Advogados e Branqueamento de Capitais
Por JOSÉ MIGUEL JÚDICE
Quarta-feira, 27 de Novembro de 2002 A Ordem dos Advogados ficou estupefacta que um diploma sobre esta sensível matéria (branqueamento de capitais) tenha sido apresentado por Vitalino Canas sem ter havido a gentileza de a contactar previamente, nomeadamente para saber se a Ordem está disponível para ser o depositário inicial da informação de qualquer advogado que tenha indícios de que um cliente está a realizar operações de branqueamento de capitais É preciso por vezes relembrar algumas coisas para explicar outras. Vem isto a propósito do anúncio intempestivo de que o PS tinha apresentado um projecto de lei de transposição da Directiva 2001/97/CE que tem reflexos muito sérios na profissão e nos deveres deontológicos dos advogados. 1. Os advogados portugueses - nos quais se baseia o Estado de direito - são favoráveis à luta contra o crime económico e o branqueamento de capitais. Sabem que sem tal luta as liberdades dos cidadãos são atingidas e o sistema político apodrece. Os advogados portugueses sempre assim pensaram e agiram. 2. Os políticos portugueses descobriram de forma generalizada esta matéria mais tarde e aqueles partidos que têm dirigido o país são nessa matéria, em regra, muito mais activos na oposição do que no Governo. Realmente, e por exemplo, nada teria impedido o PS de concretizar o regime que veio a ser da directiva antes da sua aprovação. E a directiva esteve sujeita a grande debate na Europa durante mais de quatro anos. 3. Ser contra o branqueamento de capitais não significa, porém, ser a favor de um regime legal que pode afectar profundamente e sem vantagens relevantes o núcleo central da ética dos advogados, que reside no segredo profissional. E este núcleo central não existe para proteger os advogados, mas acima de tudo para proteger os cidadãos e o Estado de direito. 4. António Costa, então ministro da Justiça, esteve sempre do lado da Constituição da República e dos advogados no esforço para evitar que a directiva - insensatamente gerada no Ecofin, que reúne os ministros das Finanças da UE e não na organização equivalente de ministros da Justiça - fosse ainda pior do que apesar de tudo acabou por ser. Os advogados portugueses têm memória e elogiam quem o merece, mesmo quando estão magoados. 5. A Ordem acha que esta directiva é expressão de um estratégia de comunicação e de imagem. Se um advogado cooperar com actos criminais deve ser acusado e, se provado, condenado com agravantes. Mas não vemos um branqueador de capitais a bater ao ferrolho de um advogado com uma mala de dólares a pedir-lhe para lhe branquear o dinheiro. A directiva toca em valores essenciais sem utilidade para o combate contra a criminalidade. 6. Mas a Ordem dos Advogados não é contra a transposição da directiva. Somos defensores da legalidade e servimos a Justiça. E nada temos a opor que seja o PS a tomar a iniciativa nesta matéria, apesar de termos preferido que um tema tão relevante não servisse para - a aliás legítima e necessária - luta política. 7. A Ordem tem memória, já disse. E por isso recorda que disse aos ministros da Justiça António Costa e Celeste Cardona que gostaria de estar envolvida no processo de transposição, à imagem do que está a acontecer noutros países europeus. E de ambos os ministros recebeu a Ordem concordância. Estamos também disponíveis para colaborar na luta contra o branqueamento de capitais com os partidos de oposição. Por isso louvamos a iniciativa do PCP, que reuniu comigo (sendo a respectiva delegação presidida pelo próprio Carlos Carvalhas, com o que muito nos honrou) para analisar formas de cooperação nessa matéria. 8. A Ordem dos Advogados ficou, porém, estupefacta que um diploma sobre esta sensível matéria e que - como adiante explicitarei - exige uma opção por parte da Ordem dos Advogados tenha sido apresentado por Vitalino Canas sem ter havido a gentileza de contactar a Ordem previamente, nomeadamente para saber se está disponível para assumir as funções referidas no artigo 6º nº 3 da directiva: ser a Ordem (neste caso provavelmente o bastonário) o depositário inicial da informação de qualquer advogado que tenha indícios de que um cliente está a realizar operações de branqueamento de capitais. 9. A Ordem pode aceitar ou recusar essa função, e por isso talvez fosse sensato perguntar-lhe antes. E se aceitar - diz a directiva -, os Estados-membros devem estabelecer as formas adequadas de cooperação entre o organismo de auto-regulamentação da profissão e as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais. E não se vê como é possível legislar bem sem previamente organizar as formas de fazer algo que atinge, como disse, o núcleo central dos valores da profissão. 