EXPRESSO

18-06-2004
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Governo cede à evasão fiscal

Alterar tamanho Ana Baião Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite (com Celeste Cardona): são públicas as divergências no interior do Governo acerca do sigilo bancário O FISCO nunca pediu ao director-geral dos Impostos autorização para levantar o sigilo bancário a qualquer contribuinte. Apesar de esta possibilidade existir desde Janeiro de 2001, nos 25 meses que passaram desde então «nunca foi usada quer pelo anterior director-geral, Nunes dos Reis, quer pelo actual, Armindo Sousa Ribeiro, que tomou posse em Julho, certamente porque nunca sentiram necessidade de a ela recorrer», disse ao EXPRESSO fonte do Ministério das Finanças.

Este é um dado relevante numa altura em que o levantamento do sigilo bancário voltou à ordem do dia e quando no Governo parece existir mais do que uma opinião sobre o modo e o grau de combate à fraude e à evasão fiscal (ver caixa). Há cerca de duas semanas, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes, ao apresentar o novo programa de reformas do Executivo, foi peremptório no Parlamento: «2003 será um ano sério no combate à evasão fiscal».

Com a entrada em vigor da chamada «reforma fiscal de 2000», o fisco passou a ter dois tipos de acesso aos dados bancários nos casos em que o contribuinte alvo de inspecção se recusa a fornecer tal informação. Primeiro, quando o contribuinte está sujeito a contabilidade organizada ou usufrui de benefícios fiscais ou regimes fiscais privilegiados, a administração tributária «tem o poder de aceder directamente aos documentos bancários». Segundo, quando é impossível quantificar a matéria tributável, quando os rendimentos declarados se afastam das manifestações exteriores de riqueza, quando há indícios de prática de crime fiscal, «designadamente nos casos de utilização de facturas falsas», ou quando é necessário comprovar a aplicação de subsídios públicos, a administração tributária «tem o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito». Para tal, basta pedir autorização fundamentada ao director-geral dos Impostos.

Segundo o EXPRESSO apurou, o problema não reside na «falta de empenho da inspecção tributária», mas no facto de esta não ter no seu programa a inspecção dos sectores de risco onde o levantamento do sigilo bancário se justifica. «O problema está na amnésia de quem define o plano de acção da inspecção tributária», explicou ao EXPRESSO fonte tributária. A definição do que o fisco deve inspeccionar é da cúpula da Direcção-Geral dos Impostos.

Nos primeiros oito meses de 2002, a inspecção tributária detectou 450 milhões de euros de impostos em falta e corrigiu 1400 milhões de euros às declarações da matéria colectável. Tudo somado são cerca de 1,4% do PIB, ou seja, quase dois terços do défice público previsto para 2003.

Um facto singular

Ricardo Sá Fernandes, o «pai» da legislação em vigor, pensa que é «singular que, em milhares de investigações, nunca tenha havido nenhuma situação em que houvesse necessidade de levantar o sigilo bancário». Assim sendo, é preciso uma «orientação política no sentido de os serviços usarem esta medida quando necessário».

Para Francisco Louçã (o Bloco de Esquerda há cerca de um mês apresentou no Parlamento uma proposta para acabar com o sigilo bancário), o facto de esta prerrogativa nunca ter sido utilizada revela que «a lei dá possibilidades que têm chocado em absoluto com a inércia e a incapacidade da administração fiscal». Por isso, «em vez de um tratamento casuístico, sempre vulnerável, o BE propôs um tratamento universal desta questão, como acontece em Espanha ou nos EUA».

O vice-presidente da bancada comunista, Lino de Carvalho — o PCP absteve-se na proposta do BE —, acredita que o Governo «continua a não querer abrir mão do sigilo bancário».

