Tutela das áreas protegidas divide Governo

31-10-2003
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Tutela das Áreas Protegidas Divide Governo

Por EUNICE LOURENÇO, Ricardo Garcia e Rita Siza

Quarta-feira, 29 de Outubro de 2003 A eventual transferência da tutela das áreas protegidas do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para a secretaria de Estado das Florestas provocou, ontem, uma enorme onda de contestação e abriu mais uma crise governamental. O ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, Amílcar Theias afirmou que, a verificar-se essa transferência, será "uma cedência a interesses particulares". Theias disse mesmo que "o Estado tem de ser forte" e que "a política não pode ser apenas uma gestão de interesses particulares". O Governo já terá recuado nessa intenção, vista por muitas organizações da sociedade civil e por sectores do próprio PSD como um retrocesso na política ambiental. Em Luanda, onde está em visita oficial, o primeiro-ministro limitou-se a dizer que "nada está decidido". Embora a ideia venha sendo pensada desde meados de Agosto e tenha sido apresentada no Conselho de Ministros da semana passada, Amílcar Theias, à chegada ao aeroporto vindo de Bruxelas, afirmou que foi "apanhado de surpresa" com esta transferência de competências. Questionado sobre se apresentará a demissão, caso as áreas protegidas passem para a Agricultura, concluiu: "Não se coloca agora esta hipótese, pois a decisão [sobre a transferência de tutela] ainda não foi tomada. Além do mais, é um assunto entre mim e o primeiro-ministro". "Um retrocesso civilizacional" Para Amílcar Theias a conservação da natureza "não pode ficar subordinada a interesses sectoriais", nem "pode ser vista numa óptica colegial e de criação do produto agrícola e silvícola", pois é "um conceito abrangente que respeita outros valores que não o lucro comercial e vai muito além da gestão da floresta". Citado pela Lusa, o ministro afirmou mesmo que "mercantilizar" a conservação da natureza "representa um retrocesso civilizacional". Theias disse, ainda, esperar que "a decisão final sobre este assunto respeite os valores essenciais que defendo e que são partilhados pela maioria dos portugueses". Embora saudada por muitos como sendo corajosas, as declarações de Amílcar Theias estão a ser vistas no Governo como mais uma inabilidade deste ministro. Ao fazer referência à existência de "interesses particulares", o ministro - consideram membros do Governo - está a dar razão às suspeições levantadas sobre o secretário de Estado das Florestas, João Soares, que veio da Portucel. Theias joga, assim, o seu próprio cargo nesta questão e coloca Durão perante um dilema: ou se pronuncia pela transferência de competências e, aí, o ministro terá de apresentar a sua demissão; ou mantém tudo como está, correndo o risco de parecer que está a dar razão ao ministro que invoca a existência de "interesses particulares" para a rejeitar. As primeiras reacções negativas à transferência de competências saíram mesmo de dentro do PSD, vindas de ex-governantes com a tutela do Ambiente, como António Capucho, Macário Correia e Carlos Pimenta. Ao fim do dia, o actual porta-voz do PSD para a área do Ambiente, Vítor Reis, disse que "esta ideia só pode ser compreensível à luz de uma lógica meramente funcional de alguém da Inspecção-Geral das Florestas que pretende aumentar o seu cabaz, no sentido de obter mais competências". "Nunca se falou de extinção do ICN" Para o ministro da Agricultura, Sevinate Pinto, "a origem da polémica é real", mas as proporções que o assunto assumiu foram "perfeitamente injustificadas" e até mesmo incompreensíveis. Ao PÚBLICO, o governante esclareceu a questão terá tido início na última reunião de Conselho de Ministros, na semana passada, em que foi apresentado um primeiro esboço da futura organização da secretaria de Estado das Florestas. Para esse encontro, Sevinate preparou uma apresentação oral, apoiada num suporte "Powerpoint", à qual juntou depois uma série de documentos de trabalho para apreciação posterior dos demais ministérios. Entre esses papéis constava um anexo, com um esquema onde se identificava onde estavam as competências dispersas sobre a floresta e se recomendava a sua integração e necessidade de coordenação. "Nessa folhinha que entregámos com a identificação das principais medidas pôs-se lá de facto a transferência das áreas protegidas do Ministério do Ambiente para o da Agricultura", reconhece Sevinate Pinto, acrescentando que se tratava de permitir a transferência das competências estritamente florestais que se encontram no seio do ICN. "Nunca se falou de extinção do ICN, nunca se pensou em ficar com a gestão das áreas protegidas", sublinha Sevinate. Logo na mesma reunião do Conselho de Ministros, Amílcar Theias manifestou as suas dúvidas quanto à viabilidade dessa sugestão. "A questão suscitou logo dúvidas e desde logo entendeu-se ir por outra via. O assunto acabou ali, nunca mais se falou em áreas protegidas", conta Sevinate Pinto. Mas o Ministério do Ambiente não tomou o assunto por terminado. A "Proposta de Reforma Estrutural do Sector Florestal", datada de 22 de Outubro, refere textualmente a "transferência para o Ministério da Agricultura das áreas protegidas do ICN". Perante este texto, a apresentação de Sevinate Pinto ganhou outra consistência para a tutela do Ambiente, que então desencadeou uma reacção. Na segunda-feira, o Instituto da Conservação da Natureza enviou um "e-mail" aos dirigentes das áreas protegidas, pedindo a sua contribuição para angariar "razões de peso para manutenção dessas áreas no ICN e consequentemente dentro do MCOTA [Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente]". A mensagem considera a integração das áreas protegidas na futura Direcção-Geral de Recursos Florestais como algo "que se afigura totalmente despropositado". Para o dia seguinte, ontem, estava marcada uma reunião no Ministério das Finanças para preparar a resolução de Conselho de Ministros sobre a nova Secretaria de Estado das Florestas, a ser aprovada sexta-feira. Sevinate Pinto afirma que o assunto da transferência foi levantado pelo secretário de Estado do Ordenamento do Território, Paulo Taveira de Sousa, mas não chegou a ser discutido. O PÚBLICO recolheu outra versão, no Ministério das Cidades, segundo a qual a transferência voltou a ser defendida pela pasta da Agricultura e criticada pelo Ambiente. As declarações de Amílcar Theias, manuscritas durante o voo de Bruxelas a Lisboa, indicam que, para o Ministério das Cidades, o assunto não está encerrado. Hoje, Theias deverá ser interpelado no Parlamento sobre esta questão, durante o debate sobre o orçamento do seu ministério para 2004. com J.P.H. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Tutela das áreas protegidas divide Governo

