Ana Gomes. "É perigoso Marcelo continuar Presidente da República no pós-Costa"

12-12-2020
marcar artigo

Deixe-me dar outro exemplo, então. Na sexta-feira, numa visita a Lamego, a propósito do Novo Banco, disse isto: “Há dinheiro, está é a ir para os bolsos de esquemas criminosos e o Estado não pode ser mais conivente e ser o organizador desses esquemas, como no fundo é o caso”. O Estado é organizador de esquemas criminosos?

Aí está um bom exemplo em que eu reportei, não apenas às autoridades nacionais, mas também às autoridades europeias, logo em 2018, o contrato da venda do Novo Banco ao fundo Lone Star. Aliás, na linha de ‘n’ outras informações sobre o BES que eu tinha enviado para as autoridades europeias, sem que se tenham desenvolvido ações para desvendar-se, por exemplo, os contratos de dissipação do património BES que estavam no portefólio do Novo Banco. Esse património está a ser vendido em benefício da Lone Star por esse esquema em que os próprios contribuintes portugueses e o Estado português continuam a pôr dinheiro no Novo Banco. A dissipação do património, não se sabendo quem são os adquirentes desse património, é um esquema altamente questionável e criminoso. Há aqui uma nebulosa, que de facto leva a crer que pode haver aqui esquemas criminosos. Dou-lhe outro exemplo, relacionado com esse: o BES Angola, que se transformou em banco económico ainda recentemente. Viemos a saber que o próprio Fundo de Resolução teria de pôr dinheiro por dívidas do banco económico ao Novo Banco. Ora bem, o que é que é o banco económico se não o BESA? E o BESA era um banco solvente do qual o BES tinha mais de 50% do capital. De repente, miraculosamente, transformou-se em banco económico e o Estado, que tinha nessa altura sob a sua alçada o BES, passou a ter apenas 9%. Como é possível que até hoje, e eu escrevi cartas ao ministro das Finanças Mário Centeno, ao Banco de Portugal e às autoridades europeias, isto não tenha sido desvendado? Porque, no fundo, estamos a falar de ativos e do BESA eram cerca de 3 mil milhões, que desapareceram no ar e o Estado português não mexeu um dedo para os recuperar.

Só para ficar claro: há essa nebulosa toda de que está a falar, mas também há um parecer do vice-Procurador-Geral da República que disse não haver indícios para investigar o Novo Banco. Quer dizer que não confia no parecer do Ministério Público?

Num parecer que foi feito num curtíssimo espaço de tempo, não sou só eu, há imensas outras pessoas incluindo deputados da Assembleia da República a porem em dúvida, de facto, o âmbito daquilo que foi estudado por esse parecer da PGR. Gostaria de ver todo o processo BES há muito tempo começar a ser julgado e é um daqueles casos em que eu suspeito, e já o tenho afirmado e volto a repetir, que o esquema de organização de um megaprocesso é no fundo um artifício, uma maneira de garantir que se está a trabalhar para a prescrição e não para o apuramento das responsabilidades.

Na realidade aquilo que disse sobre os megaprocessos é que eles são uma “estratégia deliberada de baralhar tudo e de impedir que se faça justiça em tempo útil”.

É verdade. E mantenho.

Portanto, o parecer do vice-Procurador-Geral da República não lhe merece crédito e, além disso, há pessoas no Ministério Público que querem baralhar tudo e impedir que se faça justiça em tempo útil. Quem são estas pessoas? Que conspiração enorme é esta que existe no Ministério Público para impedir que se saiba a verdade?

Já disse várias vezes que, por exemplo, em relação aos submarinos, que houve claramente uma intervenção política dentro da própria estrutura da PGR para impedir que se fizesse julgamento.

Em vários processos? Portanto temos várias pessoas envolvidas no MP numa conspiração.

Dou-lhe vários exemplos de vários processos em que é inaceitável que não haja julgamento.

Sempre que não concorda com os resultados vê uma conspiração.

Não. No caso dos submarinos posso demonstrar, aliás tentei com base nas informações expostas pelos Panama Papers reabrir o caso e foi a PGR que entendeu não o fazer. No Novo Banco também. Nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e todos processos decorrentes estão a aboborar na PGR.

Portanto, o MP está cheio de pessoas que fazem parte de uma conspiração?

E dou-lhe o caso mais flagrante: em que quem põe o processo nas mãos da PGR é o Governo. O Governo de António Costa pela mão do secretário de Estado Fernando Rocha Andrade, que é o caso do apagão fiscal. Dez mil milhões de euros que nos anos da troika…

Já conhecemos esses casos.

Conhecemos esses casos, mas não conhecemos a verdade porque a justiça não funcionou.

Está convencida de que o MP está cheio de pessoas que conspiram para não fazer justiça?

