Que Treta!

05-05-2020
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Esta é a receita da moda para combater desigualdades de género: escolhe-se um indicador estatisticamente diferente em homens e mulheres; presume-se causado por estereótipos e fácil de mudar com exemplos ou educação; tenta-se mudar e, quando se descobre que não muda, impõe-se quotas. Por cá, a receita já foi seguida até ao fim na administração de empresas e nas eleições mas, mesmo sem esta fase terminal, o processo todo peca por assumir que as predisposições visadas são fáceis de ajustar e por presumir que é papel legítimo do Estado tentar condicionar a maneira de ser das pessoas.

Pensemos no que faz alguém sentir-se atraído por outrem, sexualmente ou romanticamente. Apesar da a orientação sexual, fetiches e outras preferências variarem muito de pessoa para pessoa, e de ser tudo influenciado por factores sociais, ainda assim há uma diferença média significativa entre o que atrai homens e o que atrai mulheres. Não permite prever muito acerca de cada indivíduo, porque cada um é só como si próprio, mas há uma correlação grande na população que, inevitavelmente, estraga as estatísticas da igualdade de género. Os homens tendem a preferir parceiras com indicadores físicos de fertilidade, o que inclui a idade, por razões óbvias quando pensamos na evolução do nosso desejo sexual. As mulheres também preferem parceiros com bons genes mas, em média, não preferem parceiros mais jovens pois não é o homem quem aguenta a gravidez e o parto. Esta diferença de preferências afecta muitas estatísticas, desde a diferença média de 8 anos entre actrizes e actores quando ganham o primeiro Oscar (1) à diferença de dois ou três anos entre a mãe e o pai quando nasce o primeiro filho (2). Por sua vez, a diferença de idades entre o pai e a mãe quando o filho nasce contribui para que, nessa altura, o pai tenda a ter um salário maior do que o da mãe. Acresce a isto vantagem que a mulher jovem tem por deter quase tudo o que é preciso para constituir família, permitindo-lhe escolher um parceiro com melhor estatuto sócio-económico. Por seu lado, ao homem não compensa ser exigente neste critério porque não só precisa que a parceira entre com todo o capital biológico como a sua confiança acerca da paternidade está dependente de a convencer a concedê-lo em exclusividade. Por isso o homem tende a preferir uma mulher que precise dele, nem que seja para pagar as contas. Isto nota-se bem nas estatísticas das diferenças salariais. Não são simplesmente entre homens e mulheres. A maior diferença parece ser entre homens casados e o resto (3). Considerando as preferências diferentes quanto à idade e nível sócio-económico dos parceiros e outras diferenças como o parto e a capacidade de amamentar, não é estranho que o rendimento das mulheres caia significativamente quando nasce o primeiro filho (4). Tanto a biologia como as escolhas feitas até esse momento contribuem para que seja o homem a trazer recursos e a mulher a ficar com a criança.

Obviamente, não será popular defender que o Estado deve persuadir as mulheres a escolher parceiros mais jovens e mais pobres para que sejam elas a ir trabalhar, ficando eles em casa com as crianças. Isso punha a nu os problema fundamentais da receita. É por isso preciso inventar causas hipotéticas cuja regulação pelo colectivo seja mais aceitável. Os estereótipos são uma opção sempre popular mas, no Observador, João Pires da Cruz dá um exemplo alternativo: o problema é as mulheres serem perfeccionistas (5). É este perfeccionismo que, segundo Cruz, temos de corrigir às raparigas logo na escola. Mas além de não ser claro como se corrige o perfeccionismo, ou sequer que legitimidade temos para o fazer – não será um direito ser perfeccionista? – as evidências que Cruz apresenta para a sua hipótese são pouco persuasivas.

