O perfil dos cinco candidatos

15-02-2005
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O Perfil dos Cinco Candidatos

Domingo, 13 de Fevereiro de 2005 Pedro Santana Lopes O homem que nunca foi avaliado Foi eurodeputado, secretário de Estado da Cultura, presidente do Sporting, da Câmara da Figueira, da Câmara de Lisboa. Pela primeira vez, será avaliado num cargo que ocupa, o de primeiro-ministro, e para o qual nem sequer foi eleito. Os anteriores mandatos, Pedro Santana Lopes ou não os levou até ao fim ou trocou de lugar no final. Em Julho do ano passado, as contas que estava a fazer para uma candidatura presidencial saíram-lhe furadas, não esperava ser primeiro-ministro e, muito menos, nas circunstâncias em que tudo se passou. Na rua, Santana Lopes luta agora pelo cargo que ocupa e também pelo seu futuro político no PSD. O mito do "enfant terrible" foi testado no poder e originou críticas de todos os lados, incluindo do seu próprio partido. O presidente do PSD tenta provar - através, essencialmente, da televisão, tal como os directores da campanha assumem - que ainda não perdeu uma das suas auto-apregoadas qualidades, a de caçar votos. "É um grande 'campaigner'", afirmou à PÚBLICA um cavaquista. Nisso, os seus apoiantes e críticos estão de acordo. Só que os primeiros explicam essa faceta por ser um político "que não fala politiquês". Os críticos chamam-lhe outra coisa: populismo. Em Julho, quando decidiu não convocar eleições legislativas antecipadas, o Presidente da República estava ao mesmo tempo a testar aquilo que alguns dos seus conselheiros diziam ser a vacina contra o populismo - experimentar uma vez para não fazer efeito mais tarde. Santana Lopes, divorciado, cinco filhos, é o expoente do populismo no PSD, aliado à visão mais liberal e de direita no partido. "Agora que dou luta, dou luta e vou continuar a dar", prometeu Pedro Santana Lopes, 48 anos, na pré-campanha. Na altura de ser avaliado, socorre-se da vitimização e da "pessoalização". Algumas iniciativas de campanha parecem mais uma reunião do clube de fãs do que um partido político. Entra nos comícios ao som do "menino-guerreiro", pede os votos dizendo que se trata de "uma questão de justiça", pelo facto do seu mandato ter sido interrompido. O facto de ter estado em vários cargos e de saltar de sítio para sítio deu-lhe uma imagem de inconstante. "Tenho uma carreira que cria confusão, mas é a minha maneira de estar na vida", disse o próprio Santana Lopes, na semana passada, em entrevista ao jornal espanhol "ABC". Quem trabalha com ele há vários anos justifica tudo com o facto de ser "um inconformado". É o que dizem os santanistas, a maior parte amigos de longa data. Rui Gomes da Silva e Manuel Frexes foram colegas de faculdade. Carmona Rodrigues conheceu Santana no liceu. Henrique Chaves, que saiu do Governo em ruptura total com o primeiro-ministro, era um amigo mais recente. Rui Gomes da Silva afirma que Santana devia ter feito "um trajecto normal": "ganhar o partido, preparar-se durante alguns anos na oposição e depois ser primeiro-ministro". Numa recente entrevista ao "Jornal de Notícias", o primeiro-ministro demissionário admitiu que preferia ter ido a eleições em Julho. Aliás, o próprio Santana já disse que é muito difícil em Portugal, apesar do sistema político o permitir, um primeiro-ministro tomar posse sem ser eleito e que o problema de legitimidade que aí advém não é ultrapassável. Acabou por dar razão às críticas dentro e fora do PSD que, quando Durão Barroso decidiu trocar o Governo pela Comissão Europeia, apontavam precisamente um problema de legitimidade ao modo como a transição foi feita. Depois de vários anos, em que Santana aparecia nos congressos do partido como o rosto da ruptura, acabou por assumir o poder numa lógica dinástica. Com sorriso fácil e com capacidade para rir de si próprio, Santana Lopes tem também acessos de fúria e irrita-se com o que escrevem na comunicação social. "Não é defeito, é feitio", resume Gomes da Silva. Fala demais, é errático, e não gosta de assumir culpas no que acha que, pessoalmente, não merece. Foi o que aconteceu com o episódio de São Tomé de Morais Sarmento, em que não disfarçou a crítica pública ao seu ministro, e com a baixa representatividade das mulheres nas listas do PSD, ao dizer que a sua responsabilidade foi apenas a escolha dos cabeças de lista. Enquanto primeiro-ministro, foi criticado por membros da sua equipa de ser o principal factor de instabilidade do Governo. Einhart Jácome da Paz, o técnico de marketing político que faz a campanha do PSD, conheceu Santana em 2001, quando este o trouxe para a campanha das autárquicas. Em Março de 2002, fez a campanha das legislativas com Durão Barroso. Na altura, comparou os dois a pedido do PÚBLICO: o primeiro era um "vulcão", o segundo "um cara mais racional". O brasileiro não hesitou em considerar mais fácil trabalhar com Durão. Santana é "um sedutor natural", sabe "explorar a emoção" e é mais difícil de controlar. Na noite eleitoral, Santana tem à sua espera os apoiantes e os críticos. Pedro Pinto diz que o líder do PSD "acredita mais nele próprio" que qualquer outro amigo. Os adversários internos aguardam pelo fim do mito. Helena Pereira Paulo Portas O profissional Como Portas construiu a imagem de "garante da estabilidade" Os amigos dizem que nada mudou nestes três anos que esteve no Governo, que isso de antes ser um radical e agora aparecer como um político credível que se autoproclama garante da estabilidade governativa sem que ninguém se ria por isso é tudo culpa da comunicação social. "O radical foi uma construção mediática, uma imagem estereotipada", diz António Pires de Lima, o amigo de infância e vice-presidente do partido. "Mais do que ele ter mudado, de facto mudou a percepção que as pessoas têm dele", afirma João Rebelo, também dirigente do CDS. Mas ele próprio - Paulo Portas, presidente do CDS/PP, ministro de Estado, da Defesa e dos Assuntos do Mar - reconhece que algo mudou. "A vida centra-nos", disse à PÚBLICA, recordando um aviso que uma vez lhe foi feito por um amigo. O "Paulinho das feiras", que palmilhava quilómetros em campanha a distribuir beijos e abraços por tudo quanto era feira e mercado, deu lugar ao homem com pose de Estado, que fala pausadamente nos comícios (o outro berrava com ar de zangado), que fala para a classe média e já não só para nichos de eleitorado (os ex-combatentes, os retornados, os lavradores...). "Numa coisa acho que mudou: tem mais ponderação e mais calma na forma de comunicar", reconhece João Rebelo, que além de trabalhar com Portas no CDS desde 1998 é um dos deputados da comissão parlamentar de Defesa. "Cresceu, como é natural. Não se é a mesma pessoa aos 42 anos que se era aos 30 e aos 35!", diz Pires de Lima. A