O pluralismo controlado e outras mensagens escritas

20-11-2000
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O Pluralismo Controlado e Outras Mensagens Escritas

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 20 de Novembro de 2000 1. Durante os últimos anos, houve inúmeras suspeitas, ditas e escritas, sobre o sistema de audimetria. Quem levantou as suspeitas nunca as provou. Agora que a TVI aparece em primeiro lugar em "prime time", porque não aparecem as mesmas suspeitas? 2. As leis da televisão começam a estar obsoletas em muitas partes do mundo. Hoje, quem quiser faz um canal de TV legal e acessível em todo o mundo - e não me refiro a câmarazinhas idiotas na sala e no quarto, com tanto êxito na Internet. Falo de verdadeiros canais de TV na Internet. Porque raio não hão-de aparecer programas novos, criativos, comerciais, de serviço público, populares ou elitistas, de música ou de conversa, de ficção ou de notícias - através da Internet? Quem os impedirá? Será preciso legislação? Espero que não. Estou certo que não faltará muito para aparecerem os primeiros canais de TV só na net (melhor: canais de netvisão). 3. O Governo pondera a compra da TVI à MediaCapital através da PT, de que detém a "golden share" que lhe permite tomar decisões estratégicas - e nomear administradores, gestores, etc. A compra é provável porque a PT quer comprar "conteúdos", seguindo o percurso da Telefónica e de outras empresas de telecomunicações, e porque a Media Capital há-de querer vender, dado que o seu negócio tem sido o de valorizar empresas em más condições vendendo-as depois de as recuperar, o que é bom para as partes envolvidas. Na hipótese da privatização da RTP1 em caso de governo PSD, o PS quer garantir desde já a influência num canal privado, a TVI, tal como acha que há hegemonia do PSD sobre a SIC. 4. A concretizar-se, a compra da TVI pela PT tem aspectos graves. 5. Primeiro, prefigura um monopólio dos media por uma única entidade, a PT, e logo por acaso dependente do Governo; regressamos ao início dos anos 80, quando o Governo tinha na mão o grosso dos media nacionais; este monopólio seria impossível noutros países da Comunidade Europeia, mas a gente vive num país em que a legalidade em vigor é a legalidade de quem manda, não a da lei. A Alta Autoridade alertou, por unanimidade, para o monopólio quando da compra da totalidade da Lusomundo pela PT mas, como disse noutro artigo, a Alta Autoridade não tem autoridade. 6. Segundo, ao controlar a TVI, o Governo passaria a controlar, mesmo que indirectamente, três das quatro estações de TV nacionais terrestres. Trata-se de um novo tipo de hegemonia em democracia, existente noutras paragens (no Terceiro Mundo, na Madeira, pró-PSD, e nos Açores, pró-PS). Trata-se do que se pode chamar "pluralismo controlado". Engloba: o controle de estações de TV de grande audiência; o controle das rádios que fazem "agenda-setting" (a TSF e a Antena 1); a anestesia de órgãos de informação através da infusão de doses massivas de publicidade dos departamentos do Estado ou das grandes empresas controladas pelo governo (EDP, PT, etc); plantação de jornalistas amigos do Governo nas redacções nas áreas políticas e económicas, nomeadamente antigos assessores do governo que regressam às redacções para trabalharem nas áreas em que estiveram ao serviço de ministros (ex-assessores de Pina Moura a cobrir a votação do Orçamento de Estado para a TVI e para a TSF, ex-assessor de Jorge Coelho na TSF); compra de grupo com grande influência nos media (DN, JN, TSF, Açoriano Oriental, etc). Antes da compra de todo o capital da Lusomundo, a PT já tinha nomeado três administradores, todos ligados ao PS. 7. A compra da TVI pela PT, isto é, por intervenção do Governo, esvazia por completo, todo o discurso de "Estado" sobre a RTP e sobre o serviço público. O Governo comporta-se como qualquer outro agente no mercado e no marketing: quer a TV que lhe dê mais visibilidade. O governo precisa de vender a sua imagem e os seus produtos, como qualquer fabricante de salsichas. O Jornal Nacional da TVI tem passado à frente do Telejornal em audiência, pelo que é mais eficaz para vender o Governo. Mas, melhor do que trocar a RTP pela TVI, é a solução que se prepara: o Governo fica com as duas! Afonso Costa mandava destruir os jornais da oposição; o nosso governo tenta comprar todos: pluralismo controlado. 