Da Rússia... com sabor

09-07-2001
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Lomografia: um culto em Lisboa e no mundo

Da Rússia... com Sabor

Por DULCE FURTADO

Segunda, 9 de Julho de 2001

A lomografia é uma forma libertadora de tirar fotografias. É a arte dos instantâneos fotográficos, em que a Lomo - câmara de concepção russa - se torna numa espécie de terceiro olho dos lomógrafos, como assim preferem ser chamados os seus seguidores e adeptos. Lisboa viveu no passado fim-de-semana o primeiro grande evento português da Lomo, sob a forma de um concurso fotográfico, baptizado de Sampling Games, e que levará o vencedor à grande "congregação" mundial da Lomo deste ano.

Compacta, robusta e preta: esta é a impressão inicial com que se fica ao ter nas mãos, pela primeira vez, a câmara Lomo Kompact Automat, um pequeno milagre de concepção e fabrico russo que gerou um culto de proporções internacionais em apenas dez anos. "É pequenina. Maneirinha, não é? E bonita. Vamos lá ver o que é que é capaz de fazer...", lançava Mário Sousa, 28 anos e fotógrafo de profissão, ao segurar uma câmara Lomo, pronto para começar a sua participação nos primeiros Sampling Games da Lomo em Lisboa (uma das 40 etapas "regionais" que vão apurar candidatos em todo o mundo para representarem os seus países nos Jogos Mundiais da Lomo 2001, que se realizarão em Outubro próximo, muito provavelmente em Belgrado).

A proposta foi a de fotografar a capital portuguesa - segundo critérios de um "mapa" delineado de A a Z - em cerca de dois dias, como se se tratasse de uma comum maratona fotográfica, mas com a particularidade de ter as câmaras saídas do génio e imaginação russa como protagonistas. Uma pergunta se impõe, e desde já: afinal qual é a diferença entre esta câmara e qualquer outra? Qualquer iniciado manifesta o cepticismo natural, mas isso acontece tão só até se ver as estranhas e simultaneamente fantásticas imagens que uma câmara Lomo é capaz de fazer. Não são necessários quaisquer conhecimentos técnicos, e a grande maravilha que estas máquinas encerram é a capacidade de fazer com que as fotografias tiradas por qualquer um de nós tenham qualquer coisa de artístico, o que muito provavelmente explica o estatuto de culto que a Lomo ganhou por esse mundo fora entre todos quantos sentem em si o "desafio da criatividade".

Graças às bem conhecidas extravagâncias da tecnologia russa pelos tempos da Guerra Fria, de que a Lomo é prova-viva, as cores são distorcidas e a luz é como que deformada, criando efeitos estranhos que fazem com que as imagens ganhem um aspecto hiper-real, com uma amplitude muito mais tridimensional do que acontece com as fotografias comuns. E a parte melhor (ou pior, dependendo do crédito que se dê à técnica) é que quase que não se consegue controlar a máquina nem mesmo prever o que acontece cada vez que se tira uma fotografia. "A Lomo tem tantas coisas boas... e é um objecto tão bonito. É aquela câmara de bolso que apetece ter. Os sons que faz... o cheiro que tem... até apetece comer", elogia Ana de Almeida, 29 anos, fotógrafa de formação (no Instituto Português de Fotografia e, depois, em Londres, num curso de três anos) e uma das duas co-fundadoras da Embaixada da Lomo em Lisboa que, em colaboração com a Sociedade Lomográfica Internacional, organizou os Sampling Games na capital portuguesa.

A vida fê-la cruzar-se com a Lomo inesperadamente. "Já tinha ouvido falar dela, mas a primeira vez que vi uma foi durante a minha estadia em Londres, numa feira de fotografia, aí por 1996". "Comprámos logo cada uma a sua...", junta de imediato Sónia Galiza Ferreira, a outra co-fundadora da LomoLisbon, também ela fotógrafa (andara antes pelo Ar.Co), também ela a viver e a estudar fotografia em Londres por aquela altura, "... e lá fomos felizes e contentes, com as nossas Lomo".