passagem pelo Governo e ainda para mais numa pasta institucional como a Defesa fê-lo cultivar a paciência, a ponderação e a capacidade de diálogo. No princípio, teve problemas com dois chefes militares - Alvarenga Sousa Santos e Silva Viegas, que acabaram por demitir-se - por "coisas de feitio", como diz Rebelo, mas depois aprendeu "a convencer as pessoas no diálogo, não as afrontando". Quando chegou ao Governo, Paulo Portas decidiu assumir uma pose séria de quem tem de convencer toda a gente de que não estava ali para estragar a vida ao parceiro de coligação. Um colega desse primeiro Executivo PSD-CDS costumava dizer que o líder do CDS estava "grávido de sentido de Estado", tal era a sua pose. Depois, vieram os tempos difíceis do regresso do caso Moderna, que só terminaram com a sua ida a tribunal como testemunha. Foi "um tempo deitado ao lixo", diz João Rebelo, porque tudo o que o CDS fizesse era encoberto pelo caso judicial. Mas foi também um tempo de consolidação de relações com Durão Barroso, que o apoiou. Os militares acabam por aceitá-lo e mesmo ajudá-lo, até porque, como diz Pedro Guerra, assessor político que conheceu Portas em 1988 e trabalhou com ele em "O Independente", "perceberam que era uma oportunidade única" para as Forças Armadas de terem um ministro "com peso político" e, portanto, capacidade para fazer. Os tempos adversos para Portas, no entanto, não terminaram. Sobre o CDS começa a cair o "odioso" do que o Governo faz, sobretudo por causa do Código do Trabalho. Em Maio de 2004 dá-se o "clic". No congresso do PSD, reunido em Oliveira da Azeméis, os delegados vão manifestando a sua oposição a uma aliança pré-eleitoral com os democratas-cristãos; o líder do CDS percebe tudo: que iria ser culpado pela derrota nas europeias do mês seguinte, que não haveria listas conjuntas às legislativas (então previstas para 2006), que tinha de mudar as pastas que o CDS tinha no Governo - Defesa, Segurança Social e Justiça - para melhorar a imagem do partido. Logo a seguir às europeias de 13 de Junho, inicia uma campanha de desdiabolização de si próprio e do CDS, que acabaria por lhe ser muito mais fácil do que imaginaria. Durão vai para Bruxelas e o seu amigo Pedro Santana Lopes sobe a líder do PSD e a primeiro-ministro. No novo Governo, Portas faz uma hábil negociação de pastas - mantém a Defesa, ganha as Finanças, o Ambiente e o Turismo, ministérios mais práticos e necessitados de decisão. Nestes últimos coloca dois homens do seu núcleo duro - Nobre Guedes e Telmo Correia. Rapidamente também percebe que o Governo não irá durar até 2006 e começa a gerir o calendário como melhor lhe convém, sem saber quanto tempo ainda terá para mostrar trabalho. O CDS ganhou com Santana? "Parece-me óbvio", responde um dirigente, recusando, evidentemente, ser identificado. Com três anos de experiência e a ajuda de Santana, Portas consegue passar uma imagem de serenidade impensável antes de 2002. E é nessa imagem que aposta nesta campanha, em que não se cansa de repetir palavras como "serenidade" e "estabilidade", pedindo mais votos porque está "em condições de dar mais ao país". "Desde os anos 80 que o presidente do CDS é um sobrevivente. Em 2002 ganhámos o direito à existência sem se colocar uma questão de sobrevivência", diz Portas, que, pela primeira vez em sete anos de liderança do partido, vai a eleições sem que se anuncie previamente a sua morte política. "Já foi dado como morto politicamente por todos e acho que isso lhe deu o calo e a maturidade necessários para valorizar o que é importante e não dar relevo ao que não é", analisa Pires de Lima, que com ele entrou para a política. Paulo Portas já estará conformado com o regresso ao Parlamento depois de 20 de Fevereiro, mas o que gostava mesmo era de continuar no Governo. Seja onde for, continuará a ser "completamente profissional e dedicado", como diz Pedro Guerra: "A melhor definição do Paulo é: profissional, frenético." Eunice Lourenço Jerónimo de SOusa Um político parecido com os portugueses. Está há anos catalogado como o "camarada operário". A campanha eleitoral parece mostrar outro Jerónimo de Sousa. O futebolista praticante. O militante convicto. O orador que se engasga nos ditados "Jerónimo! Joguei à bola consigo no Sanjoanense, lembra-se do Borges?" A cena tem poucos dias. Passou-se em plena campanha eleitoral, em Odemira, quando o secretário-geral do PCP distribuía propaganda aos feirantes pelo Mercado de São Teotónio. Um deles dirigiu-se ao dirigente político para o lembrar dos seus tempos de futebolista. O episódio evidencia uma das características que vai marcando a diferença entre o comunista e os outros candidatos. E mesmo entre este dirigente do PCP e os que o antecederam. "[Ele] é mais de cá, mais ligado aos problemas reais das pessoas do que os outros." A avaliação foi feita nas páginas do "PÚBLICO" por um jovem de 19 anos, de seu nome Ricardo Grácio, de uma das famílias que acompanha a campanha eleitoral para o jornal diário. "Bem melhor do que Carvalhas" remata Ricardo. Com o passar dos dias, Jerónimo de Sousa parece ir conseguindo libertar-se da etiqueta do "camarada operário", para, em vez dessa, reforçar a imagem de um dirigente político capaz de fazer a ponte com aqueles a quem se propõe representar. "Ele é dos nossos", já se ouve dizer. É entre os militantes comunistas que essa empatia se torna visível, em qualquer uma das iniciativas em que o novo secretário-geral participe. As "características pessoais" deste político potenciam a humanização do cargo. O comunista gosta de improvisar nas suas intervenções, e quando o faz costuma recorrer a ditados populares. Até mesmo os seus erros parecem ser valorizados pelos seus apoiantes, como aconteceu na cerimónia de apresentação do cabeça de lista por Lisboa, em Dezembro último. O secretário-geral falava do PS e da forte possibilidade deste partido vencer as eleições, quando quis alertar para a eventualidade de virem a necessitar do resto da esquerda para governar: "É cedo e alguns ainda se podem vir a enganar. Como diz o nosso povo estão a contar com o dito cujo no ovo da galinha, estão... estão... estão a contar com o ovo no dito cujo da galinha..." Por esta altura já a sala batia palmas ao mesmo tempo que se ria com a atrapalhação do líder. Jerónimo de Sousa consegue arrancar, rapidamente, aplausos e palavras de ordem com o seu discurso convicto e inflamado. Exemplo disso foi a reacção dos que estavam no comício de abertura desta campanha eleitoral, que o PCP organizou na Maia, Porto. A sala vibrou quando o secretário-geral, além da habitual exigência de "organização", pediu aos militantes "corações ardentes". Vicente Merendas, dirigente na organização regional de Setúbal que o substituiu na Assembleia da República quando