A mensagem aos dirigentes das áreas protegidas

Oposição condena em bloco

A origem do ICN

Direcção-Geral de Floresta tenta recuperar "brilho" do passado

Governo define modelo de secretaria de Estado da Floresta

Reacções

Editorial: A floresta e o Ambiente

Tutela das Áreas Protegidas Divide Governo

Por EUNICE LOURENÇO, Ricardo Garcia e Rita Siza

Quarta-feira, 29 de Outubro de 2003 A eventual transferência da tutela das áreas protegidas do Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para a secretaria de Estado das Florestas provocou, ontem, uma enorme onda de contestação e abriu mais uma crise governamental. O ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, Amílcar Theias afirmou que, a verificar-se essa transferência, será "uma cedência a interesses particulares". Theias disse mesmo que "o Estado tem de ser forte" e que "a política não pode ser apenas uma gestão de interesses particulares". O Governo já terá recuado nessa intenção, vista por muitas organizações da sociedade civil e por sectores do próprio PSD como um retrocesso na política ambiental. Em Luanda, onde está em visita oficial, o primeiro-ministro limitou-se a dizer que "nada está decidido". Embora a ideia venha sendo pensada desde meados de Agosto e tenha sido apresentada no Conselho de Ministros da semana passada, Amílcar Theias, à chegada ao aeroporto vindo de Bruxelas, afirmou que foi "apanhado de surpresa" com esta transferência de competências. Questionado sobre se apresentará a demissão, caso as áreas protegidas passem para a Agricultura, concluiu: "Não se coloca agora esta hipótese, pois a decisão [sobre a transferência de tutela] ainda não foi tomada. Além do mais, é um assunto entre mim e o primeiro-ministro". "Um retrocesso civilizacional" Para Amílcar Theias a conservação da natureza "não pode ficar subordinada a interesses sectoriais", nem "pode ser vista numa óptica colegial e de criação do produto agrícola e silvícola", pois é "um conceito abrangente que respeita outros valores que não o lucro comercial e vai muito além da gestão da floresta". Citado pela Lusa, o ministro afirmou mesmo que "mercantilizar" a conservação da natureza "representa um retrocesso civilizacional". Theias disse, ainda, esperar que "a decisão final sobre este assunto respeite os valores essenciais que defendo e que são partilhados pela maioria dos portugueses". Embora saudada por muitos como sendo corajosas, as declarações de Amílcar Theias estão a ser vistas no Governo como mais uma inabilidade deste ministro. Ao fazer referência à existência de "interesses particulares", o ministro - consideram membros do Governo - está a dar razão às suspeições levantadas sobre o secretário de Estado das Florestas, João Soares, que veio da Portucel. Theias joga, assim, o seu próprio cargo nesta questão e coloca Durão perante um dilema: ou se pronuncia pela transferência de competências e, aí, o ministro terá de apresentar a sua demissão; ou mantém tudo como está, correndo o risco de parecer que está a dar razão ao ministro que invoca a existência de "interesses particulares" para a rejeitar. As primeiras reacções negativas à transferência de competências saíram mesmo de dentro do PSD, vindas de ex-governantes com a tutela do Ambiente, como António Capucho, Macário Correia e Carlos Pimenta. Ao fim do dia, o actual porta-voz do PSD para a área do Ambiente, Vítor Reis, disse que "esta ideia só pode ser compreensível à luz de uma lógica meramente funcional de alguém da Inspecção-Geral das Florestas que pretende aumentar o seu cabaz, no sentido de obter mais competências". "Nunca se falou de