10. E se a Ordem está estupefacta, o bastonário está magoado: na manhã da sexta-feira em que o PS anunciou esta iniciativa, tive ocasião de conversar demoradamente com António Costa sobre a cooperação da Ordem com a Assembleia da República e com os partidos nela representados no âmbito para os efeitos dos nossos deveres legais e estatutários. E, seguramente por lapso mas que ainda não foi por ele corrigido, não teve então a gentileza de me informar nem a curiosidade de me perguntar. 11. Vitalino Canas teve um confronto muito sério com a Ordem dos Advogados, a propósito de um projecto de diploma legal que visava tutelar as Ordens profissionais. O bastonário Pires de Lima - por certo sabendo que antes de assumir funções governamentais estava a realizar o seu estágio - afirmou que o considerava indigno de exercer a profissão. Tive ocasião de dizer a Vitalino Canas que não pessoalizo as questões a esse nível e que por isso este bastonário nada fará que o impeça de terminar o seu estágio e, se o merecer, receber a cédula profissional. Mas espero que não faça uma terceira afronta aos advogados portugueses. 12. A Ordem dos Advogados considera este assunto encerrado e já aceitou reunir-se com o PS sobre este projecto de diploma, colaborando na sua melhoria, se for possível. E vai dar a esta matéria uma importância absoluta. Por isso e para isso pedi a Alfredo Castanheira Neves, presidente do conselho superior e assim responsável cimeiro pela preservação dos valores éticos e deontológicos dos advogados portugueses, que organizasse um grande debate sobre esta matéria. Castanheira Neves de imediato se disponibilizou. O debate terá lugar em 18 de Janeiro em Coimbra. Esperamos ter lá as magistraturas, as polícias e os partidos políticos, para em conjunto falarmos sobre o segredo profissional dos advogados e a luta contra o branqueamento de capitais. Presidente da Ordem dos Advogados OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL
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O FIO DO HORIZONTE
Questões de segurança
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Portugal é grande
Ser jovem
Falta de candidatos
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Quarta-feira, 27 de Novembro de 2002 A Ordem dos Advogados ficou estupefacta que um diploma sobre esta sensível matéria (branqueamento de capitais) tenha sido apresentado por Vitalino Canas sem ter havido a gentileza de a contactar previamente, nomeadamente para saber se a Ordem está disponível para ser o depositário inicial da informação de qualquer advogado que tenha indícios de que um cliente está a realizar operações de branqueamento de capitais É preciso por vezes relembrar algumas coisas para explicar outras. Vem isto a propósito do anúncio intempestivo de que o PS tinha apresentado um projecto de lei de transposição da Directiva 2001/97/CE que tem reflexos muito sérios na profissão e nos deveres deontológicos dos advogados. 1. Os advogados portugueses - nos quais se baseia o Estado de direito - são favoráveis à luta contra o crime económico e o branqueamento de capitais. Sabem que sem tal luta as liberdades dos cidadãos são atingidas e o sistema político apodrece. Os advogados portugueses sempre assim pensaram e agiram. 2. Os políticos portugueses descobriram de forma generalizada esta matéria mais tarde e aqueles partidos que têm dirigido o país são nessa matéria, em regra, muito mais activos na oposição do que no Governo. Realmente, e por exemplo, nada teria impedido o PS de concretizar o regime que veio a ser da directiva antes da sua aprovação. E a directiva esteve sujeita a grande debate na Europa durante mais de quatro anos. 3. Ser contra o branqueamento de capitais não significa, porém, ser a favor de um regime legal que pode afectar profundamente e sem vantagens relevantes o núcleo central da ética dos advogados, que reside no segredo profissional. E este núcleo central não existe para proteger os advogados, mas acima de tudo para proteger os cidadãos e o Estado de direito. 4. António Costa, então ministro da Justiça, esteve sempre do lado da Constituição da República e dos advogados no esforço para evitar que a directiva - insensatamente gerada no Ecofin, que reúne os ministros das Finanças da UE e não na organização equivalente de ministros da Justiça - fosse ainda pior do que apesar de tudo acabou por ser. Os advogados portugueses têm memória e elogiam quem o merece, mesmo quando estão magoados. 