o agora líder regressou às lides sindicais nos anos 90, radica essa identificação no facto de Jerónimo ser um "homem com passado no partido, muito ligado aos trabalhadores". O militante Jorge Nisa elogia-lhe a "tradição". Mas isso não chega para as recepções calorosas. Vicente Merendas sabe disso. "Ajuda ser ele próprio a falar, com aquela clareza. Mostra autenticidade." A mesma autenticidade que o leva a "ainda estar ligado à colectividade da zona onde ele vive". Bruno Dias, deputado por Setúbal, concorda que as suas "características pessoais" ajudam. "Simplicidade", resume o parlamentar comunista. "É uma pessoa bastante sociável, capaz de transmitir confiança às pessoas". "O que as pessoas valorizam nele é poderem dizer, como já ouviu entre a malta da ferrugem, a malta do dominó ou da sueca: 'A gente percebe o que ele diz'."Assim se vai compondo o puzzle que é o perfil do actual secretário-geral do PCP. O que até agora transparecia, provinha da campanha às eleições presidenciais que elegeram Jorge Sampaio e do currículo revisto pelo partido e distribuído pela comunicação social. A espontaneidade fez a sua aparição naquela passagem de ano em que Jerónimo foi para cima de uma mesa dançar. Uma imagem contrastante com o resumo cinzento proveniente da Soeiro Pereira Gomes. Nascido na cintura industrial de Lisboa, perto de Loures, homem casado e pai de duas filhas,militante desde 29 de Abril de 1974, deputado constituinte que provocou algumas atrapalhações em São Bento por não ser doutor nem engenheiro e ter muito orgulho nisso. Para mais tarde fica o apuramento do peso verdadeiro de Jerónimo de Sousa na direcção comunista. Será ele mais um entre os seus pares ou apenas aquele que fica bem nos cartazes eleitorais? Parece que nem mesmo entre as bases partidárias há certezas para responder a essa pergunta. Pelo menos o militante Jorge Nisa, que estava a distribuir propaganda à porta da empresa Mitrena, em Setúbal, não parece ter. "Em termos práticos foram vocês [comunicação social] que o puseram como secretário-geral. Por alguma razão isso aconteceu, não precisa de me vir perguntar o que é faz dele um bom secretário-geral, não é?" Nuno Sá Lourenço José Sócrates O homem a quem tudo corre bem A vida política tem corrido bem a José Sócrates. Certamente melhor do que o próprio esperaria. Há três anos, quando o PSD regressou ao poder, a convicção generalizada entre os socialistas é de que seriam longos os tempos de oposições. Ferro Rodrigues estava na liderança do partido, o processo Casa Pia deixava o partido de rastos - e em particular o seu secretário-geral - e entre muitos dirigentes do PS alvitrava-se que a oposição se poderia prolongar até durante dois mandatos. José Sócrates aguardava a sua vez integrando a direcção de Ferro - foi o único "fundador" do guterrismo que transitou para a direcção do partido após Guterres -, ia aparecendo aos domingos na RTP em serenas confrontações com Pedro Santana Lopes e entediava-se no Parlamento. Nunca disse uma palavra contra Ferro e a única vez que, nesse consulado, deu mostras de dissonância face à direcção que integrava foi para defender o seu amigo José Lamego, que estava a ser fortemente atacado por Ana Gomes (então responsável do PS pelo pelouro das relações internacionais), por Lamego ter aceite integrar a administração internacional dos EUA no Iraque. No Parlamento, entretanto, os seus amigos iam espalhando a ideia de que Ferro era já parte do problema e não da solução, semeando uma candidatura de Sócrates à liderança. Semanas antes das europeias, o ambiente entre Sócrates e Ferro Rodrigues azedou-se. António Costa deixou a liderança da bancada para ser o número dois da lista do PS ao Parlamento de Bruxelas. Ferro escolheu António José Seguro para lhe suceder, defraudando aparentes expectativas do actual secretário-geral. Na noite das europeias, Sócrates integrou o grupo de dirigentes do PS - entre os quais a figura cimeira foi António Costa - que se recusaram expressamente a outorgar ao líder do partido qualquer mérito na pesada vitória que o partido obteve sobre a coligação PSD/CDS. O mérito - afirmou - foi do partido todo e do cabeça de lista em particular, António Sousa Franco, que dias antes falecera de ataque cardíaco, na sequência de uma acção de campanha na lota de Matosinhos, marcada por confrontos entre facções do PS local. O resultado obtido pelo PS nessas eleições fazia parecer que Ferro tinha conseguido superar o processo Casa Pia e até começava a estar em condições de enfrentar com possibilidades de vitória a coligação no poder nas legislativas seguintes - que seriam, se os calendários se cumprissem, em 2006. O PS deveria realizar o seu congresso no Outono. Os amigos de Sócrates empurravam-no para um confronto aberto com Ferro, mas o próprio não dava sinais - pelo menos públicos - de estar disposto a isso. Tinha pouca margem para ser alternativa interna ao secretário-geral, porque, afinal, sempre integrara a sua direcção. Mas dias depois das europeias tudo começou a mudar: na vida de Sócrates e na do país todo. Durão Barroso foi convidado para presidir à Comissão Europeia e aceitou. O Presidente da República via-se confrontado com um dilema: marcar eleições antecipadas ou nomear um novo governo PSD-CDS encabeçado por um novo primeiro-ministro. O PS defendeu, sem grandes gritarias, as eleições antecipadas. Sampaio deu-lhe a "nega" e nomeou Santana Lopes para presidir a um novo Executivo. E Ferro Rodrigues surpreendeu tudo e todos demitindo-se da liderança. Entregou o poder de bandeja a Sócrates. O ex-ministro do Ambiente só teve que esperar uns dias pelo anúncio de não candidatura de Vitorino para confirmar o que já toda a gente esperava: era candidato a secretário-geral. Depois foi o que se viu: um congresso marcado por intenso debate interno e por uma vitória clara; a governação de Santana, tropeçando de trapalhada em trapalhada até à dissolução final, decretada por Jorge Sampaio. E o país atirado para uma campanha eleitoral que ninguém esperava seis meses antes, a começar pelo próprio líder socialista. Não há nenhuma sondagem que não lhe dê o cargo de primeiro-ministro; só falta saber com que maioria. Sócrates parece enfrentar as suas tarefas que como se fosse um predestinado. Usa a sua famosa obstinação - que com muito pouco descamba para a ira - como um trunfo eleitoral (de que a questão da co-incineração é o caso mais claro). Sabe que poderá perder, por isto, votos localizados, mas que ganhará em troca a imagem nacional de um homem que acredita no que diz e que não cede a pressões. Forjou assim a sua imagem. Não foi por acaso que Manuel Alegre o acusou de "cavaquista". José Sócrates discute política desde pequeno. Cresceu na Covilhã, onde o seu pai foi um dos fundadores do