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30-11-2000
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No combate ao PCP antes do 25 de Novembro, misturava-se o combate político das forças mais moderadas com uma forte pulsão para a sua ilegalização, que era sobretudo desejada pelos sectores mais radicais da direita. Já com as águas mais calmas, após o golpe militar, mas com a posição do PCP salvaguardada dentro do campo democrático pelo Grupo dos Nove, Spínola ainda pensava em pôr em causa a legitimidade do PCP. Já em Dezembro escrevia do Rio de Janeiro uma carta a Alpoim Calvão, em que propunha a submissão do PCP a um referendo popular.

O marechal António Spínola só aceitava a legalização do PCP, em 1975 e já depois do golpe militar de 25 de Novembro, se o povo assim votasse em referendo nacional. Esta proposta de Spínola, que não chegou a ser divulgada na época, consta de uma declaração formal sobre a constituição do MDLP assinada pelo marechal e líder deste movimento em 11 de Dezembro de 1975, em Madrid, ou seja, poucos dias após o 25 de Novembro. Spínola nunca escondeu na altura do Processo Revolucionário em Curso (PREC) a sua hostilidade ao PCP e, em 1994, numa entrevista ao "Expresso", admitiu mesmo que preparava "medidas de excepção" a poucos dias da sua demissão, a 30 de Setembro de 1974. Essas medidas passavam por impedir a continuação da actividade política do MFA e "impedir as actividades conspiratórias do PC no seio das Forças Armadas, obrigando-o a abandonar a ditadura do proletariado no seu programa e a não impedir a institucionalização da democracia". No rescaldo do 25 de Novembro, porém, Spínola falava de referendo nacional. "No que toca ao Partido Comunista, face às sobejas provas que este tem dado de não respeitar as regras do jogo democrático, deverá a futura actuação daquele partido ser julgada pelo povo português, do modo que for mais pertinente, pensando-se que a via do referendo nacional seja a mais adequada." Estas são as palavras escritas de Spínola numa fase em que os dirigentes do Movimento ainda hesitavam em desarticular o movimento que durante o Verão de 1975 lançou o país numa espiral de violência anticomunista, com o apoio da Igreja, que patrocinou um outro grupo, o movimento Maria da Fonte. Nessa fase, exactamente duas semanas após o 25 de Novembro, a direita agrupada à volta do MDLP e das organizações de extrema-direita, como o Exército de Libertação de Portugal (ELP), não aceitavam as palavras do então conselheiro da revolução e membro proeminente do Grupo dos Nove Melo Antunes, que na noite de 26 de Dezembro apareceu na RTP a dizer que o papel do PCP era essencial para a construção de uma sociedade democrática em Portugal. "A participação do PCP na construção do socialismo é indispensável", afirmou Melo Antunes nessa noite perante as câmaras de televisão.

