EXPRESSO: Opinião

18-04-2002
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29/3/2002

OPINIÃO

Arrumar a «tralha» Henrique Monteiro

«Quando quiser deitar fora a «tralha» (e haverá alguma para deitar), é bom que o PS se lembre de que há parte do mesmo espólio que convém preservar. Entre os socialistas sempre houve uma certa tendência para sublimar as derrotas com viragens à esquerda; para considerar que perdeu por fazer demasiadas cedências à direita.» FERRO Rodrigues conduziu a campanha eleitoral do PS com seriedade e inteligência, deixando a ideia de que poderia ter ganho as eleições caso tivesse mais tempo. Obviamente, consolidou a sua liderança, preparando agora uma necessária reorganização do partido, tendo em conta as novas responsabilidades e tarefas que o papel de oposição acarreta. Alguns dos seus apoiantes apressaram-se em declarações mais ou menos bombásticas sobre o que o PS deve e não deve fazer. Foi o caso, por exemplo, de Vicente Jorge Silva, quando prognosticou o fim «da tralha guterrista», e de outros que, com menos pendor mediático e talento declamatório, vieram, no essencial, dizer o mesmo. Não se duvida de que a substituição de um líder corresponde à alteração de um estilo, de um discurso e, até, de certas políticas; igualmente conduz a mudanças organizativas, a subidas e descidas nos níveis de decisão e no aparelho partidário, a novos impulsos, novas colaborações e novas perspectivas. Já é mais problemático saber se esse arrumar da «tralha» (aspecto sobre o qual Ferro, prudentemente, não se pronunciou) corresponde a uma viragem política dos socialistas que, bem entendido, só poderia ser à esquerda. Problemático, porque um dos méritos de Guterres (além de ter ganho - com a sua «tralha» - quase uma dúzia de eleições seguidas) foi o de recentrar o PS; o de entender que os socialistas não ganham as eleições fechando-se à esquerda, mas abrindo-se à sociedade e ao centro político. Independentemente das suas características de falta de firmeza, ou até de excesso de conciliação e de diálogo (que, aliás, fazem parte do património cristão do primeiro-ministro cessante), Guterres pegou num partido que estava na zona dos 20% e levou-o para os 40%. Mesmo agora, depois deste desastroso segundo mandato incompleto do Governo, deixou-o com 38%, apenas a dois pontos do PSD (embora haja a considerar o mérito de Ferro e a falta de jeito de Durão Barroso em campanha). De qualquer forma, o conjunto da direita teve mais votos (embora apenas cerca de 70 mil) do que a esquerda, pelo que, se o PS pretende um dia voltar ao Governo, é com o centro que se deve preocupar. Tanto mais que a coligação que vai formar Governo será, obrigatoriamente, mais à direita do que pelo menos parte do eleitorado do PSD pretenderia, fruto da indispensável chamada do PP à área governativa. Assim, independentemente do sucesso ou insucesso da coligação, é uma vez mais no centro que se travará o combate pela supremacia política em Portugal. Quando quiser deitar fora a «tralha» (e haverá alguma para deitar), é bom que o PS se lembre de que há parte do mesmo espólio que convém preservar. Entre os socialistas sempre houve uma certa tendência para sublimar as derrotas com viragens à esquerda; para considerar que perdeu por fazer demasiadas cedências à direita. Nesta altura propícia para a auto-análise, será fundamental perceber que os erros, no geral, não têm uma ideologia precisa. E-mail: hmonteiro@mail.expresso.pt

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

4 comentários 1 a 4

31 de Março de 2002 às 17:55

ramos18 ( jrcontreiras@netcabo.pt )

Considero o artigo uma excelente e correcta análise política.Parabéns!

Quanto ao que disse Vicente Jorge da Silva: "Tralha Guterrista" acho

que Guterres não deveria ser assim tão mal tratado. Guterres foi um excelente político,só que para se governar este país não se pode ser

nem "durão" de mais,nem "bonzão"(panhanhas,mas sim

firme,competente,atento às golpadas dos "boys" e Guterres foi bom demais.

A sua saída revela desapego ao Poder e humildade democrática e uma grande dignidade política. Soube deixar o novo líder do PS e afastou-se discretamente com educação,civismo e pondo os interesses do país acima de tudo. Não fez como Cavaco com o seu célebre "tabú" e continua a ser uma sombra fantasma de qualquer líder do PSD.