PSD local. De 1974 a 1975 militou na JSD da cidade. Saiu da organização desgostado com as derrotas da ala esquerda do PSD, protagonizada por Emídio Guerreiro. Em 1981, voltou a filiar-se, só que desta vez no PS e na JS, pela mão dos seus amigos covilhanenses Jorge e Luís Patrão (este último é agora o seu chefe de gabinete). Integrou desde o início o núcleo duro fundador da facção guterrista do PS, cujo chefe conquistaria a liderança do partido em 1992 e a do país em 1995. Integrou o governo como secretário de Estado e depois subiu a ministro. Deixou marcas na política do ambiente, na defesa do consumidor (facturas detalhadas, seguros automóveis), na conquista para Portugal do Euro 2004. Falhou na recuperação económica da RTP. Estamos assim perante uma carreira política que, até agora, tem sido de grande sucesso, uma vezes por mérito próprio (no Governo), outras por mérito alheio (quando Ferro deixou a liderança). E isto só pode significar uma coisa: o pior está para vir. Sócrates parece consciente disso. João Pedro Henriques Francisco Loucã O líder que não quer ser líder Francisco Louçã não gosta de cometer desvios. No seu discurso, cuidadosamente elaborado, minuciosamente preparado para ilidir cada um dos seus opositores, raras vezes se detectam falhas. Daí que os argumentos que utilizou para refutar Paulo Portas no já famoso frente-a-frente da SIC/Notícias - "não tem direito a falar de vida (...) não sabe o que é gerar uma vida. Eu sei porque tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança. Sei o que é gerar uma vida" - tenham gerado uma vaga de indignação e contestação públicas propaladas pela esquerda e pela direita. Os dirigentes bloquistas (ver PÚBLICO de 22/01) vieram em socorro de Louçã, manifestando a sua solidariedade com o líder. Estes apoios acabaram por agudizar as críticas que alvejaram Louçã. Que, cerca de uma semana depois, e notoriamente decidido a "apagar a nódoa", admitiu que as suas declarações tinham sido "infelizes". Numa recente entrevista à revista "Sábado", Louçã afirmou que não existem unanimismos no interior do Bloco: "No dia em que existisse unanimismo dentro do BE... aí é que ficaríamos preocupados." A verdade é que não se ouviu uma única voz divergente - à excepção do terceiro candidato pelo círculo de Coimbra, Luís Januário, que fez questão de se demarcar da posição de Louçã, criticando-o no seu blogue (anaturezadomal.blogspot.com). Tal como os restantes partidos do espectro político nacional, também o Bloco não se coíbe de propagandear o pluralismo de vozes no partido. Não foi isso que se viu após o frente-a-frente com Paulo Portas, embora alguns dirigentes tivessem preferido ficar calados, atendendo ao delicado período da campanha eleitoral. Francisco Louçã não gosta que lhe colem o epíteto de líder do BE - uma das perguntas mais recorrentes que lhe fazem é: "Por que não quer ser secretário-geral?" Mas age como tal, recolhe um consenso interno semelhante àquele que têm outros líderes partidários, na bancada parlamentar tem um protagonismo inigualável e é visivelmente mais popular que o próprio Bloco. Será que mais tarde ou mais cedo os bloquistas terão de defrontar-se com a alteração dos seus estatutos, preterindo a actual direcção colegial a favor da eleição de um secretário-geral? Louçã e Luís Fazenda rejeitam esta hipótese, Miguel Portas diz que há um "acordo" para o BE "levar tão longe quanto possível a informalidade que existe em termos de funcionamento interno", mas não fecha a porta à eventual necessidade de o crescimento do partido exigir a figura de um "coordenador". Marina Costa Lobo, investigadora no Instituto de Ciências Sociais e autora do capítulo "O impacto dos líderes partidários: uma escolha entre candidatos pouco populares" (in "Portugal a Votos - as eleições legislativas de 2002", de André Freire, Costa Lobo e Pedro Magalhães), entende que a fórmula utilizada pelo BE (a aparente ausência de um líder) "tem sucesso" e, consequentemente, "traz silêncio". Luís Fazenda assegura à Pública que a questão de eleger um secretário-geral "nunca foi colocada" dentro do partido. Costa Lobo não acredita, porém, que a opinião de Louçã nas reuniões internas "tenha o mesmo peso que a de outros dirigentes" e explica que o facto de ele insistir na rejeição de ser o líder do BE configura numa "estratégia de não identificação com os outros líderes da esquerda". A médio ou longo prazo, acrescenta a investigadora, "o crescimento do Bloco vai levá-lo a ter recursos mais organizados e a adquirir as características dos outros partidos". À Pública, Francisco Louçã, cabeça de lista pelo distrito de Lisboa, recusa a "noção de partido vertical", que, aponta, "é do século XIX". "Na política moderna, a diversidade deve ser vista como modernidade", acrescenta. O BE, justifica, opta por "contrabalançar" os poderes e os protagonismos. Mas admite que carrega a "responsabilidade" de ser visto como o líder dos bloquistas: "É claro que me vêem como o porta-voz, não fujo a essa responsabilidade". Luís Fazenda, co-fundador do Bloco, diz que o partido "dá-se bem" com o método da direcção colegial, mas tal não invalida que se olhe para Louçã como "o principal porta-voz". E prossegue: "Louçã é um político assumidíssimo, necessariamente diferente dos outros." Miguel Portas, eleito eurodeputado nas últimas eleições europeias, partilha com Fazenda a opinião de que Louçã "é evidentemente a primeira figura pública" do Bloco, mas relembra, logo de seguida, que, "durante alguns anos, iam rodando os nomes" (refere-se a ele próprio, Fazenda e Fernando Rosas). A popularidade alcançada por Louçã está, porém, muito distante daquela que os restantes fundadores até poderiam almejar. Diante desta constatação, Miguel Portas destaca a actuação parlamentar de Louçã, cujas intervenções (sobretudo durante o mandato de Durão Barroso) "acentuaram" esse protagonismo. E continua: "Não exagero se disser que ele é o melhor deputado que o Parlamento tem, mas isso não significa que se apague o resto." Ressalva que "dentro do Bloco não há líder", mas antes uma "comissão permanente", uma vez que o partido "escolhe os rostos para cada combate". E, frisa, "o rosto público de um partido não é necessariamente o melhor coordenador interno". Gostaria de vir a ser secretário-geral do Bloco? "Não. Todos nós somos inteiramente livres na política e nunca houve conflitos por causa da liderança", responde o actual eurodeputado. Louçã chegou a afirmar, em entrevista, que não seria um bom secretário-geral. "Provavelmente tem razão", comenta Miguel Portas. Maria José Oliveira OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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1755

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Homenagem