Não. Isso é você que está a dizer. Estou convencida de que o MP e os tribunais estão cheios de pessoas competentes, capazes, desejosas de fazer justiça, também têm algumas pessoas que, se calhar, não estão nessa e certamente há intervenções de alto nível que, de facto, determinam que os processos não cheguem a julgamento, prescrevam ou se arrastem de tal maneira que de facto depois inviabilizem que se faça justiça.

Se for eleita no dia 24 de janeiro o que vai fazer? Vai demitir a atual PGR? Vai promover mudanças na estrutura do MP?

Vou ter como uma das questões prioritárias para a saúde da democracia em Portugal que a justiça funcione. Justiça demorada é justiça negada.

Mas o que vai fazer no Ministério Público?

Há imensas intervenções que o Presidente da República pode fazer para que aqueles operadores, que são sérios, competentes, que querem fazer o seu trabalho, se sintam encorajados e não impedidos e travados de fazer o seu trabalho. Porque esta também é a história do que eu tenho visto no funcionamento da justiça. Há imensa gente séria, capaz, que querem fazer o seu trabalho e que depois recebem ordens para arquivar, para deixar prescrever.

“Marcelo Rebelo de Sousa é o maior instabilizador da democracia portuguesa”

E os juízes que acompanham esses processos, também eles são permeáveis?

Muitas vezes, na maior parte dos casos, nem chega aos juízes. E nos juízes estamos conversados quando temos cinco juízes do Tribunal da Relação mancomunados num esquema de corrupção e num esquema de se permitirem ser comprados pelo chamado sistema de arbitragem de justiça não estadual, estamos conversados. Há aqui problemas terríveis de disfunção na justiça. Sim, essa tem de ser uma questão primeira de quem for Presidente da República. O que não farei certamente é isto que fez o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que veio dizer numa reunião partidária, do seu partido, a propósito dos 40 anos do aniversário da morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, que está convencido de que foi um atentado. Se eu fosse Presidente da República e estivesse convencida disso, e por acaso também estou, que foi um atentado e que não foi acidente, eu não descansaria, sobretudo quando há um relatório do Estado, que compromete todo o Estado, a dizer o contrário.

Mas respeitaria a separação de poderes?

Quando houve um secretário de Estado cuja demissão foi exigida exatamente por dizer que não acreditava na tese do acidente — estou falar de Ricardo Sá Fernandes –, não é possível que alguém seja Presidente da República, esteja convencido de que aquilo foi um atentado e aceite que se mantenha esta ficção, comprometendo todo o Estado de que foi um acidente.

Deixe-me dar outro exemplo, então. Na sexta-feira, numa visita a Lamego, a propósito do Novo Banco, disse isto: “Há dinheiro, está é a ir para os bolsos de esquemas criminosos e o Estado não pode ser mais conivente e ser o organizador desses esquemas, como no fundo é o caso”. O Estado é organizador de esquemas criminosos?

Aí está um bom exemplo em que eu reportei, não apenas às autoridades nacionais, mas também às autoridades europeias, logo em 2018, o contrato da venda do Novo Banco ao fundo Lone Star. Aliás, na linha de ‘n’ outras informações sobre o BES que eu tinha enviado para as autoridades europeias, sem que se tenham desenvolvido ações para desvendar-se, por exemplo, os contratos de dissipação do património BES que estavam no portefólio do Novo Banco. Esse património está a ser vendido em benefício da Lone Star por esse esquema em que os próprios contribuintes portugueses e o Estado português continuam a pôr dinheiro no Novo Banco. A dissipação do património, não se sabendo quem são os adquirentes desse património, é um esquema altamente questionável e criminoso. Há aqui uma nebulosa, que de facto leva a crer que pode haver aqui esquemas criminosos. Dou-lhe outro exemplo, relacionado com esse: o BES Angola, que se transformou em banco económico ainda recentemente. Viemos a saber que o próprio Fundo de Resolução teria de pôr dinheiro por dívidas do banco económico ao Novo Banco. Ora bem, o que é que é o banco económico se não o BESA? E o BESA era um banco solvente do qual o BES tinha mais de 50% do capital. De repente, miraculosamente, transformou-se em banco económico e o Estado, que tinha nessa altura sob a sua alçada o BES, passou a ter apenas 9%. Como é possível que até hoje, e eu escrevi cartas ao ministro das Finanças Mário Centeno, ao Banco de Portugal e às autoridades europeias, isto não tenha sido desvendado? Porque, no fundo, estamos a falar de ativos e do BESA eram cerca de 3 mil milhões, que desapareceram no ar e o Estado português não mexeu um dedo para os recuperar.

Só para ficar claro: há essa nebulosa toda de que está a falar, mas também há um parecer do vice-Procurador-Geral da República que disse não haver indícios para investigar o Novo Banco. Quer dizer que não confia no parecer do Ministério Público?

