.

Extinção do movimento

Com estas detenções, passaram a ser muito difusas, para a história, as fronteiras entre aquilo que foi o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) enquanto organização política liderada pelo general António Spínola e onde estiveram políticos como José Miguel Júdice, Miguel Seabra, Pacheco de Amorim e operacionais militares como Alpoim Calvão, entre outros, e os grupos que, a partir do 25 de Novembro de 1975, continuaram a manter o país a ferro e fogo, actuando em nome deste grupo contra-revolucionário (ver texto nestas páginas). É que tanto Ferreira Torres, como Abílio de Oliveira, Júlio Regadas e outros dos operacionais envolvidos no processo da rede bombista também tinham pertencido à comissão coordenadora do Norte do MDLP quando este movimento se afirmava apenas no plano da luta política, ainda que admitindo o recurso à violência para resistir à influência do PCP, como aconteceu durante os assaltos às sedes comunistas no "Verão quente" de 1975 em conjugação com o grupo Maria da Fonte, liderado pelo editor Paradela de Abreu. De que MDLP é que falamos? Do primeiro, que vai até ao 25 de Novembro? Do outro, que se envolveu no terrorismo? Um e outro são a mesma coisa? Quem responde pela organização e em que tempo? Todas estas são respostas muito difíceis de encontrar, passados mais de 20 anos. Os factos viriam a provar que, se o 25 de Novembro é, na realidade, um marco político de regresso à estabilidade política, um verdadeiro ponto de viragem no curso da Revolução dos Cravos, assim não pensaram alguns dos operacionais envolvidos no MDLP e, até, gente das suas cúpulas. Ficaram de mãos livres para actuar numa espécie de roda livre em relação à direcção política do movimento, que Spínola extinguiu formalmente em Abril de 1976. Spínola passou a ponderar a dissolução do MDLP logo em Janeiro de 1976, confrontado que estava com cisões internas, basicamente resumidas a um forte confronto entre Alpoim Calvão, acusado de um excessivo protagonismo, e Morais Jorge. Ao mesmo tempo registavam-se alguns abandonos, como o de Dias de Lima, antigo chefe da Casa Militar de Spínola em Belém. O Partido do Progresso, estrutura política do movimento, cindia também e decidiu avançar para a legalização em Portugal. Por outro lado, a Espanha pós-franquista começava a apresentar uma face completamente diferente. Espanha já não era o paraíso da contra-revolução. A Direcção-Geral de Segurança espanhola, em meados de Janeiro, avisava o general Spínola que não lhe garantiria a sua segurança pessoal. Depois de se ter dado ao luxo de anunciar ao próprio Presidente da República, Costa Gomes, em carta que lhe envia do Rio de Janeiro, o avanço do MDLP para o terreno - e em que lhe diz ter lançado "um apelo aos valentes combatentes civis e meus irmãos de armas (...) para que nos unamos em volta do MDLP" -, Spínola vê os apoios internacionais a faltarem cada dia que passa.

453 acções terroristas

Em Portugal vivia-se uma espécie de ressaca do "Verão quente". Continuavam os atentados. E foi este ano, de 1976, que maior contributo deu para as acções de terrorismo que ocorreram em Portugal entre Outubro de 1974 e Fevereiro de 1977. Um relatório da Polícia Judiciária Militar regista 453 acções terroristas. E algumas foram da maior gravidade. Em Abril de 1976 foi assassinado o padre Maximiano de Sousa. Semanas depois, rebentou uma bomba na embaixada de Cuba e morreram dois funcionários diplomáticos. A 1 de Maio explodiu um carro armadilhado junto à sede do PCP, na Avenida da Liberdade, e morreu um jovem que ia a passar. Em S. Martinho do Campo, Santo Tirso, foi morta uma mulher, Rosinda Teixeira, também na sequência da detonação de uma carga explosiva. Nada disto parecia fazer sentido numa fase em que a democracia caminhava para a estabilização e em que o PCP perdia força nas ruas. O país preparava-se para eleger Ramalho Eanes e, apesar de uma campanha eleitoral também marcada pela morte de uma pessoa, em Évora, na sequência de uma troca de tiros entre a segurança deste candidato e uma multidão afecta à candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho, eram irreversíveis conquistas como a democracia, o pluralismo e uma sociedade aberta. As notícias sobre os autores da onda de terrorismo demoraram três meses. Pelos jornais de 7 de Agosto de 1976, o país acordou com uma novidade que, sendo forte, já pouco surpreendia naqueles tempos. Os jornais da manhã davam conta da prisão de vários elementos pertencentes a uma rede bombista e da apreensão de um verdadeiro arsenal, que ia desde espingardas e metralhadoras a granadas, cargas de TNT, dinamite, dez quilómetros de cordão lento, e por aí adiante. Eram os protagonistas daquilo que estava a tentar ser uma espécie de segundo "Verão quente" mas, desta vez, sem o maciço apoio popular que os assaltos às sedes dos partidos de esquerda e outras acções de violência tinham tido no ano anterior. Ligações perigosas com os partidos