Bom-humor alarga os horizontes

Viciados em montanhas-russas

Telessexo

Ameixas afrodisíacas

Roquefort, rei dos queijos azuis

Consumo//

CRÓNICAS

O Índex 13 Fev 05

Um preto no Marquês

O Perfil dos Cinco Candidatos

Domingo, 13 de Fevereiro de 2005 Pedro Santana Lopes O homem que nunca foi avaliado Foi eurodeputado, secretário de Estado da Cultura, presidente do Sporting, da Câmara da Figueira, da Câmara de Lisboa. Pela primeira vez, será avaliado num cargo que ocupa, o de primeiro-ministro, e para o qual nem sequer foi eleito. Os anteriores mandatos, Pedro Santana Lopes ou não os levou até ao fim ou trocou de lugar no final. Em Julho do ano passado, as contas que estava a fazer para uma candidatura presidencial saíram-lhe furadas, não esperava ser primeiro-ministro e, muito menos, nas circunstâncias em que tudo se passou. Na rua, Santana Lopes luta agora pelo cargo que ocupa e também pelo seu futuro político no PSD. O mito do "enfant terrible" foi testado no poder e originou críticas de todos os lados, incluindo do seu próprio partido. O presidente do PSD tenta provar - através, essencialmente, da televisão, tal como os directores da campanha assumem - que ainda não perdeu uma das suas auto-apregoadas qualidades, a de caçar votos. "É um grande 'campaigner'", afirmou à PÚBLICA um cavaquista. Nisso, os seus apoiantes e críticos estão de acordo. Só que os primeiros explicam essa faceta por ser um político "que não fala politiquês". Os críticos chamam-lhe outra coisa: populismo. Em Julho, quando decidiu não convocar eleições legislativas antecipadas, o Presidente da República estava ao mesmo tempo a testar aquilo que alguns dos seus conselheiros diziam ser a vacina contra o populismo - experimentar uma vez para não fazer efeito mais tarde. Santana Lopes, divorciado, cinco filhos, é o expoente do populismo no PSD, aliado à visão mais liberal e de direita no partido. "Agora que dou luta, dou luta e vou continuar a dar", prometeu Pedro Santana Lopes, 48 anos, na pré-campanha. Na altura de ser avaliado, socorre-se da vitimização e da "pessoalização". Algumas iniciativas de campanha parecem mais uma reunião do clube de fãs do que um partido político. Entra nos comícios ao som do "menino-guerreiro", pede os votos dizendo que se trata de "uma questão de justiça", pelo facto do seu mandato ter sido interrompido. O facto de ter estado em vários cargos e de saltar de sítio para sítio deu-lhe uma imagem de inconstante. "Tenho uma carreira que cria confusão, mas é a minha maneira de estar na vida", disse o próprio Santana Lopes, na semana passada, em entrevista ao jornal espanhol "ABC". Quem trabalha com ele há vários anos justifica tudo com o facto de ser "um inconformado". É o que dizem os santanistas, a maior parte amigos de longa data. Rui Gomes da Silva e Manuel Frexes foram colegas de faculdade. Carmona Rodrigues conheceu Santana no liceu. Henrique Chaves, que saiu do Governo em ruptura total com o primeiro-ministro, era um amigo mais recente. Rui Gomes da Silva afirma que Santana devia ter feito "um trajecto normal": "ganhar o partido, preparar-se durante alguns anos na oposição e depois ser primeiro-ministro". Numa recente entrevista ao "Jornal de Notícias", o primeiro-ministro demissionário admitiu que preferia ter ido a eleições em Julho. Aliás, o próprio Santana já disse que é muito difícil em Portugal, apesar do sistema político o permitir, um primeiro-ministro tomar posse sem ser eleito e que o problema de legitimidade que aí advém não é ultrapassável. Acabou por dar razão às críticas dentro e fora do PSD que, quando Durão Barroso decidiu trocar o Governo pela Comissão Europeia, apontavam precisamente um problema de legitimidade ao modo como a transição foi feita. Depois de vários anos, em que Santana aparecia nos congressos do partido como o rosto da ruptura, acabou por assumir o poder numa lógica dinástica. Com sorriso fácil e com capacidade para rir de si próprio, Santana Lopes tem também acessos de fúria e irrita-se com o que escrevem na comunicação social. "Não é defeito, é feitio", resume Gomes da Silva. Fala demais, é errático, e não gosta de assumir culpas no que acha que, pessoalmente, não merece. Foi o que aconteceu com o episódio de São Tomé de Morais Sarmento, em que não disfarçou a crítica pública ao seu ministro, e com a baixa representatividade das mulheres nas listas do PSD, ao dizer que a sua responsabilidade foi apenas a escolha dos cabeças de lista. Enquanto primeiro-ministro, foi criticado por membros da sua equipa de ser o principal factor de instabilidade do Governo. Einhart Jácome da Paz, o técnico de marketing político que faz a campanha do PSD, conheceu Santana em 2001, quando este o trouxe para a campanha das autárquicas. Em Março de 2002, fez a campanha das legislativas com Durão Barroso. Na altura, comparou os dois a pedido do PÚBLICO: o primeiro era um "vulcão", o segundo "um cara mais racional". O brasileiro não hesitou em considerar mais fácil trabalhar com Durão. Santana é "um sedutor natural", sabe "explorar a emoção" e é mais difícil de controlar. Na noite eleitoral, Santana tem à sua espera os apoiantes e os críticos. Pedro Pinto diz que o líder do PSD "acredita mais nele próprio" que qualquer outro amigo. Os adversários internos aguardam pelo fim do mito. Helena Pereira Paulo Portas O profissional Como Portas construiu a imagem de "garante da estabilidade" Os amigos dizem que nada mudou nestes três anos que esteve no Governo, que isso de antes ser um radical e agora aparecer como um político credível que se autoproclama garante da estabilidade governativa sem que ninguém se ria por isso é tudo culpa da comunicação social. "O radical foi uma construção mediática, uma imagem estereotipada", diz António Pires de Lima, o amigo de infância e vice-presidente do partido. "Mais do que ele ter mudado, de facto mudou a percepção que as pessoas têm dele", afirma João Rebelo, também dirigente do CDS. Mas ele próprio - Paulo Portas, presidente do CDS/PP, ministro de Estado, da Defesa e dos Assuntos do Mar - reconhece que algo mudou. "A vida centra-nos", disse à PÚBLICA, recordando um aviso que uma vez lhe foi feito por um amigo. O "Paulinho das feiras", que palmilhava quilómetros em campanha a distribuir beijos e abraços por tudo quanto era feira e mercado, deu lugar ao homem com pose de Estado, que fala pausadamente nos comícios (o outro berrava com ar de zangado), que fala para a classe média e já não só para nichos de eleitorado (os ex-combatentes, os retornados, os lavradores...). "Numa coisa acho que mudou: tem mais ponderação e mais calma na forma de comunicar", reconhece João Rebelo, que além de trabalhar com Portas no CDS desde 1998 é um dos deputados da comissão parlamentar de Defesa. "Cresceu, como é natural. Não