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14-01-2003
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SAPO Cinema

Entrevista com Mário Dorminsky - Parte I

O Fantasporto é um marco incontornável no panorama do cinema português. Desde o surgimento do primeiro festival no início dos anos 80, até à edição actual, marcada pelo Porto 2001, muitas foram as mudanças, mas o espírito manteve-se. Leia a entrevista com um dos fundadores e actual presidente do Fantasporto.

SAPO: Como começou o Fantasporto?

Mário Dorminsky: É um projecto que aparece um pouco por acaso, na sequência do trabalho de um grupo de cinéfilos ligados sobretudo ao cineclube do Porto o chamado Cinceclube do Norte - que se reuniram em 1978 para criar uma revista, a “Cinema Novo”. Era uma revista de características intelectuais, que fazia sobretudo a análise semióptica do cinema, a análise da crítica. Fazia um tipo de estudo sobre a obra cinematográfica, profunda e séria. Era sobretudo um resultado do cinema que se via na altura. Eram sobretudo os filmes do Godard, do Visconti, do Roman Polanski. Na altura praticamente toda a gente que trabalhava na revista eram críticos de cinema nos jornais portugueses. No final do ano de 78 sentimos logo que havia necessidade de criar uma relação directa com os nossos leitores.

Surgiu a ideia de fazer ciclos de cinema e os primeiros contactos que tivemos foram com a Fundação Calouste Gulbenkian com a qual realizámos o nosso primeiro ciclo, dedicado ao cinema brasileiro. Paralelamente, fizemos uma revista dedicada ao cinema brasileiro e, a partir daí comecámos a realizar ciclos dedicados a realizadores e a temáticas ou géneros.

Um dos ciclos que decidimos fazer em determinada altura era dedicado ao cinema fantástico, mas numa perspectiva muito ampla, ou seja, o cinema fantástico enquanto género criativo, imaginativo. Tudo o que não era realismo era fantástico. Esse ciclo tinha mais relevância depois do aparecimentos de dois filmes que marcaram muito o circuito comercial no final dos anos 70: “A Guerra das Estrelas” do George Lucas e os “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” do Steven Spielberg. Nós organizámos e anunciámos o ciclo numa sala recuperada para a cidade, o Auditório Nacional Carlos Alberto e chamámos-lhe Fantasporto.

SAPO: Como surgiu o nome?

M.D.: O nome veio naturalmente, quando começámos a enviar cartas às distribuidoras, a pedir filmes, escrevíamos Fantas na referência e a localização no Porto, associámos os dois elementos, que soavam bem e assim ficou o nome.

O festival foi lançado nas notas de imprensa usuais e estranhamente, há um jornal, o "Correio da Manhã" que escolhe como título “Sangue Invade Ruas do Porto”. Os outros jornais e televisões foram tentar saber o que se passava e o Fantasporto apareceu como fenómeno mediático.

Nesse primeiro ano, tivemos um impacto grande na comunicação social, as pessoas aderiram, esgotando por completo as três sessões por dia durante quinze dias. Só que a programação desse ano era muito clara do que considerávamos ser o cinema fantástico. Pegámos no expressionismo alemão, Fritz Lang, Murnau, pegámos no cinema francês romântico do Marcel Carné, do Jean Cocteau, pegámos nuns filmes de Roger Vadim com histórias extraordinárias, pegámos no cinema português de características fantásticas como o do António de Macedo e o do Vicente Jorge Silva, que tinha uma curta-metragem chamada “A Bicicleta”, e fizémos uma chamada sessão de noite principal que tinham os nomes do fantástico que achávamos mais importantes, mas aos quais as pessoas não deram nenhuma importância, com nomes como Brian de Palma com o “Carrie” e Ridley Scott com “Alien”. Isso funcionou tão bem que a comunicação social disse-nos que tínhamos que realizar um ciclo de cinema e isso aconteceu.

SAPO: Como evoluiu o Fantasporto a partir daí?

M.D.: Em 82 a estrutura era já muitíssimo mais elaborada, não foi feita com base em filmes do circuito comercial, já havia um júri, já havia uma selecção de filmes a concurso na área do fantástico e conseguimos ter o apoio das salas Lumière, mesmo em frente ao Auditório Nacional Carlos Alberto, e aí se criou o primeiro triplex do Porto.

Mas nós não ficámos presos ao cinema fantástico e logo em 83 deixa de se chamar Festival Internacional de Cinema Fantástico do Porto, para se passar a chamar Festival Internacional de Cinema do Porto. Essa mudança surgiu porque decidimos colocar uma área que nos pareceu lógica: o thriller urbano, que estava a aparecer nas salas comerciais. Sentimos que havia necessidade de alargar o âmbito. Anos mais tarde, já por volta dos anos 90, decidimos criar um outro espaço no festival, a semana dos Realizadores, criando uma estrutura em tudo semelhante à que tínhamos com o fantástico, realizando restrospectivas, tendo um juri próprio, no fundo fazendo dois festivais paralelos.

Esse projecto demorou um bocadinho a agarrar, era mais difícil, mais cinéfilo e cinco anos depois, em 1995 podemos dizer que essa área estava já igual à do cinema fantástico em termos de público. E há três anos arrancámos com outro projecto, na área da música, porque achamos que a música tem ligações objectivas e directas com o cinema. Primeiro na área de videoclips e mais tarde com restrospectivas, como a do ano passado dedicada ao David Bowie, que aliás foi um grande empurrão para essa relação do festival com a música. Este ano, por exemplo, temos uma secção de videoclips com três áreas de competição: uma nacional, uma internacional e outra dedicada ao fantástico, com um júri próprio e um patrocínio do canal musical MCM que faz uma ponte entre Portugal e França ou entre Portugal e Europa.