5. A Ordem acha que esta directiva é expressão de um estratégia de comunicação e de imagem. Se um advogado cooperar com actos criminais deve ser acusado e, se provado, condenado com agravantes. Mas não vemos um branqueador de capitais a bater ao ferrolho de um advogado com uma mala de dólares a pedir-lhe para lhe branquear o dinheiro. A directiva toca em valores essenciais sem utilidade para o combate contra a criminalidade. 6. Mas a Ordem dos Advogados não é contra a transposição da directiva. Somos defensores da legalidade e servimos a Justiça. E nada temos a opor que seja o PS a tomar a iniciativa nesta matéria, apesar de termos preferido que um tema tão relevante não servisse para - a aliás legítima e necessária - luta política. 7. A Ordem tem memória, já disse. E por isso recorda que disse aos ministros da Justiça António Costa e Celeste Cardona que gostaria de estar envolvida no processo de transposição, à imagem do que está a acontecer noutros países europeus. E de ambos os ministros recebeu a Ordem concordância. Estamos também disponíveis para colaborar na luta contra o branqueamento de capitais com os partidos de oposição. Por isso louvamos a iniciativa do PCP, que reuniu comigo (sendo a respectiva delegação presidida pelo próprio Carlos Carvalhas, com o que muito nos honrou) para analisar formas de cooperação nessa matéria. 8. A Ordem dos Advogados ficou, porém, estupefacta que um diploma sobre esta sensível matéria e que - como adiante explicitarei - exige uma opção por parte da Ordem dos Advogados tenha sido apresentado por Vitalino Canas sem ter havido a gentileza de contactar a Ordem previamente, nomeadamente para saber se está disponível para assumir as funções referidas no artigo 6º nº 3 da directiva: ser a Ordem (neste caso provavelmente o bastonário) o depositário inicial da informação de qualquer advogado que tenha indícios de que um cliente está a realizar operações de branqueamento de capitais. 9. A Ordem pode aceitar ou recusar essa função, e por isso talvez fosse sensato perguntar-lhe antes. E se aceitar - diz a directiva -, os Estados-membros devem estabelecer as formas adequadas de cooperação entre o organismo de auto-regulamentação da profissão e as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais. E não se vê como é possível legislar bem sem previamente organizar as formas de fazer algo que atinge, como disse, o núcleo central dos valores da profissão. 10. E se a Ordem está estupefacta, o bastonário está magoado: na manhã da sexta-feira em que o PS anunciou esta iniciativa, tive ocasião de conversar demoradamente com António Costa sobre a cooperação da Ordem com a Assembleia da República e com os partidos nela representados no âmbito para os efeitos dos nossos deveres legais e estatutários. E, seguramente por lapso mas que ainda não foi por ele corrigido, não teve então a gentileza de me informar nem a curiosidade de me perguntar. 11. Vitalino Canas teve um confronto muito sério com a Ordem dos Advogados, a propósito de um projecto de diploma legal que visava tutelar as Ordens profissionais. O bastonário Pires de Lima - por certo sabendo que antes de assumir funções governamentais estava a realizar o seu estágio - afirmou que o considerava indigno de exercer a profissão. Tive ocasião de dizer a Vitalino Canas que não pessoalizo as questões a esse nível e que por isso este bastonário nada fará que o impeça de terminar o seu estágio e, se o merecer, receber a cédula profissional. Mas espero que não faça uma terceira afronta aos advogados portugueses. 12. A Ordem dos Advogados considera este assunto encerrado e já aceitou reunir-se com o PS sobre este projecto de diploma, colaborando na sua melhoria, se for possível. E vai dar a esta matéria uma importância absoluta. Por isso e para isso pedi a Alfredo Castanheira Neves, presidente do conselho superior e assim responsável cimeiro pela preservação dos valores éticos e deontológicos dos advogados portugueses, que organizasse um grande debate sobre esta matéria. Castanheira Neves de imediato se disponibilizou. O debate terá lugar em 18 de Janeiro em Coimbra. Esperamos ter lá as magistraturas, as polícias e os partidos políticos, para em conjunto falarmos sobre o segredo profissional dos advogados e a luta contra o branqueamento de capitais. Presidente da Ordem dos Advogados OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL
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