E o facto de o fisco nunca ter usado esta opção foi recebido com «surpresa» pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. Joana Nunes Mateus e Maria Teresa Oliveira Críticas no núcleo duro

O COMBATE à evasão fiscal não é consensual no Governo. Numa recente reunião do núcleo político do Executivo houve críticas à decisão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de suspender temporariamente as inspecções aos bancos sediados no «off-shore» da Madeira, por se considerar que tal funcionaria como sinal político errado para a imagem que o Executivo pretende passar. Com o actual quadro legal – que restringe o levantamento do sigilo bancário –, os resultados estão muito dependentes da actuação da administração fiscal. E esta, por seu lado, não é imune aos sinais da tutela. «Nenhum director-geral avança sem um sinal político claro», reconhece um ex-ministro das Finanças, na linha dos que pedem ao Governo mais do que promessas de determinação em reforçar a eficácia da máquina fiscal. «O Governo mantém uma posição muito tímida e conservadora», disse fonte do Governo ao EXPRESSO, admitindo que se esperam alguns resultados em 2003, mas menos substanciais do que o desejável. Manuela Ferreira Leite tem feito o discurso da exigência relativamente à administração fiscal mas, simultaneamente, opõe-se ao levantamento incondicional do sigilo. No campo oposto estão Marques Mendes, que defende de há muito a quebra do sigilo bancário, e Cavaco Silva. Durão tem apoiado a ministra das Finanças, mas há quem lhe anteveja um passo em frente antes do final da legislatura.

Ângela Silva

Os recuos das Finanças

Em Dezembro, o Governo suspendeu as acções de fiscalização da inspecção tributária aos bancos sediados na zona franca da Madeira. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Vasco Valdez, considerou que existiam dúvidas quanto à legalidade dos pedidos feitos pela inspecção tributária, que poderiam consubstanciar uma eventual violação do segredo bancário e pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República. A inspecção tributária estava a investigar os anos de 2000 e 2001 e a Caixa Geral de Depósitos já respondera aos pedidos de informação. Entretanto, Valdez irá prestar esclarecimentos no Parlamento, a pedido do PCP.

No final de Janeiro, o Ministério das Finanças adiou a primeira prestação do novo regime dos pagamentos especiais por conta em sede de IRC — de Março para Junho — destinado a «lutar contra a fraude e evasão fiscais», nas palavras de fonte do Ministério.

Já em Fevereiro, o Governo pondera eliminar a obrigatoriedade dos intermediários financeiros reterem na fonte os impostos a pagar pelos contribuintes de IRS e IRC que obtenham mais-valias com acções detidas até 12 meses. O regime entrou em vigor em Janeiro e prevê a criação de um regime de conta-corrente

Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. O EXPRESSO reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas. E-mail:

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Governo cede à evasão fiscal

Alterar tamanho Ana Baião Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite (com Celeste Cardona): são públicas as divergências no interior do Governo acerca do sigilo bancário O FISCO nunca pediu ao director-geral dos Impostos autorização para levantar o sigilo bancário a qualquer contribuinte. Apesar de esta possibilidade existir desde Janeiro de 2001, nos 25 meses que passaram desde então «nunca foi usada quer pelo anterior director-geral, Nunes dos Reis, quer pelo actual, Armindo Sousa Ribeiro, que tomou posse em Julho, certamente porque nunca sentiram necessidade de a ela recorrer», disse ao EXPRESSO fonte do Ministério das Finanças.

Este é um dado relevante numa altura em que o levantamento do sigilo bancário voltou à ordem do dia e quando no Governo parece existir mais do que uma opinião sobre o modo e o grau de combate à fraude e à evasão fiscal (ver caixa). Há cerca de duas semanas, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes, ao apresentar o novo programa de reformas do Executivo, foi peremptório no Parlamento: «2003 será um ano sério no combate à evasão fiscal».

Com a entrada em vigor da chamada «reforma fiscal de 2000», o fisco passou a ter dois tipos de acesso aos dados bancários nos casos em que o contribuinte alvo de inspecção se recusa a fornecer tal informação. Primeiro, quando o contribuinte está sujeito a contabilidade organizada ou usufrui de benefícios fiscais ou regimes fiscais privilegiados, a administração tributária «tem o poder de aceder directamente aos documentos bancários». Segundo, quando é impossível quantificar a matéria tributável, quando os rendimentos declarados se afastam das manifestações exteriores de riqueza, quando há indícios de prática de crime fiscal, «designadamente nos casos de utilização de facturas falsas», ou quando é necessário comprovar a aplicação de subsídios públicos, a administração tributária «tem o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito». Para tal, basta pedir autorização fundamentada ao director-geral dos Impostos.