Num parecer que foi feito num curtíssimo espaço de tempo, não sou só eu, há imensas outras pessoas incluindo deputados da Assembleia da República a porem em dúvida, de facto, o âmbito daquilo que foi estudado por esse parecer da PGR. Gostaria de ver todo o processo BES há muito tempo começar a ser julgado e é um daqueles casos em que eu suspeito, e já o tenho afirmado e volto a repetir, que o esquema de organização de um megaprocesso é no fundo um artifício, uma maneira de garantir que se está a trabalhar para a prescrição e não para o apuramento das responsabilidades.

Na realidade aquilo que disse sobre os megaprocessos é que eles são uma “estratégia deliberada de baralhar tudo e de impedir que se faça justiça em tempo útil”.

É verdade. E mantenho.

Portanto, o parecer do vice-Procurador-Geral da República não lhe merece crédito e, além disso, há pessoas no Ministério Público que querem baralhar tudo e impedir que se faça justiça em tempo útil. Quem são estas pessoas? Que conspiração enorme é esta que existe no Ministério Público para impedir que se saiba a verdade?

Já disse várias vezes que, por exemplo, em relação aos submarinos, que houve claramente uma intervenção política dentro da própria estrutura da PGR para impedir que se fizesse julgamento.

Em vários processos? Portanto temos várias pessoas envolvidas no MP numa conspiração.

Dou-lhe vários exemplos de vários processos em que é inaceitável que não haja julgamento.

Sempre que não concorda com os resultados vê uma conspiração.

Não. No caso dos submarinos posso demonstrar, aliás tentei com base nas informações expostas pelos Panama Papers reabrir o caso e foi a PGR que entendeu não o fazer. No Novo Banco também. Nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e todos processos decorrentes estão a aboborar na PGR.

Portanto, o MP está cheio de pessoas que fazem parte de uma conspiração?

E dou-lhe o caso mais flagrante: em que quem põe o processo nas mãos da PGR é o Governo. O Governo de António Costa pela mão do secretário de Estado Fernando Rocha Andrade, que é o caso do apagão fiscal. Dez mil milhões de euros que nos anos da troika…

Já conhecemos esses casos.

Conhecemos esses casos, mas não conhecemos a verdade porque a justiça não funcionou.

Está convencida de que o MP está cheio de pessoas que conspiram para não fazer justiça?

Não. Isso é você que está a dizer. Estou convencida de que o MP e os tribunais estão cheios de pessoas competentes, capazes, desejosas de fazer justiça, também têm algumas pessoas que, se calhar, não estão nessa e certamente há intervenções de alto nível que, de facto, determinam que os processos não cheguem a julgamento, prescrevam ou se arrastem de tal maneira que de facto depois inviabilizem que se faça justiça.

Se for eleita no dia 24 de janeiro o que vai fazer? Vai demitir a atual PGR? Vai promover mudanças na estrutura do MP?

Vou ter como uma das questões prioritárias para a saúde da democracia em Portugal que a justiça funcione. Justiça demorada é justiça negada.

Mas o que vai fazer no Ministério Público?

Há imensas intervenções que o Presidente da República pode fazer para que aqueles operadores, que são sérios, competentes, que querem fazer o seu trabalho, se sintam encorajados e não impedidos e travados de fazer o seu trabalho. Porque esta também é a história do que eu tenho visto no funcionamento da justiça. Há imensa gente séria, capaz, que querem fazer o seu trabalho e que depois recebem ordens para arquivar, para deixar prescrever.

“Marcelo Rebelo de Sousa é o maior instabilizador da democracia portuguesa”

E os juízes que acompanham esses processos, também eles são permeáveis?

Muitas vezes, na maior parte dos casos, nem chega aos juízes. E nos juízes estamos conversados quando temos cinco juízes do Tribunal da Relação mancomunados num esquema de corrupção e num esquema de se permitirem ser comprados pelo chamado sistema de arbitragem de justiça não estadual, estamos conversados. Há aqui problemas terríveis de disfunção na justiça. Sim, essa tem de ser uma questão primeira de quem for Presidente da República. O que não farei certamente é isto que fez o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que veio dizer numa reunião partidária, do seu partido, a propósito dos 40 anos do aniversário da morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, que está convencido de que foi um atentado. Se eu fosse Presidente da República e estivesse convencida disso, e por acaso também estou, que foi um atentado e que não foi acidente, eu não descansaria, sobretudo quando há um relatório do Estado, que compromete todo o Estado, a dizer o contrário.

Mas respeitaria a separação de poderes?

Quando houve um secretário de Estado cuja demissão foi exigida exatamente por dizer que não acreditava na tese do acidente — estou falar de Ricardo Sá Fernandes –, não é possível que alguém seja Presidente da República, esteja convencido de que aquilo foi um atentado e aceite que se mantenha esta ficção, comprometendo todo o Estado de que foi um acidente.

marcar artigo