Começa por apontar que, no ginásio, estão só as «magras, vestidas impecavelmente e […] a risca dos sapatos combina com o tom da camisola». Mas isto é o que se espera pela diferente importância que homens e mulheres dão à aparência em potenciais parceiros sexuais. Se um homem pudesse entrar num bar e garantir encontrar várias mulheres dispostas a ter relações sexuais com ele simplesmente pela forma como ele se vestisse, era certinho que os homens andariam todos produzidos. Como, aliás, é frequente nos homossexuais. Outra diferença que Cruz aponta é que «as mulheres só se candidatam a um posto se cumprirem 100% dos requisitos, os homens candidatam-se se cumprirem 60%». Também não precisamos de invocar um perfeccionismo particularmente feminino para explicar esta diferença. É razoável uma pessoa candidatar-se apenas aos cargos para os quais tem as qualificações necessárias. Excepto se está sob pressão para ter um cargo com mais prestígio ou remuneração porque, por exemplo, dificilmente atrairá a atenção de uma mulher se não o conseguir.

O primeiro problema desta receita para conseguir igualdade alterando as mentalidades é não haver, na prática, forma de o fazer. A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género julga que se atinge a igualdade controlando a publicidade e os livros de actividades para crianças. É pouco plausível. Desde cedo que rapazes e raparigas percebem o que é que atrai o outro sexo. Não adianta insistir com uma rapariga que mais vale ter uma carreira do que ser bonita quando é óbvio o poder da aparência feminina. Até há mulheres que fazem carreira disso. E ensinar a um rapaz que não tem mal nenhum viver com uma mulher de carreira e ficar em casa a cuidar dos filhos não o impede de estimar, realisticamente, que nenhuma mulher de carreira vai querer sustentar um tipo desempregado em casa.

O segundo problema da receita é ainda mais grave. A razão principal para as diferenças estatísticas entre homens e mulheres é que nem os homens querem ser como as mulheres nem as mulheres querem ser como os homens. Isso não se deve corrigir. Deve-se respeitar.

1- Deseret, Oscars illustrate Hollywood’s gender age gap
2- Não encontrei dados para Portugal, mas parece ser bastante constante. Aqui vão alguns links: Noruega, República Checa, Inglaterra e Gales.
3- Quartz, The gender wage gap is between married men and everyone else
4- Vox, A stunning chart shows the true cause of the gender wage gap
5- Observador, João Pires da Cruz, Não há mulheres gordas no ginásio


Esta é a receita da moda para combater desigualdades de género: escolhe-se um indicador estatisticamente diferente em homens e mulheres; presume-se causado por estereótipos e fácil de mudar com exemplos ou educação; tenta-se mudar e, quando se descobre que não muda, impõe-se quotas. Por cá, a receita já foi seguida até ao fim na administração de empresas e nas eleições mas, mesmo sem esta fase terminal, o processo todo peca por assumir que as predisposições visadas são fáceis de ajustar e por presumir que é papel legítimo do Estado tentar condicionar a maneira de ser das pessoas.

Pensemos no que faz alguém sentir-se atraído por outrem, sexualmente ou romanticamente. Apesar da a orientação sexual, fetiches e outras preferências variarem muito de pessoa para pessoa, e de ser tudo influenciado por factores sociais, ainda assim há uma diferença média significativa entre o que atrai homens e o que atrai mulheres. Não permite prever muito acerca de cada indivíduo, porque cada um é só como si próprio, mas há uma correlação grande na população que, inevitavelmente, estraga as estatísticas da igualdade de género. Os homens tendem a preferir parceiras com indicadores físicos de fertilidade, o que inclui a idade, por razões óbvias quando pensamos na evolução do nosso desejo sexual. As mulheres também preferem parceiros com bons genes mas, em média, não preferem parceiros mais jovens pois não é o homem quem aguenta a gravidez e o parto. Esta diferença de preferências afecta muitas estatísticas, desde a diferença média de 8 anos entre actrizes e actores quando ganham o primeiro Oscar (1) à diferença de dois ou três anos entre a mãe e o pai quando nasce o primeiro filho (2). Por sua vez, a diferença de idades entre o pai e a mãe quando o filho nasce contribui para que, nessa altura, o pai tenda a ter um salário maior do que o da mãe. Acresce a isto vantagem que a mulher jovem tem por deter quase tudo o que é preciso para constituir família, permitindo-lhe escolher um parceiro com melhor estatuto sócio-económico. Por seu lado, ao homem não compensa ser exigente neste critério porque não só precisa que a parceira entre com todo o capital biológico como a sua confiança acerca da paternidade está dependente de a convencer a concedê-lo em exclusividade. Por isso o homem tende a preferir uma mulher que precise dele, nem que seja para pagar as contas. Isto nota-se bem nas estatísticas das diferenças salariais. Não são simplesmente entre homens e mulheres. A maior diferença parece ser entre homens casados e o resto (3). Considerando as preferências diferentes quanto à idade e nível sócio-económico dos parceiros e outras diferenças como o parto e a capacidade de amamentar, não é estranho que o rendimento das mulheres caia significativamente quando nasce o primeiro filho (4). Tanto a biologia como as escolhas feitas até esse momento contribuem para que seja o homem a trazer recursos e a mulher a ficar com a criança.