Segundo o EXPRESSO apurou, o problema não reside na «falta de empenho da inspecção tributária», mas no facto de esta não ter no seu programa a inspecção dos sectores de risco onde o levantamento do sigilo bancário se justifica. «O problema está na amnésia de quem define o plano de acção da inspecção tributária», explicou ao EXPRESSO fonte tributária. A definição do que o fisco deve inspeccionar é da cúpula da Direcção-Geral dos Impostos.

Nos primeiros oito meses de 2002, a inspecção tributária detectou 450 milhões de euros de impostos em falta e corrigiu 1400 milhões de euros às declarações da matéria colectável. Tudo somado são cerca de 1,4% do PIB, ou seja, quase dois terços do défice público previsto para 2003.

Um facto singular

Ricardo Sá Fernandes, o «pai» da legislação em vigor, pensa que é «singular que, em milhares de investigações, nunca tenha havido nenhuma situação em que houvesse necessidade de levantar o sigilo bancário». Assim sendo, é preciso uma «orientação política no sentido de os serviços usarem esta medida quando necessário».

Para Francisco Louçã (o Bloco de Esquerda há cerca de um mês apresentou no Parlamento uma proposta para acabar com o sigilo bancário), o facto de esta prerrogativa nunca ter sido utilizada revela que «a lei dá possibilidades que têm chocado em absoluto com a inércia e a incapacidade da administração fiscal». Por isso, «em vez de um tratamento casuístico, sempre vulnerável, o BE propôs um tratamento universal desta questão, como acontece em Espanha ou nos EUA».

O vice-presidente da bancada comunista, Lino de Carvalho — o PCP absteve-se na proposta do BE —, acredita que o Governo «continua a não querer abrir mão do sigilo bancário».

E o facto de o fisco nunca ter usado esta opção foi recebido com «surpresa» pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. Joana Nunes Mateus e Maria Teresa Oliveira Críticas no núcleo duro

O COMBATE à evasão fiscal não é consensual no Governo. Numa recente reunião do núcleo político do Executivo houve críticas à decisão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de suspender temporariamente as inspecções aos bancos sediados no «off-shore» da Madeira, por se considerar que tal funcionaria como sinal político errado para a imagem que o Executivo pretende passar. Com o actual quadro legal – que restringe o levantamento do sigilo bancário –, os resultados estão muito dependentes da actuação da administração fiscal. E esta, por seu lado, não é imune aos sinais da tutela. «Nenhum director-geral avança sem um sinal político claro», reconhece um ex-ministro das Finanças, na linha dos que pedem ao Governo mais do que promessas de determinação em reforçar a eficácia da máquina fiscal. «O Governo mantém uma posição muito tímida e conservadora», disse fonte do Governo ao EXPRESSO, admitindo que se esperam alguns resultados em 2003, mas menos substanciais do que o desejável. Manuela Ferreira Leite tem feito o discurso da exigência relativamente à administração fiscal mas, simultaneamente, opõe-se ao levantamento incondicional do sigilo. No campo oposto estão Marques Mendes, que defende de há muito a quebra do sigilo bancário, e Cavaco Silva. Durão tem apoiado a ministra das Finanças, mas há quem lhe anteveja um passo em frente antes do final da legislatura.

Ângela Silva

Os recuos das Finanças

Em Dezembro, o Governo suspendeu as acções de fiscalização da inspecção tributária aos bancos sediados na zona franca da Madeira. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Vasco Valdez, considerou que existiam dúvidas quanto à legalidade dos pedidos feitos pela inspecção tributária, que poderiam consubstanciar uma eventual violação do segredo bancário e pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República. A inspecção tributária estava a investigar os anos de 2000 e 2001 e a Caixa Geral de Depósitos já respondera aos pedidos de informação. Entretanto, Valdez irá prestar esclarecimentos no Parlamento, a pedido do PCP.

No final de Janeiro, o Ministério das Finanças adiou a primeira prestação do novo regime dos pagamentos especiais por conta em sede de IRC — de Março para Junho — destinado a «lutar contra a fraude e evasão fiscais», nas palavras de fonte do Ministério.

Já em Fevereiro, o Governo pondera eliminar a obrigatoriedade dos intermediários financeiros reterem na fonte os impostos a pagar pelos contribuintes de IRS e IRC que obtenham mais-valias com acções detidas até 12 meses. O regime entrou em vigor em Janeiro e prevê a criação de um regime de conta-corrente

Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. O EXPRESSO reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas. E-mail:

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