Guterres merece a estima dos portuguese e dos estrangeiros. É uma mais valia para a Democracia Portuguesa.

Jorge Vicente pode dizer mal dos "boys",mas cuidado não se vá ele transformar agora também num "boy" de Ferro. Creio que Ferro estará mais atento e não irá permitir o regabofe que Guterres permitiu por ser uma boa pessoa e incapaz de dizer não a um amigo.

30 de Março de 2002 às 10:48

vista ( fjonesalves@ono.com )

O Expresso também produziu alguma tralha como o Vicente Jorge Silva, que fez um filme gastando 700 mil contos dos quais a maior parte financiados pelo estado, sob a vigência de um governo que ele considerou tralha. O pobre cospe na sopa que lhe põe, como o fez em relação ao Expresso.

Caro Henrique, já não me espantas como nos idos de 74/75, quando naquelas sessões revolucionárias do pavilhão dos desportos, exclamavas:

"ESTALINE PARA SEMPRE NOS NOSSOS CORAÇÕES".

É verdade não é?

Já agora, na tua redacção olha em redor, e vê lá se não é fácil descobrir participantes nessas festas?

Se não tivesse existido 25 de Novembro, de que lado estavam vocês hoje?

Já sei do lado do prato.

30 de Março de 2002 às 01:48

Kostas Kalimera ( kkalimera@hotmail.com )

Tanta preocupação com o PS!

Afinal, não tendes já a maioria absoluta? Então isso não chega para governar?

Para que quereis que o PS faça parte da maioria parlamentar de apoio ao governo?

Será que o PS irá na cantilena? Fez isso muitas vezes no passado. A ver vamos se repete. A certeza que há é que não foi para isso que recebeu os votos dos seus eleitores...

29 de Março de 2002 às 10:58

Zé Luiz

Até certo ponto tem Henrique Monteiro razão: na sua estratégia futura o PS nãp pode descurar o centro político.

Isto não significa, porém, que não possa ou não deva, voltar à esquerda: as políticas de direita que se avizinham vão com certeza provocar reacções de recusa e de revolta na sociedade portuguesa, e quanto mais tempo esta coligação durar mais fácil e proveitoso será ao PS e ao BE contabilizar essa recusa, tanto mais que o PCP não estará em condições de o fazer.

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Arrumar a «tralha» Henrique Monteiro

«Quando quiser deitar fora a «tralha» (e haverá alguma para deitar), é bom que o PS se lembre de que há parte do mesmo espólio que convém preservar. Entre os socialistas sempre houve uma certa tendência para sublimar as derrotas com viragens à esquerda; para considerar que perdeu por fazer demasiadas cedências à direita.» FERRO Rodrigues conduziu a campanha eleitoral do PS com seriedade e inteligência, deixando a ideia de que poderia ter ganho as eleições caso tivesse mais tempo. Obviamente, consolidou a sua liderança, preparando agora uma necessária reorganização do partido, tendo em conta as novas responsabilidades e tarefas que o papel de oposição acarreta. Alguns dos seus apoiantes apressaram-se em declarações mais ou menos bombásticas sobre o que o PS deve e não deve fazer. Foi o caso, por exemplo, de Vicente Jorge Silva, quando prognosticou o fim «da tralha guterrista», e de outros que, com menos pendor mediático e talento declamatório, vieram, no essencial, dizer o mesmo. Não se duvida de que a substituição de um líder corresponde à alteração de um estilo, de um discurso e, até, de certas políticas; igualmente conduz a mudanças organizativas, a subidas e descidas nos níveis de decisão e no aparelho partidário, a novos impulsos, novas colaborações e novas perspectivas. Já é mais problemático saber se esse arrumar da «tralha» (aspecto sobre o qual Ferro, prudentemente, não se pronunciou) corresponde a uma viragem política dos socialistas que, bem entendido, só poderia ser à esquerda. Problemático, porque um dos méritos de Guterres (além de ter ganho - com a sua «tralha» - quase uma dúzia de eleições seguidas) foi o de recentrar o PS; o de entender que os socialistas não ganham as eleições fechando-se à esquerda, mas abrindo-se à sociedade e ao centro político. Independentemente das suas características de falta de firmeza, ou até de excesso de conciliação e de diálogo (que, aliás, fazem parte do património cristão do primeiro-ministro cessante), Guterres pegou num partido que estava na zona dos 20% e levou-o para os 40%. Mesmo agora, depois deste desastroso segundo mandato incompleto do Governo, deixou-o com 38%, apenas a dois pontos do PSD (embora haja a considerar o mérito de Ferro e a falta de jeito de Durão Barroso em campanha). De qualquer forma, o conjunto da direita teve mais votos (embora apenas cerca de 70 mil) do que a esquerda, pelo que, se o PS pretende um dia voltar ao Governo, é com o centro que se deve preocupar. Tanto mais que a coligação que vai formar Governo será, obrigatoriamente, mais à direita do que pelo menos parte do eleitorado do PSD pretenderia, fruto da indispensável chamada do PP à área governativa. Assim, independentemente do sucesso ou insucesso da coligação, é uma vez mais no centro que se travará o combate pela supremacia política em Portugal. Quando quiser deitar fora a «tralha» (e haverá alguma para deitar), é bom que o PS se lembre de que há parte do mesmo espólio que convém preservar. Entre os socialistas sempre houve uma certa tendência para sublimar as derrotas com viragens à esquerda; para considerar que perdeu por fazer demasiadas cedências à direita. Nesta altura propícia para a auto-análise, será fundamental perceber que os erros, no geral, não têm uma ideologia precisa. E-mail: hmonteiro@mail.expresso.pt