Mas mesmo tudo o que já tinham descoberto sobre a pequena máquina russa - amigos e outros fotógrafos em Londres eram adeptos confessos da Lomo - não as havia preparado para o que viria a seguir. "Muito sinceramente, aí os dois primeiros rolos foi mesmo só para ver como aquilo funcionava, só para experimentar, não me saiu quase nada de jeito", refere a "embaixadora" Sónia. Depois, não muito depois, "ao terceiro ou quarto rolo já se começa a ter resultados", já estava conquistada. "Com as outras câmaras... enfim, é todo aquele material que é preciso carregar, e medir a luz, e focar e tudo isso. Aquelas fotos espontâneas que a Lomo tira, com uma câmara normal é preciso fazer tanta coisa que as imagens deixam de ser espontâneas", explica Sónia Galiza Ferreira.

O enorme fenómeno lomográfico começou numa manhã soalheira de Inverno de 1982, antes ainda do fim da Guerra Fria, antes do derrube do Muro, nos tempos em que ainda havia União Soviética. O general Igor Petrowitsch Kornitzky, um adepto fanático da fotografia e número dois do Ministério que tutelava a defesa e a indústria da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), espetou com uma pequena e robusta câmara fotográfica japonesa, com lentes de vidro e extrema sensibilidade à luz, na secretária do seu camarada Michail Panfilowitsch Panfiloff, o director da então poderosíssima Lomo (diminutivo carinhoso do complicadíssimo nome da fábrica, Leningrádskoje Optiko Mechanitschéskoje Objedinénie, que significa qualquer coisa como União Óptica e Mecânica de Leningrado), a qual fabricava cerca de 90 por cento de todos os produtos ópticos usados nos programas militar e espacial da nação. As ordens dadas pelo general foram claras: refinar o design daquela máquina, dotá-la de lentes de vidro feitas com a areia do Báltico (as reputadíssimas lentes inventadas pelo Professor Radionov), e produzi-la em tal quantidade que fosse possível a todo e cada um dos cidadãos soviéticos possuir uma. A Lomo teria que ser uma espécie de "volkswagen" das câmaras fotográficas: robusta, funcional e barata. A produção começa em 1984 e milhões de câmaras foram imediatamente vendidas. Assim, os sovietes, mas também os camaradas socialistas do Vietname, de Cuba e da Alemanha de Leste, dispararam alegremente ao longo dos anos 80, documentando os últimos fôlegos do comunismo pelo mundo fora.

A ocidente o mundo da fotografia amadora mal dava sinais de si, enquanto a Nikon e a Canon tinham todo e qualquer aspirante a paparazzo firmemente debaixo da asa dos seus enfadonhos engenhos que combinavam o autofocus com lentes de plástico.

Até aqui parece que a Lomo estava destinada ao fracasso. Entra-se nos anos 90 e, com efeito, a produção das câmaras na fábrica de São Petersburgo tinha já sido parada ou pelo menos racionada. Façamos então uma rápida mudança de cena, avançado até Praga, onde a lomografia ganha forma em 1991 graças a três estudantes vieneses de férias na capital da recém-fundada democracia checa. É aí, numa velha loja de fotografia, que se cruzam com as máquinas Lomo Kompact Automat, e descobrem não só as qualidades técnicas da câmara como a sua surpreendente funcionalidade (narra a história que tal é conseguido também com a ajuda de "três garrafas de excelente vodka"). As férias são feitas a fotografar sem grandes preocupações, "por cima da cabeça, por entre as pernas, à altura da cintura, muitas vezes sem sequer olhar pelo visor, de todos os ângulos e de qualquer ângulo possível e impossível de imaginar". O resultado é surpreendente: imagens, focadas ou desfocadas, plenas de vida e espontaneidade, com cores e perspectivas absolutamente únicas. De regresso a casa, as novas máquinas dos jovens vieneses são cobiçadas por todos os seus amigos.

É neste momento do enredo que nasce a Sociedade Lomográfica Internacional, fundada ainda nesse mesmo ano em Viena d''Áustria, com o objectivo e missão de pôr em marcha um novo movimento na fotografia criativa. A lomografia conceptualiza-se então como a arte de documentar experimentalmente o mundo através de milhões e milhões de imagens instantâneas tiradas por lomógrafos espalhados pelos quatro cantos do planeta. Daí e até então a pequena máquina russa gerou um fortíssimo culto de expressão internacional (ao qual vulgarmente se chama lomografia), com mais de 70 embaixadas espalhadas pelo mundo inteiro e cerca de 300 mil membros agregados na Sociedade Lomográfica Internacional.