8. O efeito Big Brother nas audiências tem sido o que se esperava: o primeiro quase todas os dias para o programa, para a TVI no "prime time", grande subida no "share" diário, chegando por vezes ao topo. A SIC tem sido muito atingida, mas a vítima - mortal? - da subida da TVI não é a SIC, é a RTP1, que passa para terceiro lugar e já quase desce para os 20 por cento de share. Toda a gente sabe a RTP1 não poderá recuperar uma audiência importante e recolocar-se no segundo lugar das audiências. É por isso que o Governo espreita pela compra da TVI pela porta travessa da PT, e é por isso que as chefias da RTP entraram em pânico. 9. Razões para o pânico: quebra de audiências e, logo, de receitas publicitárias, as únicas que alimentam o dia-a-dia da empresa; preocupação com a hipocrisia do Governo Guterres, que promete serviço público melhor há seis anos e nada fez que tivesse efeitos práticos positivos; preocupação com o abandono em que a deixa o Governo quando se volta para a TVI e quando não cumpre o pagamento das indemnizações compensatórias; preocupação com o facto de a banca já virar as costas a novos empréstimos, quer dizer, já não considera a empresa (do Estado!) digna de crédito; pânico, finalmente, porque nem mesmo com um ex-governante à frente da RTP o Governo toma medidas que recuperem a empresa. Depois do fiasco da Portugal Global, o governo prefere o pântano. As águas paradas só são boas para as sanguessugas. 10. Abandonada pelo Governo, pelas elites e pelo público, a RTP sente-se um animal cercado no meio da selva e tenta a fuga para a frente, reunindo numa só manhã fria de Novembro o trio Odemira do pimba audiovisual português: João Baião, símbolo cimeiro do pimba musical e audiovisual, Teresa Guilherme, a rainha do descaramento pimba, e Filipe La Féria, o rei do pimba de palco e dos "flops" financeiros. Aquilo parecia a pequena loja dos horrores. Não há explicação racional: à beira da morte, o animal ferido faz das tripas coração para sobreviver, arfando sem forças na toca escura da selva. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Um retrato das notícias

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Segunda-feira, 20 de Novembro de 2000 1. Durante os últimos anos, houve inúmeras suspeitas, ditas e escritas, sobre o sistema de audimetria. Quem levantou as suspeitas nunca as provou. Agora que a TVI aparece em primeiro lugar em "prime time", porque não aparecem as mesmas suspeitas? 2. As leis da televisão começam a estar obsoletas em muitas partes do mundo. Hoje, quem quiser faz um canal de TV legal e acessível em todo o mundo - e não me refiro a câmarazinhas idiotas na sala e no quarto, com tanto êxito na Internet. Falo de verdadeiros canais de TV na Internet. Porque raio não hão-de aparecer programas novos, criativos, comerciais, de serviço público, populares ou elitistas, de música ou de conversa, de ficção ou de notícias - através da Internet? Quem os impedirá? Será preciso legislação? Espero que não. Estou certo que não faltará muito para aparecerem os primeiros canais de TV só na net (melhor: canais de netvisão). 3. O Governo pondera a compra da TVI à MediaCapital através da PT, de que detém a "golden share" que lhe permite tomar decisões estratégicas - e nomear administradores, gestores, etc. A compra é provável porque a PT quer comprar "conteúdos", seguindo o percurso da Telefónica e de outras empresas de telecomunicações, e porque a Media Capital há-de querer vender, dado que o seu negócio tem sido o de valorizar empresas em más condições vendendo-as depois de as recuperar, o que é bom para as partes envolvidas. Na hipótese da privatização da RTP1 em caso de governo PSD, o PS quer garantir desde já a influência num canal privado, a TVI, tal como acha que há hegemonia do PSD sobre a SIC. 4. A concretizar-se, a compra da TVI pela PT tem aspectos graves. 5. Primeiro, prefigura um monopólio dos media por uma única entidade, a PT, e logo por acaso dependente do Governo; regressamos ao início dos anos 80, quando o Governo tinha na mão o grosso dos media nacionais; este monopólio seria impossível noutros países da Comunidade Europeia, mas a gente vive num país em que a legalidade em vigor é a legalidade de quem manda, não a da lei. A Alta Autoridade alertou, por unanimidade, para o monopólio quando da compra da totalidade da Lusomundo pela PT mas, como disse noutro artigo, a Alta Autoridade não tem autoridade. 