"Uma cidade dentro da cidade"

05-04-2003
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"Uma Cidade Dentro da Cidade"

Por LUCINDA CANELAS

Sábado, 22 de Março de 2003 Chamaram-lhe a "ópera de Cavaco" ou "Belém Quibir". A polémica da sua construção - extensível a todos os quadrantes da vida política portuguesa - prolongou-se de tal forma que chegou a receber a designação de "pastel de Belém" nas páginas dos jornais. Amanhã, ao comemorar o seu 10º aniversário, o Centro Cultural Belém (CCB) estará sob a mira de todos aqueles que, desde o início, o acompanharam. Teresa Patrício Gouveia, presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, faz parte desse grupo. A então secretária de Estado da Cultura foi a primeira a promover a ideia da criação de um centro pluridisciplinar público em Lisboa, mesmo quando no governo de Cavaco Silva se levantavam vozes discordantes: "Estive muito tempo sozinha a defender o projecto", recorda. "Hoje vejo com satisfação que o CCB foi adoptado, que se transformou, enquanto intervenção de grande qualidade no espaço urbano, numa cidade dentro da cidade." Entre "a obra de fachada" e o "marco arquitectónico do final do século", o projecto do CCB (dos arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado) foi-se desenvolvendo, sobrevivendo às auditorias de Sousa Franco, aos conflitos entre o Tribunal de Contas e a Procuradoria Geral da República, às dívidas do Estado aos empreiteiros e aos ataques da oposição, direccionados, sobretudo, para os constantes acréscimos no preço da obra. Inicialmente previsto para custar 6,5 milhões de contos, passou pelos 9,5 e rapidamente atingiu as barreiras dos 13,5 e dos 27 milhões de contos. Hoje, mantendo-se os quarto e quinto módulos do complexo por construir, os números oficiais rondam os 40 milhões de contos (200 milhões de euros), embora na altura da sua inauguração (Janeiro de 1992) houvesse quem acreditasse que o Estado tinha gasto quase 60 milhões (300 milhões de euros) num dos "elefantes brancos do cavaquismo" (Miguel Sousa Tavares, PÚBLICO, 19/11/92). Questionado sobre o custo da obra, Cavaco Silva, à data primeiro-ministro, respondia, lacónico: "Cada um é livre de dizer as asneiras que entender." ("Diário de Notícias", 21/03/93). Projecto inovador Terminada a presidência portuguesa da Comunidade Económica Europeia (CEE), que tomou conta do edifício entre Janeiro e Junho de 1992, o CCB voltou a fechar as portas. Os portugueses esperaram quase nove meses para ver nascer junto ao Mosteiro dos Jerónimos o centro cultural que lhes havia sido prometido. Os mais críticos acusavam a Fundação das Descobertas, entidade constituída para administrar aquele conjunto arquitectónico que custara quase tanto como meia ponte sobre o Tejo, de não ter um propósito definido. "Nessa altura não se sabia bem o que o CCB ia representar", diz Francisco Motta Veiga. "O centro nasceu sem um projecto concreto. Os arquitectos tinham uma página A4, penso não estar a exagerar, de programa. Ou seja, estava tudo em aberto." O vazio programático inicial é, segundo Teresa Patrício Gouveia, justificável: "As instituições têm a sua vida própria. É natural que intensifiquem as suas actividades e consolidem a sua linha programática ao longo dos anos. Não se começa no óptimo - caminha-se para lá", defende. Num país em que apenas a Fundação Gulbenkian funcionava como um espaço pluridisciplinar para as artes à escala nacional, o CCB vem traduzir a aposta pública no sector. A partir de que modelo de funcionamento? "Nunca pensámos em seguir este ou aquele modelo", garante Patrício Gouveia. "As razões para a construção do CCB foram muito práticas e fundamentadas. Era necessário dotar a cidade de um espaço capaz de acolher grandes iniciativas e exposições que circulavam pela Europa." O grande motor do projecto acabou por ser a presidência portuguesa da CEE. "A motivação foi o défice de equipamentos culturais e não a CEE. Ela foi o motor de arranque. Não se havia de fazer um CCB para as reuniões da presidência - isso seria ridículo e provinciano." Para além de recuperar uma vasta área que estava ocupada por armazéns da Junta Autónoma das Estradas, o CCB permitiu à autarquia reordenar uma zona nobre da cidade, "abandonada desde a Exposição do Mundo Português [1940]". A sua construção exigiu um plano de salvaguarda para a Ajuda e Belém (da autoria de Manuel Costa Lobo) que, por sua vez, levou à criação de um Plano de Pormenor do Palácio da Ajuda (Gonçalo Byrne). "Foi também a primeira vez que se lançou um concurso internacional para a construção de uma grande obra pública." Para Teresa Patrício Gouveia, a actualidade não deixa dúvidas: "O CCB é incontornável na vida cultural do país" e permitiu aos portugueses acederem a uma oferta artística que, até à sua criação, lhes estava vedada. Fraústo da Silva, presidente da administração do CCB, concorda com a ex-secretária de Estado. "A verdade é que a maioria das pessoas já não concebe Lisboa sem o CCB. Esta é uma casa diferente de todas as outras." Actualmente a funcionar em torno de quatro grandes núcleos - os centros de Exposições, Reuniões, Espectáculos e Pedagogia e Animação -, o CCB tem hoje 181 funcionários (em 1993 eram 30) e um orçamento de funcionamento que ronda os 18 milhões de euros (3,6 milhões de contos). "Está na altura de pensar na conclusão do projecto, de construir os módulos que faltam, em função das necessidades que hoje se fazem sentir", diz Patrício Gouveia. "Há ainda muito a fazer no CCB." OUTROS TÍTULOS EM CULTURA CCB resiste à crise, dez anos depois