O sucesso foi tal que, em finais de 1999, a produção Lomo se diversificava. Debutava no mercado a Action Sampler, prima da Lomo clássica, mas uma prima que abandonava definitivamente o ar retro da câmara original, enchendo-se de cores e transparências e um ar muito arte-pop. E uma novidade mais: vinha dotada de quatro pequeníssimas lentes, dispostas como na face de quatro pintas de um dado, que abrem com intervalos diferenciais de quartos de segundo entre si, permitindo obter-se quatro imagens distintas num único fotograma. A Lomo mostrava-se agora capaz de quebrar o ritmo da vida, desdobrando-se num autêntico estudo sobre o tempo e o movimento, imobilizando eternamente cada um dos segundos do tempo. E reiterá-lo-ía uma vez mais, já este ano, há pouco mais de um mês, com o lançamento da novíssima SuperSampler (mais uma vez quatro lentes, mas estas dispostas numa linha vertical) que, à semelhança do produto anterior, era já também "made in China", muito embora o seu design e concepção mecânica terem origem também na fábrica mãe da Lomo, em São Petersburgo.

Visivelmente menos robustas - parecem feitas de plástico - tanto a Action Sampler como a SuperSampler oferecem alguns limites: sem diafragmas nem velocidades, necessitam de muita luz e é quase impossível conseguir algo delas se as fotografias forem tiradas à noite. Mas, oferecem algo a mais que a Lomo clássica, a Kompact Automat, não consegue dar: fotografias compostas com quatro imagens sequenciais em cada fotograma, explorando até ao máximo possível as capacidades de animação da fotografia. A isto soma-se ainda o facto de serem substancialmente mais baratas que a Lomo clássica que ronda os 25 contos. A Action Sampler custa à volta dos oito contos e a SuperSampler pouco mais de dez.

Todas elas, porém, obedecem ao mesmo espírito de apreciar os ângulos estranhos e tornar as coisas banais do dia-a-dia em arte. A Lomo é como a lata da sopa de Andy Warhol: pega em algo que nos habituámos a ver todos os dias e faz-nos olhá-lo de uma forma diferente. Divertida, bem disposta, cheia de humor... e é por isso, com certeza, que os lomógrafos levam a sua câmara muito a sério.

Lomografia: um culto em Lisboa e no mundo

Da Rússia... com Sabor

Por DULCE FURTADO

Segunda, 9 de Julho de 2001

A lomografia é uma forma libertadora de tirar fotografias. É a arte dos instantâneos fotográficos, em que a Lomo - câmara de concepção russa - se torna numa espécie de terceiro olho dos lomógrafos, como assim preferem ser chamados os seus seguidores e adeptos. Lisboa viveu no passado fim-de-semana o primeiro grande evento português da Lomo, sob a forma de um concurso fotográfico, baptizado de Sampling Games, e que levará o vencedor à grande "congregação" mundial da Lomo deste ano.

Compacta, robusta e preta: esta é a impressão inicial com que se fica ao ter nas mãos, pela primeira vez, a câmara Lomo Kompact Automat, um pequeno milagre de concepção e fabrico russo que gerou um culto de proporções internacionais em apenas dez anos. "É pequenina. Maneirinha, não é? E bonita. Vamos lá ver o que é que é capaz de fazer...", lançava Mário Sousa, 28 anos e fotógrafo de profissão, ao segurar uma câmara Lomo, pronto para começar a sua participação nos primeiros Sampling Games da Lomo em Lisboa (uma das 40 etapas "regionais" que vão apurar candidatos em todo o mundo para representarem os seus países nos Jogos Mundiais da Lomo 2001, que se realizarão em Outubro próximo, muito provavelmente em Belgrado).

A proposta foi a de fotografar a capital portuguesa - segundo critérios de um "mapa" delineado de A a Z - em cerca de dois dias, como se se tratasse de uma comum maratona fotográfica, mas com a particularidade de ter as câmaras saídas do génio e imaginação russa como protagonistas. Uma pergunta se impõe, e desde já: afinal qual é a diferença entre esta câmara e qualquer outra? Qualquer iniciado manifesta o cepticismo natural, mas isso acontece tão só até se ver as estranhas e simultaneamente fantásticas imagens que uma câmara Lomo é capaz de fazer. Não são necessários quaisquer conhecimentos técnicos, e a grande maravilha que estas máquinas encerram é a capacidade de fazer com que as fotografias tiradas por qualquer um de nós tenham qualquer coisa de artístico, o que muito provavelmente explica o estatuto de culto que a Lomo ganhou por esse mundo fora entre todos quantos sentem em si o "desafio da criatividade".