se é a mesma pessoa aos 42 anos que se era aos 30 e aos 35!", diz Pires de Lima. A passagem pelo Governo e ainda para mais numa pasta institucional como a Defesa fê-lo cultivar a paciência, a ponderação e a capacidade de diálogo. No princípio, teve problemas com dois chefes militares - Alvarenga Sousa Santos e Silva Viegas, que acabaram por demitir-se - por "coisas de feitio", como diz Rebelo, mas depois aprendeu "a convencer as pessoas no diálogo, não as afrontando". Quando chegou ao Governo, Paulo Portas decidiu assumir uma pose séria de quem tem de convencer toda a gente de que não estava ali para estragar a vida ao parceiro de coligação. Um colega desse primeiro Executivo PSD-CDS costumava dizer que o líder do CDS estava "grávido de sentido de Estado", tal era a sua pose. Depois, vieram os tempos difíceis do regresso do caso Moderna, que só terminaram com a sua ida a tribunal como testemunha. Foi "um tempo deitado ao lixo", diz João Rebelo, porque tudo o que o CDS fizesse era encoberto pelo caso judicial. Mas foi também um tempo de consolidação de relações com Durão Barroso, que o apoiou. Os militares acabam por aceitá-lo e mesmo ajudá-lo, até porque, como diz Pedro Guerra, assessor político que conheceu Portas em 1988 e trabalhou com ele em "O Independente", "perceberam que era uma oportunidade única" para as Forças Armadas de terem um ministro "com peso político" e, portanto, capacidade para fazer. Os tempos adversos para Portas, no entanto, não terminaram. Sobre o CDS começa a cair o "odioso" do que o Governo faz, sobretudo por causa do Código do Trabalho. Em Maio de 2004 dá-se o "clic". No congresso do PSD, reunido em Oliveira da Azeméis, os delegados vão manifestando a sua oposição a uma aliança pré-eleitoral com os democratas-cristãos; o líder do CDS percebe tudo: que iria ser culpado pela derrota nas europeias do mês seguinte, que não haveria listas conjuntas às legislativas (então previstas para 2006), que tinha de mudar as pastas que o CDS tinha no Governo - Defesa, Segurança Social e Justiça - para melhorar a imagem do partido. Logo a seguir às europeias de 13 de Junho, inicia uma campanha de desdiabolização de si próprio e do CDS, que acabaria por lhe ser muito mais fácil do que imaginaria. Durão vai para Bruxelas e o seu amigo Pedro Santana Lopes sobe a líder do PSD e a primeiro-ministro. No novo Governo, Portas faz uma hábil negociação de pastas - mantém a Defesa, ganha as Finanças, o Ambiente e o Turismo, ministérios mais práticos e necessitados de decisão. Nestes últimos coloca dois homens do seu núcleo duro - Nobre Guedes e Telmo Correia. Rapidamente também percebe que o Governo não irá durar até 2006 e começa a gerir o calendário como melhor lhe convém, sem saber quanto tempo ainda terá para mostrar trabalho. O CDS ganhou com Santana? "Parece-me óbvio", responde um dirigente, recusando, evidentemente, ser identificado. Com três anos de experiência e a ajuda de Santana, Portas consegue passar uma imagem de serenidade impensável antes de 2002. E é nessa imagem que aposta nesta campanha, em que não se cansa de repetir palavras como "serenidade" e "estabilidade", pedindo mais votos porque está "em condições de dar mais ao país". "Desde os anos 80 que o presidente do CDS é um sobrevivente. Em 2002 ganhámos o direito à existência sem se colocar uma questão de sobrevivência", diz Portas, que, pela primeira vez em sete anos de liderança do partido, vai a eleições sem que se anuncie previamente a sua morte política. "Já foi dado como morto politicamente por todos e acho que isso lhe deu o calo e a maturidade necessários para valorizar o que é importante e não dar relevo ao que não é", analisa Pires de Lima, que com ele entrou para a política. Paulo Portas já estará conformado com o regresso ao Parlamento depois de 20 de Fevereiro, mas o que gostava mesmo era de continuar no Governo. Seja onde for, continuará a ser "completamente profissional e dedicado", como diz Pedro Guerra: "A melhor definição do Paulo é: profissional, frenético." Eunice Lourenço Jerónimo de SOusa Um político parecido com os portugueses. Está há anos catalogado como o "camarada operário". A campanha eleitoral parece mostrar outro Jerónimo de Sousa. O futebolista praticante. O militante convicto. O orador que se engasga nos ditados "Jerónimo! Joguei à bola consigo no Sanjoanense, lembra-se do Borges?" A cena tem poucos dias. Passou-se em plena campanha eleitoral, em Odemira, quando o secretário-geral do PCP distribuía propaganda aos feirantes pelo Mercado de São Teotónio. Um deles dirigiu-se ao dirigente político para o lembrar dos seus tempos de futebolista. O episódio evidencia uma das características que vai marcando a diferença entre o comunista e os outros candidatos. E mesmo entre este dirigente do PCP e os que o antecederam. "[Ele] é mais de cá, mais ligado aos problemas reais das pessoas do que os outros." A avaliação foi feita nas páginas do "PÚBLICO" por um jovem de 19 anos, de seu nome Ricardo Grácio, de uma das famílias que acompanha a campanha eleitoral para o jornal diário. "Bem melhor do que Carvalhas" remata Ricardo. Com o passar dos dias, Jerónimo de Sousa parece ir conseguindo libertar-se da etiqueta do "camarada operário", para, em vez dessa, reforçar a imagem de um dirigente político capaz de fazer a ponte com aqueles a quem se propõe representar. "Ele é dos nossos", já se ouve dizer. É entre os militantes comunistas que essa empatia se torna visível, em qualquer uma das iniciativas em que o novo secretário-geral participe. As "características pessoais" deste político potenciam a humanização do cargo. O comunista gosta de improvisar nas suas intervenções, e quando o faz costuma recorrer a ditados populares. Até mesmo os seus erros parecem ser valorizados pelos seus apoiantes, como aconteceu na cerimónia de apresentação do cabeça de lista por Lisboa, em Dezembro último. O secretário-geral falava do PS e da forte possibilidade deste partido vencer as eleições, quando quis alertar para a eventualidade de virem a necessitar do resto da esquerda para governar: "É cedo e alguns ainda se podem vir a enganar. Como diz o nosso povo estão a contar com o dito cujo no ovo da galinha, estão... estão... estão a contar com o ovo no dito cujo da galinha..." Por esta altura já a sala batia palmas ao mesmo tempo que se ria com a atrapalhação do líder. Jerónimo de Sousa consegue arrancar, rapidamente, aplausos e palavras de ordem com o seu discurso convicto e inflamado. Exemplo disso foi a reacção dos que estavam no comício de abertura desta campanha eleitoral, que o PCP organizou na Maia, Porto. A sala vibrou quando o secretário-geral, além da habitual exigência de "organização", pediu aos militantes "corações ardentes". Vicente Merendas, dirigente