É aqui, nos factos que ocorreram entre os finais de 1975 e o atentado à embaixada de Cuba, as mortes do padre Maximiano de Sousa e do industrial Ferreira Torres, marcos cronológicos das acções de violência pós-PREC, que se situam as zonas de maior penumbra. Na transição de Dezembro de 1975 para os primeiros meses de 1976, apesar dos esforços de mediação que estavam a ser desenvolvidos entre emissários de Pinheiro de Azevedo e o MDLP para a pacificação, parecia, de facto, haver gente em roda livre. A verdade é que, depois da independência de Angola, em 11 de Novembro, o MDLP e todas as outras organizações de extrema-direita como o ELP, e os Codeco, receberam uma boa fornada de gente habilitada em matéria de bombas. Decisivamente habilitada em matéria de bombas e nada de política. E foi também a partir desse momento da independência de Angola que nasceram algumas das ligações mais perigosas de que há memória na história contemporânea de Portugal, entre esses operacionais - alguns rapidamente caíram no domínio da pura marginalidade e de onde nunca saíram - e dirigentes de partidos políticos. Ramiro Moreira, que foi indultado por Mário Soares depois de ter vivido em Espanha e trabalhado em Madrid numa empresa pública, a Galp, desempenhou as funções de chefe da segurança pessoal de Sá Carneiro e do PPD. Vasco Montez, chefe dos Codeco, aqui sim quase só com homens que vinham de Angola onde tinham combatido na FNLA, colaborou na segurança do PS. José Esteves, Luís Ramalho (que cumpriu 11 anos de cadeia pelo homicídio de dois trabalhadores da Carris), entre outros, também dos Codeco, foram seguranças no CDS. Um deles chegou mesmo a ser "motorista pessoal" de Freitas do Amaral, conforme designação dada, mais tarde, pelo próprio ex-líder do CDS, numa carta que enviou à TVI devido a uma investigação sobre o caso de Camarate.

Foi só em Agosto de 1976 que os portugueses ficaram a conhecer os responsáveis por mais de 150 crimes de terrorismo. Eram os homens da rede bombista. Que também tinham sido do MDLP, extinto por Spínola em Abril de 76. E que também tinham actuado no "Verão quente". Estavam em roda livre? Já não existia o MDLP enquanto organização? Do que é que falamos quando se pronuncia a sigla do MDLP? Interrogações que ainda são enigmas.

Extinção do movimento

Com estas detenções, passaram a ser muito difusas, para a história, as fronteiras entre aquilo que foi o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) enquanto organização política liderada pelo general António Spínola e onde estiveram políticos como José Miguel Júdice, Miguel Seabra, Pacheco de Amorim e operacionais militares como Alpoim Calvão, entre outros, e os grupos que, a partir do 25 de Novembro de 1975, continuaram a manter o país a ferro e fogo, actuando em nome deste grupo contra-revolucionário (ver texto nestas páginas). É que tanto Ferreira Torres, como Abílio de Oliveira, Júlio Regadas e outros dos operacionais envolvidos no processo da rede bombista também tinham pertencido à comissão coordenadora do Norte do MDLP quando este movimento se afirmava apenas no plano da luta política, ainda que admitindo o recurso à violência para resistir à influência do PCP, como aconteceu durante os assaltos às sedes comunistas no "Verão quente" de 1975 em conjugação com o grupo Maria da Fonte, liderado pelo editor Paradela de Abreu. De que MDLP é que falamos? Do primeiro, que vai até ao 25 de Novembro? Do outro, que se envolveu no terrorismo? Um e outro são a mesma coisa? Quem responde pela organização e em que tempo? Todas estas são respostas muito difíceis de encontrar, passados mais de 20 anos. Os factos viriam a provar que, se o 25 de Novembro é, na realidade, um marco político de regresso à estabilidade política, um verdadeiro ponto de viragem no curso da Revolução dos Cravos, assim não pensaram alguns dos operacionais envolvidos no MDLP e, até, gente das suas cúpulas. Ficaram de mãos livres para actuar numa espécie de roda livre em relação à direcção política do movimento, que Spínola extinguiu formalmente em Abril de 1976. Spínola passou a ponderar a dissolução do MDLP logo em Janeiro de 1976, confrontado que estava com cisões internas, basicamente resumidas a um forte confronto entre Alpoim Calvão, acusado de um excessivo protagonismo, e Morais Jorge. Ao mesmo tempo registavam-se alguns abandonos, como o de Dias de Lima, antigo chefe da Casa Militar de Spínola em Belém. O Partido do Progresso, estrutura política do movimento, cindia também e decidiu avançar para a legalização em Portugal. Por outro lado, a Espanha pós-franquista começava a apresentar uma face completamente diferente. Espanha já não era o paraíso da contra-revolução. A Direcção-Geral de Segurança espanhola, em meados de Janeiro, avisava o general Spínola que não lhe garantiria a sua segurança pessoal. Depois de se ter dado ao luxo de anunciar ao próprio Presidente da República, Costa Gomes, em carta que lhe envia do Rio de Janeiro, o avanço do MDLP para o terreno - e em que lhe diz ter lançado "um apelo aos valentes combatentes civis e meus irmãos de armas (...) para que nos unamos em volta do MDLP" -, Spínola vê os apoios internacionais a faltarem cada dia que passa.