6. Segundo, ao controlar a TVI, o Governo passaria a controlar, mesmo que indirectamente, três das quatro estações de TV nacionais terrestres. Trata-se de um novo tipo de hegemonia em democracia, existente noutras paragens (no Terceiro Mundo, na Madeira, pró-PSD, e nos Açores, pró-PS). Trata-se do que se pode chamar "pluralismo controlado". Engloba: o controle de estações de TV de grande audiência; o controle das rádios que fazem "agenda-setting" (a TSF e a Antena 1); a anestesia de órgãos de informação através da infusão de doses massivas de publicidade dos departamentos do Estado ou das grandes empresas controladas pelo governo (EDP, PT, etc); plantação de jornalistas amigos do Governo nas redacções nas áreas políticas e económicas, nomeadamente antigos assessores do governo que regressam às redacções para trabalharem nas áreas em que estiveram ao serviço de ministros (ex-assessores de Pina Moura a cobrir a votação do Orçamento de Estado para a TVI e para a TSF, ex-assessor de Jorge Coelho na TSF); compra de grupo com grande influência nos media (DN, JN, TSF, Açoriano Oriental, etc). Antes da compra de todo o capital da Lusomundo, a PT já tinha nomeado três administradores, todos ligados ao PS. 7. A compra da TVI pela PT, isto é, por intervenção do Governo, esvazia por completo, todo o discurso de "Estado" sobre a RTP e sobre o serviço público. O Governo comporta-se como qualquer outro agente no mercado e no marketing: quer a TV que lhe dê mais visibilidade. O governo precisa de vender a sua imagem e os seus produtos, como qualquer fabricante de salsichas. O Jornal Nacional da TVI tem passado à frente do Telejornal em audiência, pelo que é mais eficaz para vender o Governo. Mas, melhor do que trocar a RTP pela TVI, é a solução que se prepara: o Governo fica com as duas! Afonso Costa mandava destruir os jornais da oposição; o nosso governo tenta comprar todos: pluralismo controlado. 8. O efeito Big Brother nas audiências tem sido o que se esperava: o primeiro quase todas os dias para o programa, para a TVI no "prime time", grande subida no "share" diário, chegando por vezes ao topo. A SIC tem sido muito atingida, mas a vítima - mortal? - da subida da TVI não é a SIC, é a RTP1, que passa para terceiro lugar e já quase desce para os 20 por cento de share. Toda a gente sabe a RTP1 não poderá recuperar uma audiência importante e recolocar-se no segundo lugar das audiências. É por isso que o Governo espreita pela compra da TVI pela porta travessa da PT, e é por isso que as chefias da RTP entraram em pânico. 9. Razões para o pânico: quebra de audiências e, logo, de receitas publicitárias, as únicas que alimentam o dia-a-dia da empresa; preocupação com a hipocrisia do Governo Guterres, que promete serviço público melhor há seis anos e nada fez que tivesse efeitos práticos positivos; preocupação com o abandono em que a deixa o Governo quando se volta para a TVI e quando não cumpre o pagamento das indemnizações compensatórias; preocupação com o facto de a banca já virar as costas a novos empréstimos, quer dizer, já não considera a empresa (do Estado!) digna de crédito; pânico, finalmente, porque nem mesmo com um ex-governante à frente da RTP o Governo toma medidas que recuperem a empresa. Depois do fiasco da Portugal Global, o governo prefere o pântano. As águas paradas só são boas para as sanguessugas. 10. Abandonada pelo Governo, pelas elites e pelo público, a RTP sente-se um animal cercado no meio da selva e tenta a fuga para a frente, reunindo numa só manhã fria de Novembro o trio Odemira do pimba audiovisual português: João Baião, símbolo cimeiro do pimba musical e audiovisual, Teresa Guilherme, a rainha do descaramento pimba, e Filipe La Féria, o rei do pimba de palco e dos "flops" financeiros. Aquilo parecia a pequena loja dos horrores. Não há explicação racional: à beira da morte, o animal ferido faz das tripas coração para sobreviver, arfando sem forças na toca escura da selva. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Um retrato das notícias

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