na organização regional de Setúbal que o substituiu na Assembleia da República quando o agora líder regressou às lides sindicais nos anos 90, radica essa identificação no facto de Jerónimo ser um "homem com passado no partido, muito ligado aos trabalhadores". O militante Jorge Nisa elogia-lhe a "tradição". Mas isso não chega para as recepções calorosas. Vicente Merendas sabe disso. "Ajuda ser ele próprio a falar, com aquela clareza. Mostra autenticidade." A mesma autenticidade que o leva a "ainda estar ligado à colectividade da zona onde ele vive". Bruno Dias, deputado por Setúbal, concorda que as suas "características pessoais" ajudam. "Simplicidade", resume o parlamentar comunista. "É uma pessoa bastante sociável, capaz de transmitir confiança às pessoas". "O que as pessoas valorizam nele é poderem dizer, como já ouviu entre a malta da ferrugem, a malta do dominó ou da sueca: 'A gente percebe o que ele diz'."Assim se vai compondo o puzzle que é o perfil do actual secretário-geral do PCP. O que até agora transparecia, provinha da campanha às eleições presidenciais que elegeram Jorge Sampaio e do currículo revisto pelo partido e distribuído pela comunicação social. A espontaneidade fez a sua aparição naquela passagem de ano em que Jerónimo foi para cima de uma mesa dançar. Uma imagem contrastante com o resumo cinzento proveniente da Soeiro Pereira Gomes. Nascido na cintura industrial de Lisboa, perto de Loures, homem casado e pai de duas filhas,militante desde 29 de Abril de 1974, deputado constituinte que provocou algumas atrapalhações em São Bento por não ser doutor nem engenheiro e ter muito orgulho nisso. Para mais tarde fica o apuramento do peso verdadeiro de Jerónimo de Sousa na direcção comunista. Será ele mais um entre os seus pares ou apenas aquele que fica bem nos cartazes eleitorais? Parece que nem mesmo entre as bases partidárias há certezas para responder a essa pergunta. Pelo menos o militante Jorge Nisa, que estava a distribuir propaganda à porta da empresa Mitrena, em Setúbal, não parece ter. "Em termos práticos foram vocês [comunicação social] que o puseram como secretário-geral. Por alguma razão isso aconteceu, não precisa de me vir perguntar o que é faz dele um bom secretário-geral, não é?" Nuno Sá Lourenço José Sócrates O homem a quem tudo corre bem A vida política tem corrido bem a José Sócrates. Certamente melhor do que o próprio esperaria. Há três anos, quando o PSD regressou ao poder, a convicção generalizada entre os socialistas é de que seriam longos os tempos de oposições. Ferro Rodrigues estava na liderança do partido, o processo Casa Pia deixava o partido de rastos - e em particular o seu secretário-geral - e entre muitos dirigentes do PS alvitrava-se que a oposição se poderia prolongar até durante dois mandatos. José Sócrates aguardava a sua vez integrando a direcção de Ferro - foi o único "fundador" do guterrismo que transitou para a direcção do partido após Guterres -, ia aparecendo aos domingos na RTP em serenas confrontações com Pedro Santana Lopes e entediava-se no Parlamento. Nunca disse uma palavra contra Ferro e a única vez que, nesse consulado, deu mostras de dissonância face à direcção que integrava foi para defender o seu amigo José Lamego, que estava a ser fortemente atacado por Ana Gomes (então responsável do PS pelo pelouro das relações internacionais), por Lamego ter aceite integrar a administração internacional dos EUA no Iraque. No Parlamento, entretanto, os seus amigos iam espalhando a ideia de que Ferro era já parte do problema e não da solução, semeando uma candidatura de Sócrates à liderança. Semanas antes das europeias, o ambiente entre Sócrates e Ferro Rodrigues azedou-se. António Costa deixou a liderança da bancada para ser o número dois da lista do PS ao Parlamento de Bruxelas. Ferro escolheu António José Seguro para lhe suceder, defraudando aparentes expectativas do actual secretário-geral. Na noite das europeias, Sócrates integrou o grupo de dirigentes do PS - entre os quais a figura cimeira foi António Costa - que se recusaram expressamente a outorgar ao líder do partido qualquer mérito na pesada vitória que o partido obteve sobre a coligação PSD/CDS. O mérito - afirmou - foi do partido todo e do cabeça de lista em particular, António Sousa Franco, que dias antes falecera de ataque cardíaco, na sequência de uma acção de campanha na lota de Matosinhos, marcada por confrontos entre facções do PS local. O resultado obtido pelo PS nessas eleições fazia parecer que Ferro tinha conseguido superar o processo Casa Pia e até começava a estar em condições de enfrentar com possibilidades de vitória a coligação no poder nas legislativas seguintes - que seriam, se os calendários se cumprissem, em 2006. O PS deveria realizar o seu congresso no Outono. Os amigos de Sócrates empurravam-no para um confronto aberto com Ferro, mas o próprio não dava sinais - pelo menos públicos - de estar disposto a isso. Tinha pouca margem para ser alternativa interna ao secretário-geral, porque, afinal, sempre integrara a sua direcção. Mas dias depois das europeias tudo começou a mudar: na vida de Sócrates e na do país todo. Durão Barroso foi convidado para presidir à Comissão Europeia e aceitou. O Presidente da República via-se confrontado com um dilema: marcar eleições antecipadas ou nomear um novo governo PSD-CDS encabeçado por um novo primeiro-ministro. O PS defendeu, sem grandes gritarias, as eleições antecipadas. Sampaio deu-lhe a "nega" e nomeou Santana Lopes para presidir a um novo Executivo. E Ferro Rodrigues surpreendeu tudo e todos demitindo-se da liderança. Entregou o poder de bandeja a Sócrates. O ex-ministro do Ambiente só teve que esperar uns dias pelo anúncio de não candidatura de Vitorino para confirmar o que já toda a gente esperava: era candidato a secretário-geral. Depois foi o que se viu: um congresso marcado por intenso debate interno e por uma vitória clara; a governação de Santana, tropeçando de trapalhada em trapalhada até à dissolução final, decretada por Jorge Sampaio. E o país atirado para uma campanha eleitoral que ninguém esperava seis meses antes, a começar pelo próprio líder socialista. Não há nenhuma sondagem que não lhe dê o cargo de primeiro-ministro; só falta saber com que maioria. Sócrates parece enfrentar as suas tarefas que como se fosse um predestinado. Usa a sua famosa obstinação - que com muito pouco descamba para a ira - como um trunfo eleitoral (de que a questão da co-incineração é o caso mais claro). Sabe que poderá perder, por isto, votos localizados, mas que ganhará em troca a imagem nacional de um homem que acredita no que diz e que não cede a pressões. Forjou assim a sua imagem. Não foi por acaso que Manuel Alegre o acusou de "cavaquista". José Sócrates discute