"Isso é verdade!" Alpoim Calvão, líder operacional do MDLP e braço direito de Spínola naquilo que o spinolismo tinha de ala mais à direita, confirma a intenção do marechal de submeter a legalização do PCP a um referendo nacional. "Isso é verdade!", declarou Calvão ao PÚBLICO, sublinhando que para si próprio "sempre foi uma aberração considerar o PCP como um partido democrático". Em sua opinião, os partidos democráticos "são transparentes" e quanto ao PCP, pelo contrário, "nunca se soube, nem hoje se sabe, o que se passa lá dentro". Alpoim Calvão recorda também "os trabalhos" que a referida declaração de Melo Antunes lhe causaram logo após o 25 de Novembro. "Eu conhecia o Melo Antunes, era do meu curso, andava sempre com livrinhos de política debaixo do braço, tínhamos alguns interesses culturais semelhantes, gostávamos os dois de ópera e eu sabia que ele não era comunista. Achei essa declaração uma maneira habilidosa de evitar a caça às bruxas, a caça ao comuna, que era provavelmente o que se iria seguir para compensar o que tinha acontecido antes, a seguir ao 11 de Março", declarou o antigo chefe operacional da marinha de guerra portuguesa que conduziu à invasão de Conacri. A pulsão mais impetuosa no sentido de ilegalizar o PCP era ainda dada no terreno pelo general Galvão de Melo poucos dias depois do golpe. Ícone da direita mais conservadora e nostálgica de um regresso ao passado, Galvão de Melo chegou a empunhar uma moca e gritar "Vamos lançar os comunistas ao mar!", durante um comício realizado em Rio Maior, a 8 de Dezembro. Mas a possibilidade de encostar o PCP a uma fronteira muito próxima da ilegalidade não vinha apenas do campo militar. Costa Gomes, entrevistado por Fernando Rosas na revista "História" que assinalou os 20 anos do 25 de Novembro em 1995, afirmou que Sá Carneiro "queria à viva força que se excluísse o Partido Comunista do Governo e praticamente da nação". Costa Gomes esclareceu que Sá Carneiro e o PPD que então liderava propunha a "irradiação do Partido Comunista do Governo". Mário Soares, apesar da convergência objectiva de interesses entre o PS e os sectores mais conservadores na luta contra o PCP, prefere manter a luta dos socialistas contra o partido de Álvaro Cunhal dentro do campo da legalidade. No livro "Soares, Ditadura e Revolução", de Maria João Avillez, declara: "Nunca pensámos que os comunistas devessem ser tratados com violência, mas sim vencidos - como o foram - pelos meios legais." O ex-Presidente da República atribuiu a "reacções espontâneas das massas populares" os incêndios que destruíram as sedes do PCP no Centro e Norte do país. Costa Gomes transfere, porém, para o campo militar os incitamentos maiores à ilegalização do PCP. Aponta o caso concreto de Jaime Neves, o todo-poderoso chefe do Regimento de Comandos da Amadora, que, sublinha Costa Gomes, "queria levar mais à frente essa disputa, esse contencioso". Neste contexto, o então Presidente da República atribui a maior importância à declaração de Melo Antunes. Costa Gomes vai mais longe: "O Partido Comunista, no fundo, ajudou a que a revolução pudesse ter triunfado sem sangue." Esta posição do PCP, que desmobilizou o cerco dos seus militantes a diversos quartéis na noite de 24 de Novembro, é hoje olhada como um factor decisivo para evitar a confrontação militar. De resto, o próprio Álvaro Cunhal, no seu livro "A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril", deixa interessantes pistas para leituras não inteiramente feitas até hoje sobre o 25 de Novembro. Considerando Mário Soares a direita e a extrema-direita como derrotados do golpe, por não terem conseguido o essencial dos seus objectivos, que seriam ilegalizar e reprimir pela violência, caso fosse necessário, o PCP. Cunhal contesta a tese de o 25 de Novembro ter resultado numa acção de que os comunistas saíram perdedores. A favor do seu partido, o líder histórico do PCP contabiliza a salvaguarda das liberdades e da democracia, a formação de um governo em que continuou o PCP e a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte. Deixa, neste contexto, uma surpreendente declaração: "Uma tal saída política do golpe 'contra o PCP' resultou da aliança, não negociada, não debatida, não acordada, não explicitada, mas aliança com o PCP, conjuntural e objectivamente existente, de chefes das Forças Armadas, destacados participantes na preparação do golpe e na sua execução, mas defensores da continuação das liberdades e da democracia política."

No combate ao PCP antes do 25 de Novembro, misturava-se o combate político das forças mais moderadas com uma forte pulsão para a sua ilegalização, que era sobretudo desejada pelos sectores mais radicais da direita. Já com as águas mais calmas, após o golpe militar, mas com a posição do PCP salvaguardada dentro do campo democrático pelo Grupo dos Nove, Spínola ainda pensava em pôr em causa a legitimidade do PCP. Já em Dezembro escrevia do Rio de Janeiro uma carta a Alpoim Calvão, em que propunha a submissão do PCP a um referendo popular.

O marechal António Spínola só aceitava a legalização do PCP, em 1975 e já depois do golpe militar de 25 de Novembro, se o povo assim votasse em referendo nacional. Esta proposta de Spínola, que não chegou a ser divulgada na época, consta de uma declaração formal sobre a constituição do MDLP assinada pelo marechal e líder deste movimento em 11 de Dezembro de 1975, em Madrid, ou seja, poucos dias após o 25 de Novembro. Spínola nunca escondeu na altura do Processo Revolucionário em Curso (PREC) a sua hostilidade ao PCP e, em 1994, numa entrevista ao "Expresso", admitiu mesmo que preparava "medidas de excepção" a poucos dias da sua demissão, a 30 de Setembro de 1974. Essas medidas passavam por impedir a continuação da actividade política do MFA e "impedir as actividades conspiratórias do PC no seio das Forças Armadas, obrigando-o a abandonar a ditadura do proletariado no seu programa e a não impedir a institucionalização da democracia". No rescaldo do 25 de Novembro, porém, Spínola falava de referendo nacional. "No que toca ao Partido Comunista, face às sobejas provas que este tem dado de não respeitar as regras do jogo democrático, deverá a futura actuação daquele partido ser julgada pelo povo português, do modo que for mais pertinente, pensando-se que a via do referendo nacional seja a mais adequada." Estas são as palavras escritas de Spínola numa fase em que os dirigentes do Movimento ainda hesitavam em desarticular o movimento que durante o Verão de 1975 lançou o país numa espiral de violência anticomunista, com o apoio da Igreja, que patrocinou um outro grupo, o movimento Maria da Fonte. Nessa fase, exactamente duas semanas após o 25 de Novembro, a direita agrupada à volta do MDLP e das organizações de extrema-direita, como o Exército de Libertação de Portugal (ELP), não aceitavam as palavras do então conselheiro da revolução e membro proeminente do Grupo dos Nove Melo Antunes, que na noite de 26 de Dezembro apareceu na RTP a dizer que o papel do PCP era essencial para a construção de uma sociedade democrática em Portugal. "A participação do PCP na construção do socialismo é indispensável", afirmou Melo Antunes nessa noite perante as câmaras de televisão.