Graças às bem conhecidas extravagâncias da tecnologia russa pelos tempos da Guerra Fria, de que a Lomo é prova-viva, as cores são distorcidas e a luz é como que deformada, criando efeitos estranhos que fazem com que as imagens ganhem um aspecto hiper-real, com uma amplitude muito mais tridimensional do que acontece com as fotografias comuns. E a parte melhor (ou pior, dependendo do crédito que se dê à técnica) é que quase que não se consegue controlar a máquina nem mesmo prever o que acontece cada vez que se tira uma fotografia. "A Lomo tem tantas coisas boas... e é um objecto tão bonito. É aquela câmara de bolso que apetece ter. Os sons que faz... o cheiro que tem... até apetece comer", elogia Ana de Almeida, 29 anos, fotógrafa de formação (no Instituto Português de Fotografia e, depois, em Londres, num curso de três anos) e uma das duas co-fundadoras da Embaixada da Lomo em Lisboa que, em colaboração com a Sociedade Lomográfica Internacional, organizou os Sampling Games na capital portuguesa.

A vida fê-la cruzar-se com a Lomo inesperadamente. "Já tinha ouvido falar dela, mas a primeira vez que vi uma foi durante a minha estadia em Londres, numa feira de fotografia, aí por 1996". "Comprámos logo cada uma a sua...", junta de imediato Sónia Galiza Ferreira, a outra co-fundadora da LomoLisbon, também ela fotógrafa (andara antes pelo Ar.Co), também ela a viver e a estudar fotografia em Londres por aquela altura, "... e lá fomos felizes e contentes, com as nossas Lomo".

Mas mesmo tudo o que já tinham descoberto sobre a pequena máquina russa - amigos e outros fotógrafos em Londres eram adeptos confessos da Lomo - não as havia preparado para o que viria a seguir. "Muito sinceramente, aí os dois primeiros rolos foi mesmo só para ver como aquilo funcionava, só para experimentar, não me saiu quase nada de jeito", refere a "embaixadora" Sónia. Depois, não muito depois, "ao terceiro ou quarto rolo já se começa a ter resultados", já estava conquistada. "Com as outras câmaras... enfim, é todo aquele material que é preciso carregar, e medir a luz, e focar e tudo isso. Aquelas fotos espontâneas que a Lomo tira, com uma câmara normal é preciso fazer tanta coisa que as imagens deixam de ser espontâneas", explica Sónia Galiza Ferreira.

O enorme fenómeno lomográfico começou numa manhã soalheira de Inverno de 1982, antes ainda do fim da Guerra Fria, antes do derrube do Muro, nos tempos em que ainda havia União Soviética. O general Igor Petrowitsch Kornitzky, um adepto fanático da fotografia e número dois do Ministério que tutelava a defesa e a indústria da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), espetou com uma pequena e robusta câmara fotográfica japonesa, com lentes de vidro e extrema sensibilidade à luz, na secretária do seu camarada Michail Panfilowitsch Panfiloff, o director da então poderosíssima Lomo (diminutivo carinhoso do complicadíssimo nome da fábrica, Leningrádskoje Optiko Mechanitschéskoje Objedinénie, que significa qualquer coisa como União Óptica e Mecânica de Leningrado), a qual fabricava cerca de 90 por cento de todos os produtos ópticos usados nos programas militar e espacial da nação. As ordens dadas pelo general foram claras: refinar o design daquela máquina, dotá-la de lentes de vidro feitas com a areia do Báltico (as reputadíssimas lentes inventadas pelo Professor Radionov), e produzi-la em tal quantidade que fosse possível a todo e cada um dos cidadãos soviéticos possuir uma. A Lomo teria que ser uma espécie de "volkswagen" das câmaras fotográficas: robusta, funcional e barata. A produção começa em 1984 e milhões de câmaras foram imediatamente vendidas. Assim, os sovietes, mas também os camaradas socialistas do Vietname, de Cuba e da Alemanha de Leste, dispararam alegremente ao longo dos anos 80, documentando os últimos fôlegos do comunismo pelo mundo fora.