política desde pequeno. Cresceu na Covilhã, onde o seu pai foi um dos fundadores do PSD local. De 1974 a 1975 militou na JSD da cidade. Saiu da organização desgostado com as derrotas da ala esquerda do PSD, protagonizada por Emídio Guerreiro. Em 1981, voltou a filiar-se, só que desta vez no PS e na JS, pela mão dos seus amigos covilhanenses Jorge e Luís Patrão (este último é agora o seu chefe de gabinete). Integrou desde o início o núcleo duro fundador da facção guterrista do PS, cujo chefe conquistaria a liderança do partido em 1992 e a do país em 1995. Integrou o governo como secretário de Estado e depois subiu a ministro. Deixou marcas na política do ambiente, na defesa do consumidor (facturas detalhadas, seguros automóveis), na conquista para Portugal do Euro 2004. Falhou na recuperação económica da RTP. Estamos assim perante uma carreira política que, até agora, tem sido de grande sucesso, uma vezes por mérito próprio (no Governo), outras por mérito alheio (quando Ferro deixou a liderança). E isto só pode significar uma coisa: o pior está para vir. Sócrates parece consciente disso. João Pedro Henriques Francisco Loucã O líder que não quer ser líder Francisco Louçã não gosta de cometer desvios. No seu discurso, cuidadosamente elaborado, minuciosamente preparado para ilidir cada um dos seus opositores, raras vezes se detectam falhas. Daí que os argumentos que utilizou para refutar Paulo Portas no já famoso frente-a-frente da SIC/Notícias - "não tem direito a falar de vida (...) não sabe o que é gerar uma vida. Eu sei porque tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança. Sei o que é gerar uma vida" - tenham gerado uma vaga de indignação e contestação públicas propaladas pela esquerda e pela direita. Os dirigentes bloquistas (ver PÚBLICO de 22/01) vieram em socorro de Louçã, manifestando a sua solidariedade com o líder. Estes apoios acabaram por agudizar as críticas que alvejaram Louçã. Que, cerca de uma semana depois, e notoriamente decidido a "apagar a nódoa", admitiu que as suas declarações tinham sido "infelizes". Numa recente entrevista à revista "Sábado", Louçã afirmou que não existem unanimismos no interior do Bloco: "No dia em que existisse unanimismo dentro do BE... aí é que ficaríamos preocupados." A verdade é que não se ouviu uma única voz divergente - à excepção do terceiro candidato pelo círculo de Coimbra, Luís Januário, que fez questão de se demarcar da posição de Louçã, criticando-o no seu blogue (anaturezadomal.blogspot.com). Tal como os restantes partidos do espectro político nacional, também o Bloco não se coíbe de propagandear o pluralismo de vozes no partido. Não foi isso que se viu após o frente-a-frente com Paulo Portas, embora alguns dirigentes tivessem preferido ficar calados, atendendo ao delicado período da campanha eleitoral. Francisco Louçã não gosta que lhe colem o epíteto de líder do BE - uma das perguntas mais recorrentes que lhe fazem é: "Por que não quer ser secretário-geral?" Mas age como tal, recolhe um consenso interno semelhante àquele que têm outros líderes partidários, na bancada parlamentar tem um protagonismo inigualável e é visivelmente mais popular que o próprio Bloco. Será que mais tarde ou mais cedo os bloquistas terão de defrontar-se com a alteração dos seus estatutos, preterindo a actual direcção colegial a favor da eleição de um secretário-geral? Louçã e Luís Fazenda rejeitam esta hipótese, Miguel Portas diz que há um "acordo" para o BE "levar tão longe quanto possível a informalidade que existe em termos de funcionamento interno", mas não fecha a porta à eventual necessidade de o crescimento do partido exigir a figura de um "coordenador". Marina Costa Lobo, investigadora no Instituto de Ciências Sociais e autora do capítulo "O impacto dos líderes partidários: uma escolha entre candidatos pouco populares" (in "Portugal a Votos - as eleições legislativas de 2002", de André Freire, Costa Lobo e Pedro Magalhães), entende que a fórmula utilizada pelo BE (a aparente ausência de um líder) "tem sucesso" e, consequentemente, "traz silêncio". Luís Fazenda assegura à Pública que a questão de eleger um secretário-geral "nunca foi colocada" dentro do partido. Costa Lobo não acredita, porém, que a opinião de Louçã nas reuniões internas "tenha o mesmo peso que a de outros dirigentes" e explica que o facto de ele insistir na rejeição de ser o líder do BE configura numa "estratégia de não identificação com os outros líderes da esquerda". A médio ou longo prazo, acrescenta a investigadora, "o crescimento do Bloco vai levá-lo a ter recursos mais organizados e a adquirir as características dos outros partidos". À Pública, Francisco Louçã, cabeça de lista pelo distrito de Lisboa, recusa a "noção de partido vertical", que, aponta, "é do século XIX". "Na política moderna, a diversidade deve ser vista como modernidade", acrescenta. O BE, justifica, opta por "contrabalançar" os poderes e os protagonismos. Mas admite que carrega a "responsabilidade" de ser visto como o líder dos bloquistas: "É claro que me vêem como o porta-voz, não fujo a essa responsabilidade". Luís Fazenda, co-fundador do Bloco, diz que o partido "dá-se bem" com o método da direcção colegial, mas tal não invalida que se olhe para Louçã como "o principal porta-voz". E prossegue: "Louçã é um político assumidíssimo, necessariamente diferente dos outros." Miguel Portas, eleito eurodeputado nas últimas eleições europeias, partilha com Fazenda a opinião de que Louçã "é evidentemente a primeira figura pública" do Bloco, mas relembra, logo de seguida, que, "durante alguns anos, iam rodando os nomes" (refere-se a ele próprio, Fazenda e Fernando Rosas). A popularidade alcançada por Louçã está, porém, muito distante daquela que os restantes fundadores até poderiam almejar. Diante desta constatação, Miguel Portas destaca a actuação parlamentar de Louçã, cujas intervenções (sobretudo durante o mandato de Durão Barroso) "acentuaram" esse protagonismo. E continua: "Não exagero se disser que ele é o melhor deputado que o Parlamento tem, mas isso não significa que se apague o resto." Ressalva que "dentro do Bloco não há líder", mas antes uma "comissão permanente", uma vez que o partido "escolhe os rostos para cada combate". E, frisa, "o rosto público de um partido não é necessariamente o melhor coordenador interno". Gostaria de vir a ser secretário-geral do Bloco? "Não. Todos nós somos inteiramente livres na política e nunca houve conflitos por causa da liderança", responde o actual eurodeputado. Louçã chegou a afirmar, em entrevista, que não seria um bom secretário-geral. "Provavelmente tem razão", comenta Miguel Portas. Maria José Oliveira OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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