EXPRESSO: Vidas

22-02-2002
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PESSOAS

Eleições

O presidente gay

O mais sério candidato à Câmara de Paris é um homossexual assumido

Texto de Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

O candidato conseguiu aquilo em que ninguém acreditava e lidera as sondagens

Os homossexuais da rua Vieille du Temple, no bairro do Marais, no centro de Paris, são os parisienses que andam mais felizes. As sondagens anunciam a vitória do socialista Bertrand Delanoe nas próximas eleições «municipais» de 11 e 18 de Março, e todo este animado quarteirão cuja vida nocturna é completamente dominada pelos homossexuais está em efervescência., declarou o dono de um bar a uma rádio parisiense.

A alegria dos homossexuais tem razão de ser. Bertrand Delanoe é um homossexual assumido e isso não o impede de estar à frente nas sondagens. Em França, o debate em torno da homossexualidade do cabeça-de-lista socialista à Câmara de Paris tem sido mais que discreto, praticamente invisível. No fundo, ninguém tem ousado avançar com o debate, sob pena de o feitiço se virar contra o feiticeiro. Em França, os homossexuais estão hoje em posição dominante em diversos sectores da sociedade - eles controlam designadamente grande parte da noite parisiense - e mesmo entre os políticos, os que o são têm-no assumido publicamente nos últimos anos. Uma eventual polémica sobre a sexualidade de Bertrand Delanoe poderia ser vista como um combate do passado e quem o criticasse poderia ser acusado de fundamentalista.

Depois de vários anos passados na sombra de políticos de maior nomeada e na direcção de empresas, o que lhe valeu a reputação de ser um indeciso com poucas ambições, Bertrand Delanoe vê, hoje, o futuro pintado de cor-de-rosa. E, salvo surpresas de última hora - sempre possíveis sobretudo se os muito divididos candidatos da direita conseguirem uma aliança entre a primeira e a segunda voltas - ele pode vir a criar o acontecimento no próximo dia 18.

Revelação em directo

Seria de facto relevante que um político homossexual fosse eleito para a presidência de uma das principais câmaras europeias, sobretudo depois de ter tido a coragem de revelar a sua sexualidade antes do início de uma importante campanha eleitoral. Fê-lo em directo numa emissão na televisão, e foi uma surpresa tê-lo anunciado desse modo apesar de já não ser segredo para ninguém nos mundos da política e do jornalismo - nem no Marais, um bairro que ele frequenta e onde deverá ter uma votação elevadíssima, apesar de não ser «um homo militante», como o são muitos dos que frequentam o bairro. A sua vitória seria um sinal dos tempos neste início do século XXI, impossível de acontecer há apenas alguns anos.

Delanoe tem 50 anos de idade, e é aquilo a que os franceses chamam «um afectivo». Gosta de ouvir os belos textos das grandes canções francesas - sobretudo quando interpretados pela já falecida Barbara - e parece que se comove com facilidade. Considera-se «um homem livre». E é-o, de facto, sobretudo na vida pessoal e um pouco menos na política, onde esteve quase sempre às ordens do ex-presidente já falecido, François Mitterrand, e do actual primeiro-ministro, Lionel Jospin.

No passado, deixou-se apagar demasiadas vezes atrás dos grandes nomes do PS, mas desta vez decidiu avançar. Quando abriram as candidaturas dentro do partido, contestou os indigitados pela direcção partidária e disse frontalmente que não desistia. Enfrentou o sarcasmo de alguns que nunca acreditaram que ele conseguisse levar a melhor a nomes como os de Dominique Strauss-Khan (ex-superministro da Economia e das Finanças) ou de Jack Lang (ex-ministro da Cultura e actual ministro da Educação).

Batalhou e venceu. Apesar disso, ninguém imaginava que ele conseguisse chegar a «ameaçar» conquistar Paris para os socialistas. A própria direcção partidária não acreditava nele e apoiava-o sem convicção. O seu nome não era conhecido do grande público, mas uma campanha eficaz que privilegiou o porta a porta, uma postura de humildade e as divisões da direita colocaram-no à frente nas sondagens.

Bertrand Delanoe nasceu na Tunísia, onde viveu até aos 14 anos. Ainda possui hoje uma casa em Bizerte, a terra onde nasceu e vai regularmente. Ao revelar a homossexualidade aos franceses fê-lo como um jogador de «poker» quando este decide apostar no escuro. Alguns amigos aconselharam-no a não o fazer. Diziam que era «um suicídio». Acreditou que evitaria que os seus adversários se servissem dessa realidade contra ele. Ganhou a aposta.

«A minha maior satisfação é que meses depois de o ter dito toda a gente se está nas tintas para isso», afirma Delanoe. Se conquistar a Câmara de Paris conseguirá um feito enorme e fará a direita perder o seu principal bastião, aquele que serviu de trampolim a Jacques Chirac para chegar à presidência da República francesa.