"Isso é verdade!" Alpoim Calvão, líder operacional do MDLP e braço direito de Spínola naquilo que o spinolismo tinha de ala mais à direita, confirma a intenção do marechal de submeter a legalização do PCP a um referendo nacional. "Isso é verdade!", declarou Calvão ao PÚBLICO, sublinhando que para si próprio "sempre foi uma aberração considerar o PCP como um partido democrático". Em sua opinião, os partidos democráticos "são transparentes" e quanto ao PCP, pelo contrário, "nunca se soube, nem hoje se sabe, o que se passa lá dentro". Alpoim Calvão recorda também "os trabalhos" que a referida declaração de Melo Antunes lhe causaram logo após o 25 de Novembro. "Eu conhecia o Melo Antunes, era do meu curso, andava sempre com livrinhos de política debaixo do braço, tínhamos alguns interesses culturais semelhantes, gostávamos os dois de ópera e eu sabia que ele não era comunista. Achei essa declaração uma maneira habilidosa de evitar a caça às bruxas, a caça ao comuna, que era provavelmente o que se iria seguir para compensar o que tinha acontecido antes, a seguir ao 11 de Março", declarou o antigo chefe operacional da marinha de guerra portuguesa que conduziu à invasão de Conacri. A pulsão mais impetuosa no sentido de ilegalizar o PCP era ainda dada no terreno pelo general Galvão de Melo poucos dias depois do golpe. Ícone da direita mais conservadora e nostálgica de um regresso ao passado, Galvão de Melo chegou a empunhar uma moca e gritar "Vamos lançar os comunistas ao mar!", durante um comício realizado em Rio Maior, a 8 de Dezembro. Mas a possibilidade de encostar o PCP a uma fronteira muito próxima da ilegalidade não vinha apenas do campo militar. Costa Gomes, entrevistado por Fernando Rosas na revista "História" que assinalou os 20 anos do 25 de Novembro em 1995, afirmou que Sá Carneiro "queria à viva força que se excluísse o Partido Comunista do Governo e praticamente da nação". Costa Gomes esclareceu que Sá Carneiro e o PPD que então liderava propunha a "irradiação do Partido Comunista do Governo". Mário Soares, apesar da convergência objectiva de interesses entre o PS e os sectores mais conservadores na luta contra o PCP, prefere manter a luta dos socialistas contra o partido de Álvaro Cunhal dentro do campo da legalidade. No livro "Soares, Ditadura e Revolução", de Maria João Avillez, declara: "Nunca pensámos que os comunistas devessem ser tratados com violência, mas sim vencidos - como o foram - pelos meios legais." O ex-Presidente da República atribuiu a "reacções espontâneas das massas populares" os incêndios que destruíram as sedes do PCP no Centro e Norte do país. Costa Gomes transfere, porém, para o campo militar os incitamentos maiores à ilegalização do PCP. Aponta o caso concreto de Jaime Neves, o todo-poderoso chefe do Regimento de Comandos da Amadora, que, sublinha Costa Gomes, "queria levar mais à frente essa disputa, esse contencioso". Neste contexto, o então Presidente da República atribui a maior importância à declaração de Melo Antunes. Costa Gomes vai mais longe: "O Partido Comunista, no fundo, ajudou a que a revolução pudesse ter triunfado sem sangue." Esta posição do PCP, que desmobilizou o cerco dos seus militantes a diversos quartéis na noite de 24 de Novembro, é hoje olhada como um factor decisivo para evitar a confrontação militar. De resto, o próprio Álvaro Cunhal, no seu livro "A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril", deixa interessantes pistas para leituras não inteiramente feitas até hoje sobre o 25 de Novembro. Considerando Mário Soares a direita e a extrema-direita como derrotados do golpe, por não terem conseguido o essencial dos seus objectivos, que seriam ilegalizar e reprimir pela violência, caso fosse necessário, o PCP. Cunhal contesta a tese de o 25 de Novembro ter resultado numa acção de que os comunistas saíram perdedores. A favor do seu partido, o líder histórico do PCP contabiliza a salvaguarda das liberdades e da democracia, a formação de um governo em que continuou o PCP e a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte. Deixa, neste contexto, uma surpreendente declaração: "Uma tal saída política do golpe 'contra o PCP' resultou da aliança, não negociada, não debatida, não acordada, não explicitada, mas aliança com o PCP, conjuntural e objectivamente existente, de chefes das Forças Armadas, destacados participantes na preparação do golpe e na sua execução, mas defensores da continuação das liberdades e da democracia política."

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