A ocidente o mundo da fotografia amadora mal dava sinais de si, enquanto a Nikon e a Canon tinham todo e qualquer aspirante a paparazzo firmemente debaixo da asa dos seus enfadonhos engenhos que combinavam o autofocus com lentes de plástico.

Até aqui parece que a Lomo estava destinada ao fracasso. Entra-se nos anos 90 e, com efeito, a produção das câmaras na fábrica de São Petersburgo tinha já sido parada ou pelo menos racionada. Façamos então uma rápida mudança de cena, avançado até Praga, onde a lomografia ganha forma em 1991 graças a três estudantes vieneses de férias na capital da recém-fundada democracia checa. É aí, numa velha loja de fotografia, que se cruzam com as máquinas Lomo Kompact Automat, e descobrem não só as qualidades técnicas da câmara como a sua surpreendente funcionalidade (narra a história que tal é conseguido também com a ajuda de "três garrafas de excelente vodka"). As férias são feitas a fotografar sem grandes preocupações, "por cima da cabeça, por entre as pernas, à altura da cintura, muitas vezes sem sequer olhar pelo visor, de todos os ângulos e de qualquer ângulo possível e impossível de imaginar". O resultado é surpreendente: imagens, focadas ou desfocadas, plenas de vida e espontaneidade, com cores e perspectivas absolutamente únicas. De regresso a casa, as novas máquinas dos jovens vieneses são cobiçadas por todos os seus amigos.

É neste momento do enredo que nasce a Sociedade Lomográfica Internacional, fundada ainda nesse mesmo ano em Viena d''Áustria, com o objectivo e missão de pôr em marcha um novo movimento na fotografia criativa. A lomografia conceptualiza-se então como a arte de documentar experimentalmente o mundo através de milhões e milhões de imagens instantâneas tiradas por lomógrafos espalhados pelos quatro cantos do planeta. Daí e até então a pequena máquina russa gerou um fortíssimo culto de expressão internacional (ao qual vulgarmente se chama lomografia), com mais de 70 embaixadas espalhadas pelo mundo inteiro e cerca de 300 mil membros agregados na Sociedade Lomográfica Internacional.

O sucesso foi tal que, em finais de 1999, a produção Lomo se diversificava. Debutava no mercado a Action Sampler, prima da Lomo clássica, mas uma prima que abandonava definitivamente o ar retro da câmara original, enchendo-se de cores e transparências e um ar muito arte-pop. E uma novidade mais: vinha dotada de quatro pequeníssimas lentes, dispostas como na face de quatro pintas de um dado, que abrem com intervalos diferenciais de quartos de segundo entre si, permitindo obter-se quatro imagens distintas num único fotograma. A Lomo mostrava-se agora capaz de quebrar o ritmo da vida, desdobrando-se num autêntico estudo sobre o tempo e o movimento, imobilizando eternamente cada um dos segundos do tempo. E reiterá-lo-ía uma vez mais, já este ano, há pouco mais de um mês, com o lançamento da novíssima SuperSampler (mais uma vez quatro lentes, mas estas dispostas numa linha vertical) que, à semelhança do produto anterior, era já também "made in China", muito embora o seu design e concepção mecânica terem origem também na fábrica mãe da Lomo, em São Petersburgo.

Visivelmente menos robustas - parecem feitas de plástico - tanto a Action Sampler como a SuperSampler oferecem alguns limites: sem diafragmas nem velocidades, necessitam de muita luz e é quase impossível conseguir algo delas se as fotografias forem tiradas à noite. Mas, oferecem algo a mais que a Lomo clássica, a Kompact Automat, não consegue dar: fotografias compostas com quatro imagens sequenciais em cada fotograma, explorando até ao máximo possível as capacidades de animação da fotografia. A isto soma-se ainda o facto de serem substancialmente mais baratas que a Lomo clássica que ronda os 25 contos. A Action Sampler custa à volta dos oito contos e a SuperSampler pouco mais de dez.

Todas elas, porém, obedecem ao mesmo espírito de apreciar os ângulos estranhos e tornar as coisas banais do dia-a-dia em arte. A Lomo é como a lata da sopa de Andy Warhol: pega em algo que nos habituámos a ver todos os dias e faz-nos olhá-lo de uma forma diferente. Divertida, bem disposta, cheia de humor... e é por isso, com certeza, que os lomógrafos levam a sua câmara muito a sério.

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