PESSOAS

Eleições

O presidente gay

O mais sério candidato à Câmara de Paris é um homossexual assumido

Texto de Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

O candidato conseguiu aquilo em que ninguém acreditava e lidera as sondagens

Os homossexuais da rua Vieille du Temple, no bairro do Marais, no centro de Paris, são os parisienses que andam mais felizes. As sondagens anunciam a vitória do socialista Bertrand Delanoe nas próximas eleições «municipais» de 11 e 18 de Março, e todo este animado quarteirão cuja vida nocturna é completamente dominada pelos homossexuais está em efervescência., declarou o dono de um bar a uma rádio parisiense.

A alegria dos homossexuais tem razão de ser. Bertrand Delanoe é um homossexual assumido e isso não o impede de estar à frente nas sondagens. Em França, o debate em torno da homossexualidade do cabeça-de-lista socialista à Câmara de Paris tem sido mais que discreto, praticamente invisível. No fundo, ninguém tem ousado avançar com o debate, sob pena de o feitiço se virar contra o feiticeiro. Em França, os homossexuais estão hoje em posição dominante em diversos sectores da sociedade - eles controlam designadamente grande parte da noite parisiense - e mesmo entre os políticos, os que o são têm-no assumido publicamente nos últimos anos. Uma eventual polémica sobre a sexualidade de Bertrand Delanoe poderia ser vista como um combate do passado e quem o criticasse poderia ser acusado de fundamentalista.

Depois de vários anos passados na sombra de políticos de maior nomeada e na direcção de empresas, o que lhe valeu a reputação de ser um indeciso com poucas ambições, Bertrand Delanoe vê, hoje, o futuro pintado de cor-de-rosa. E, salvo surpresas de última hora - sempre possíveis sobretudo se os muito divididos candidatos da direita conseguirem uma aliança entre a primeira e a segunda voltas - ele pode vir a criar o acontecimento no próximo dia 18.

Revelação em directo

Seria de facto relevante que um político homossexual fosse eleito para a presidência de uma das principais câmaras europeias, sobretudo depois de ter tido a coragem de revelar a sua sexualidade antes do início de uma importante campanha eleitoral. Fê-lo em directo numa emissão na televisão, e foi uma surpresa tê-lo anunciado desse modo apesar de já não ser segredo para ninguém nos mundos da política e do jornalismo - nem no Marais, um bairro que ele frequenta e onde deverá ter uma votação elevadíssima, apesar de não ser «um homo militante», como o são muitos dos que frequentam o bairro. A sua vitória seria um sinal dos tempos neste início do século XXI, impossível de acontecer há apenas alguns anos.

Delanoe tem 50 anos de idade, e é aquilo a que os franceses chamam «um afectivo». Gosta de ouvir os belos textos das grandes canções francesas - sobretudo quando interpretados pela já falecida Barbara - e parece que se comove com facilidade. Considera-se «um homem livre». E é-o, de facto, sobretudo na vida pessoal e um pouco menos na política, onde esteve quase sempre às ordens do ex-presidente já falecido, François Mitterrand, e do actual primeiro-ministro, Lionel Jospin.

No passado, deixou-se apagar demasiadas vezes atrás dos grandes nomes do PS, mas desta vez decidiu avançar. Quando abriram as candidaturas dentro do partido, contestou os indigitados pela direcção partidária e disse frontalmente que não desistia. Enfrentou o sarcasmo de alguns que nunca acreditaram que ele conseguisse levar a melhor a nomes como os de Dominique Strauss-Khan (ex-superministro da Economia e das Finanças) ou de Jack Lang (ex-ministro da Cultura e actual ministro da Educação).

Batalhou e venceu. Apesar disso, ninguém imaginava que ele conseguisse chegar a «ameaçar» conquistar Paris para os socialistas. A própria direcção partidária não acreditava nele e apoiava-o sem convicção. O seu nome não era conhecido do grande público, mas uma campanha eficaz que privilegiou o porta a porta, uma postura de humildade e as divisões da direita colocaram-no à frente nas sondagens.

Bertrand Delanoe nasceu na Tunísia, onde viveu até aos 14 anos. Ainda possui hoje uma casa em Bizerte, a terra onde nasceu e vai regularmente. Ao revelar a homossexualidade aos franceses fê-lo como um jogador de «poker» quando este decide apostar no escuro. Alguns amigos aconselharam-no a não o fazer. Diziam que era «um suicídio». Acreditou que evitaria que os seus adversários se servissem dessa realidade contra ele. Ganhou a aposta.

«A minha maior satisfação é que meses depois de o ter dito toda a gente se está nas tintas para isso», afirma Delanoe. Se conquistar a Câmara de Paris conseguirá um feito enorme e fará a direita perder o seu principal bastião, aquele que serviu de trampolim a Jacques Chirac para chegar à presidência da República francesa.

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