extinção do ICN" Para o ministro da Agricultura, Sevinate Pinto, "a origem da polémica é real", mas as proporções que o assunto assumiu foram "perfeitamente injustificadas" e até mesmo incompreensíveis. Ao PÚBLICO, o governante esclareceu a questão terá tido início na última reunião de Conselho de Ministros, na semana passada, em que foi apresentado um primeiro esboço da futura organização da secretaria de Estado das Florestas. Para esse encontro, Sevinate preparou uma apresentação oral, apoiada num suporte "Powerpoint", à qual juntou depois uma série de documentos de trabalho para apreciação posterior dos demais ministérios. Entre esses papéis constava um anexo, com um esquema onde se identificava onde estavam as competências dispersas sobre a floresta e se recomendava a sua integração e necessidade de coordenação. "Nessa folhinha que entregámos com a identificação das principais medidas pôs-se lá de facto a transferência das áreas protegidas do Ministério do Ambiente para o da Agricultura", reconhece Sevinate Pinto, acrescentando que se tratava de permitir a transferência das competências estritamente florestais que se encontram no seio do ICN. "Nunca se falou de extinção do ICN, nunca se pensou em ficar com a gestão das áreas protegidas", sublinha Sevinate. Logo na mesma reunião do Conselho de Ministros, Amílcar Theias manifestou as suas dúvidas quanto à viabilidade dessa sugestão. "A questão suscitou logo dúvidas e desde logo entendeu-se ir por outra via. O assunto acabou ali, nunca mais se falou em áreas protegidas", conta Sevinate Pinto. Mas o Ministério do Ambiente não tomou o assunto por terminado. A "Proposta de Reforma Estrutural do Sector Florestal", datada de 22 de Outubro, refere textualmente a "transferência para o Ministério da Agricultura das áreas protegidas do ICN". Perante este texto, a apresentação de Sevinate Pinto ganhou outra consistência para a tutela do Ambiente, que então desencadeou uma reacção. Na segunda-feira, o Instituto da Conservação da Natureza enviou um "e-mail" aos dirigentes das áreas protegidas, pedindo a sua contribuição para angariar "razões de peso para manutenção dessas áreas no ICN e consequentemente dentro do MCOTA [Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente]". A mensagem considera a integração das áreas protegidas na futura Direcção-Geral de Recursos Florestais como algo "que se afigura totalmente despropositado". Para o dia seguinte, ontem, estava marcada uma reunião no Ministério das Finanças para preparar a resolução de Conselho de Ministros sobre a nova Secretaria de Estado das Florestas, a ser aprovada sexta-feira. Sevinate Pinto afirma que o assunto da transferência foi levantado pelo secretário de Estado do Ordenamento do Território, Paulo Taveira de Sousa, mas não chegou a ser discutido. O PÚBLICO recolheu outra versão, no Ministério das Cidades, segundo a qual a transferência voltou a ser defendida pela pasta da Agricultura e criticada pelo Ambiente. As declarações de Amílcar Theias, manuscritas durante o voo de Bruxelas a Lisboa, indicam que, para o Ministério das Cidades, o assunto não está encerrado. Hoje, Theias deverá ser interpelado no Parlamento sobre esta questão, durante o debate sobre o orçamento do seu ministério para 2004. com J.P.H. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Tutela das áreas protegidas divide Governo

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Oposição condena em bloco

A origem do ICN

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Reacções

Editorial: A floresta e o Ambiente

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