Obviamente, não será popular defender que o Estado deve persuadir as mulheres a escolher parceiros mais jovens e mais pobres para que sejam elas a ir trabalhar, ficando eles em casa com as crianças. Isso punha a nu os problema fundamentais da receita. É por isso preciso inventar causas hipotéticas cuja regulação pelo colectivo seja mais aceitável. Os estereótipos são uma opção sempre popular mas, no Observador, João Pires da Cruz dá um exemplo alternativo: o problema é as mulheres serem perfeccionistas (5). É este perfeccionismo que, segundo Cruz, temos de corrigir às raparigas logo na escola. Mas além de não ser claro como se corrige o perfeccionismo, ou sequer que legitimidade temos para o fazer – não será um direito ser perfeccionista? – as evidências que Cruz apresenta para a sua hipótese são pouco persuasivas.

Começa por apontar que, no ginásio, estão só as «magras, vestidas impecavelmente e […] a risca dos sapatos combina com o tom da camisola». Mas isto é o que se espera pela diferente importância que homens e mulheres dão à aparência em potenciais parceiros sexuais. Se um homem pudesse entrar num bar e garantir encontrar várias mulheres dispostas a ter relações sexuais com ele simplesmente pela forma como ele se vestisse, era certinho que os homens andariam todos produzidos. Como, aliás, é frequente nos homossexuais. Outra diferença que Cruz aponta é que «as mulheres só se candidatam a um posto se cumprirem 100% dos requisitos, os homens candidatam-se se cumprirem 60%». Também não precisamos de invocar um perfeccionismo particularmente feminino para explicar esta diferença. É razoável uma pessoa candidatar-se apenas aos cargos para os quais tem as qualificações necessárias. Excepto se está sob pressão para ter um cargo com mais prestígio ou remuneração porque, por exemplo, dificilmente atrairá a atenção de uma mulher se não o conseguir.

O primeiro problema desta receita para conseguir igualdade alterando as mentalidades é não haver, na prática, forma de o fazer. A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género julga que se atinge a igualdade controlando a publicidade e os livros de actividades para crianças. É pouco plausível. Desde cedo que rapazes e raparigas percebem o que é que atrai o outro sexo. Não adianta insistir com uma rapariga que mais vale ter uma carreira do que ser bonita quando é óbvio o poder da aparência feminina. Até há mulheres que fazem carreira disso. E ensinar a um rapaz que não tem mal nenhum viver com uma mulher de carreira e ficar em casa a cuidar dos filhos não o impede de estimar, realisticamente, que nenhuma mulher de carreira vai querer sustentar um tipo desempregado em casa.

O segundo problema da receita é ainda mais grave. A razão principal para as diferenças estatísticas entre homens e mulheres é que nem os homens querem ser como as mulheres nem as mulheres querem ser como os homens. Isso não se deve corrigir. Deve-se respeitar.

1- Deseret, Oscars illustrate Hollywood’s gender age gap
2- Não encontrei dados para Portugal, mas parece ser bastante constante. Aqui vão alguns links: Noruega, República Checa, Inglaterra e Gales.
3- Quartz, The gender wage gap is between married men and everyone else
4- Vox, A stunning chart shows the true cause of the gender wage gap
5- Observador, João Pires da Cruz, Não há mulheres gordas no ginásio

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