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31 de Março de 2002 às 17:55

ramos18 ( jrcontreiras@netcabo.pt )

Considero o artigo uma excelente e correcta análise política.Parabéns!

Quanto ao que disse Vicente Jorge da Silva: "Tralha Guterrista" acho

que Guterres não deveria ser assim tão mal tratado. Guterres foi um excelente político,só que para se governar este país não se pode ser

nem "durão" de mais,nem "bonzão"(panhanhas,mas sim

firme,competente,atento às golpadas dos "boys" e Guterres foi bom demais.

A sua saída revela desapego ao Poder e humildade democrática e uma grande dignidade política. Soube deixar o novo líder do PS e afastou-se discretamente com educação,civismo e pondo os interesses do país acima de tudo. Não fez como Cavaco com o seu célebre "tabú" e continua a ser uma sombra fantasma de qualquer líder do PSD.

Guterres merece a estima dos portuguese e dos estrangeiros. É uma mais valia para a Democracia Portuguesa.

Jorge Vicente pode dizer mal dos "boys",mas cuidado não se vá ele transformar agora também num "boy" de Ferro. Creio que Ferro estará mais atento e não irá permitir o regabofe que Guterres permitiu por ser uma boa pessoa e incapaz de dizer não a um amigo.

30 de Março de 2002 às 10:48

vista ( fjonesalves@ono.com )

O Expresso também produziu alguma tralha como o Vicente Jorge Silva, que fez um filme gastando 700 mil contos dos quais a maior parte financiados pelo estado, sob a vigência de um governo que ele considerou tralha. O pobre cospe na sopa que lhe põe, como o fez em relação ao Expresso.

Caro Henrique, já não me espantas como nos idos de 74/75, quando naquelas sessões revolucionárias do pavilhão dos desportos, exclamavas:

"ESTALINE PARA SEMPRE NOS NOSSOS CORAÇÕES".

É verdade não é?

Já agora, na tua redacção olha em redor, e vê lá se não é fácil descobrir participantes nessas festas?

Se não tivesse existido 25 de Novembro, de que lado estavam vocês hoje?

Já sei do lado do prato.

30 de Março de 2002 às 01:48

Kostas Kalimera ( kkalimera@hotmail.com )

Tanta preocupação com o PS!

Afinal, não tendes já a maioria absoluta? Então isso não chega para governar?

Para que quereis que o PS faça parte da maioria parlamentar de apoio ao governo?

Será que o PS irá na cantilena? Fez isso muitas vezes no passado. A ver vamos se repete. A certeza que há é que não foi para isso que recebeu os votos dos seus eleitores...

29 de Março de 2002 às 10:58

Zé Luiz

Até certo ponto tem Henrique Monteiro razão: na sua estratégia futura o PS nãp pode descurar o centro político.

Isto não significa, porém, que não possa ou não deva, voltar à esquerda: as políticas de direita que se avizinham vão com certeza provocar reacções de recusa e de revolta na sociedade portuguesa, e quanto mais tempo esta coligação durar mais fácil e proveitoso será ao PS e ao BE contabilizar essa recusa, tanto mais que o PCP não estará em condições de o fazer.

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