453 acções terroristas

Em Portugal vivia-se uma espécie de ressaca do "Verão quente". Continuavam os atentados. E foi este ano, de 1976, que maior contributo deu para as acções de terrorismo que ocorreram em Portugal entre Outubro de 1974 e Fevereiro de 1977. Um relatório da Polícia Judiciária Militar regista 453 acções terroristas. E algumas foram da maior gravidade. Em Abril de 1976 foi assassinado o padre Maximiano de Sousa. Semanas depois, rebentou uma bomba na embaixada de Cuba e morreram dois funcionários diplomáticos. A 1 de Maio explodiu um carro armadilhado junto à sede do PCP, na Avenida da Liberdade, e morreu um jovem que ia a passar. Em S. Martinho do Campo, Santo Tirso, foi morta uma mulher, Rosinda Teixeira, também na sequência da detonação de uma carga explosiva. Nada disto parecia fazer sentido numa fase em que a democracia caminhava para a estabilização e em que o PCP perdia força nas ruas. O país preparava-se para eleger Ramalho Eanes e, apesar de uma campanha eleitoral também marcada pela morte de uma pessoa, em Évora, na sequência de uma troca de tiros entre a segurança deste candidato e uma multidão afecta à candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho, eram irreversíveis conquistas como a democracia, o pluralismo e uma sociedade aberta. As notícias sobre os autores da onda de terrorismo demoraram três meses. Pelos jornais de 7 de Agosto de 1976, o país acordou com uma novidade que, sendo forte, já pouco surpreendia naqueles tempos. Os jornais da manhã davam conta da prisão de vários elementos pertencentes a uma rede bombista e da apreensão de um verdadeiro arsenal, que ia desde espingardas e metralhadoras a granadas, cargas de TNT, dinamite, dez quilómetros de cordão lento, e por aí adiante. Eram os protagonistas daquilo que estava a tentar ser uma espécie de segundo "Verão quente" mas, desta vez, sem o maciço apoio popular que os assaltos às sedes dos partidos de esquerda e outras acções de violência tinham tido no ano anterior. Ligações perigosas com os partidos

É aqui, nos factos que ocorreram entre os finais de 1975 e o atentado à embaixada de Cuba, as mortes do padre Maximiano de Sousa e do industrial Ferreira Torres, marcos cronológicos das acções de violência pós-PREC, que se situam as zonas de maior penumbra. Na transição de Dezembro de 1975 para os primeiros meses de 1976, apesar dos esforços de mediação que estavam a ser desenvolvidos entre emissários de Pinheiro de Azevedo e o MDLP para a pacificação, parecia, de facto, haver gente em roda livre. A verdade é que, depois da independência de Angola, em 11 de Novembro, o MDLP e todas as outras organizações de extrema-direita como o ELP, e os Codeco, receberam uma boa fornada de gente habilitada em matéria de bombas. Decisivamente habilitada em matéria de bombas e nada de política. E foi também a partir desse momento da independência de Angola que nasceram algumas das ligações mais perigosas de que há memória na história contemporânea de Portugal, entre esses operacionais - alguns rapidamente caíram no domínio da pura marginalidade e de onde nunca saíram - e dirigentes de partidos políticos. Ramiro Moreira, que foi indultado por Mário Soares depois de ter vivido em Espanha e trabalhado em Madrid numa empresa pública, a Galp, desempenhou as funções de chefe da segurança pessoal de Sá Carneiro e do PPD. Vasco Montez, chefe dos Codeco, aqui sim quase só com homens que vinham de Angola onde tinham combatido na FNLA, colaborou na segurança do PS. José Esteves, Luís Ramalho (que cumpriu 11 anos de cadeia pelo homicídio de dois trabalhadores da Carris), entre outros, também dos Codeco, foram seguranças no CDS. Um deles chegou mesmo a ser "motorista pessoal" de Freitas do Amaral, conforme designação dada, mais tarde, pelo próprio ex-líder do CDS, numa carta que enviou à TVI devido a uma investigação sobre o caso de Camarate.

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