Segunda parte

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Entrevista com Mário Dorminsky - Parte I

O Fantasporto é um marco incontornável no panorama do cinema português. Desde o surgimento do primeiro festival no início dos anos 80, até à edição actual, marcada pelo Porto 2001, muitas foram as mudanças, mas o espírito manteve-se. Leia a entrevista com um dos fundadores e actual presidente do Fantasporto.

SAPO: Como começou o Fantasporto?

Mário Dorminsky: É um projecto que aparece um pouco por acaso, na sequência do trabalho de um grupo de cinéfilos ligados sobretudo ao cineclube do Porto o chamado Cinceclube do Norte - que se reuniram em 1978 para criar uma revista, a “Cinema Novo”. Era uma revista de características intelectuais, que fazia sobretudo a análise semióptica do cinema, a análise da crítica. Fazia um tipo de estudo sobre a obra cinematográfica, profunda e séria. Era sobretudo um resultado do cinema que se via na altura. Eram sobretudo os filmes do Godard, do Visconti, do Roman Polanski. Na altura praticamente toda a gente que trabalhava na revista eram críticos de cinema nos jornais portugueses. No final do ano de 78 sentimos logo que havia necessidade de criar uma relação directa com os nossos leitores.

Surgiu a ideia de fazer ciclos de cinema e os primeiros contactos que tivemos foram com a Fundação Calouste Gulbenkian com a qual realizámos o nosso primeiro ciclo, dedicado ao cinema brasileiro. Paralelamente, fizemos uma revista dedicada ao cinema brasileiro e, a partir daí comecámos a realizar ciclos dedicados a realizadores e a temáticas ou géneros.

Um dos ciclos que decidimos fazer em determinada altura era dedicado ao cinema fantástico, mas numa perspectiva muito ampla, ou seja, o cinema fantástico enquanto género criativo, imaginativo. Tudo o que não era realismo era fantástico. Esse ciclo tinha mais relevância depois do aparecimentos de dois filmes que marcaram muito o circuito comercial no final dos anos 70: “A Guerra das Estrelas” do George Lucas e os “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” do Steven Spielberg. Nós organizámos e anunciámos o ciclo numa sala recuperada para a cidade, o Auditório Nacional Carlos Alberto e chamámos-lhe Fantasporto.

SAPO: Como surgiu o nome?

M.D.: O nome veio naturalmente, quando começámos a enviar cartas às distribuidoras, a pedir filmes, escrevíamos Fantas na referência e a localização no Porto, associámos os dois elementos, que soavam bem e assim ficou o nome.

O festival foi lançado nas notas de imprensa usuais e estranhamente, há um jornal, o "Correio da Manhã" que escolhe como título “Sangue Invade Ruas do Porto”. Os outros jornais e televisões foram tentar saber o que se passava e o Fantasporto apareceu como fenómeno mediático.

Nesse primeiro ano, tivemos um impacto grande na comunicação social, as pessoas aderiram, esgotando por completo as três sessões por dia durante quinze dias. Só que a programação desse ano era muito clara do que considerávamos ser o cinema fantástico. Pegámos no expressionismo alemão, Fritz Lang, Murnau, pegámos no cinema francês romântico do Marcel Carné, do Jean Cocteau, pegámos nuns filmes de Roger Vadim com histórias extraordinárias, pegámos no cinema português de características fantásticas como o do António de Macedo e o do Vicente Jorge Silva, que tinha uma curta-metragem chamada “A Bicicleta”, e fizémos uma chamada sessão de noite principal que tinham os nomes do fantástico que achávamos mais importantes, mas aos quais as pessoas não deram nenhuma importância, com nomes como Brian de Palma com o “Carrie” e Ridley Scott com “Alien”. Isso funcionou tão bem que a comunicação social disse-nos que tínhamos que realizar um ciclo de cinema e isso aconteceu.

SAPO: Como evoluiu o Fantasporto a partir daí?

M.D.: Em 82 a estrutura era já muitíssimo mais elaborada, não foi feita com base em filmes do circuito comercial, já havia um júri, já havia uma selecção de filmes a concurso na área do fantástico e conseguimos ter o apoio das salas Lumière, mesmo em frente ao Auditório Nacional Carlos Alberto, e aí se criou o primeiro triplex do Porto.

Mas nós não ficámos presos ao cinema fantástico e logo em 83 deixa de se chamar Festival Internacional de Cinema Fantástico do Porto, para se passar a chamar Festival Internacional de Cinema do Porto. Essa mudança surgiu porque decidimos colocar uma área que nos pareceu lógica: o thriller urbano, que estava a aparecer nas salas comerciais. Sentimos que havia necessidade de alargar o âmbito. Anos mais tarde, já por volta dos anos 90, decidimos criar um outro espaço no festival, a semana dos Realizadores, criando uma estrutura em tudo semelhante à que tínhamos com o fantástico, realizando restrospectivas, tendo um juri próprio, no fundo fazendo dois festivais paralelos.

Esse projecto demorou um bocadinho a agarrar, era mais difícil, mais cinéfilo e cinco anos depois, em 1995 podemos dizer que essa área estava já igual à do cinema fantástico em termos de público. E há três anos arrancámos com outro projecto, na área da música, porque achamos que a música tem ligações objectivas e directas com o cinema. Primeiro na área de videoclips e mais tarde com restrospectivas, como a do ano passado dedicada ao David Bowie, que aliás foi um grande empurrão para essa relação do festival com a música. Este ano, por exemplo, temos uma secção de videoclips com três áreas de competição: uma nacional, uma internacional e outra dedicada ao fantástico, com um júri próprio e um patrocínio do canal musical MCM que faz uma ponte entre Portugal e França ou entre Portugal e Europa.

Segunda parte

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