"Uma cidade dentro da cidade"

"CCB está no limiar do aceitável"

Algumas datas fundamentais

NÚMEROS

Herança poética em ambiente pop

Alberto Carneiro vezes dois no Funchal

Margarida Rebelo Pinto celebrou 500 mil livros vendidos

CRÍTICA DE TEATRO

Crítica Teatro

BREVES

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Por LUCINDA CANELAS

Sábado, 22 de Março de 2003 Chamaram-lhe a "ópera de Cavaco" ou "Belém Quibir". A polémica da sua construção - extensível a todos os quadrantes da vida política portuguesa - prolongou-se de tal forma que chegou a receber a designação de "pastel de Belém" nas páginas dos jornais. Amanhã, ao comemorar o seu 10º aniversário, o Centro Cultural Belém (CCB) estará sob a mira de todos aqueles que, desde o início, o acompanharam. Teresa Patrício Gouveia, presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, faz parte desse grupo. A então secretária de Estado da Cultura foi a primeira a promover a ideia da criação de um centro pluridisciplinar público em Lisboa, mesmo quando no governo de Cavaco Silva se levantavam vozes discordantes: "Estive muito tempo sozinha a defender o projecto", recorda. "Hoje vejo com satisfação que o CCB foi adoptado, que se transformou, enquanto intervenção de grande qualidade no espaço urbano, numa cidade dentro da cidade." Entre "a obra de fachada" e o "marco arquitectónico do final do século", o projecto do CCB (dos arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado) foi-se desenvolvendo, sobrevivendo às auditorias de Sousa Franco, aos conflitos entre o Tribunal de Contas e a Procuradoria Geral da República, às dívidas do Estado aos empreiteiros e aos ataques da oposição, direccionados, sobretudo, para os constantes acréscimos no preço da obra. Inicialmente previsto para custar 6,5 milhões de contos, passou pelos 9,5 e rapidamente atingiu as barreiras dos 13,5 e dos 27 milhões de contos. Hoje, mantendo-se os quarto e quinto módulos do complexo por construir, os números oficiais rondam os 40 milhões de contos (200 milhões de euros), embora na altura da sua inauguração (Janeiro de 1992) houvesse quem acreditasse que o Estado tinha gasto quase 60 milhões (300 milhões de euros) num dos "elefantes brancos do cavaquismo" (Miguel Sousa Tavares, PÚBLICO, 19/11/92). Questionado sobre o custo da obra, Cavaco Silva, à data primeiro-ministro, respondia, lacónico: "Cada um é livre de dizer as asneiras que entender." ("Diário de Notícias", 21/03/93). Projecto inovador Terminada a presidência portuguesa da Comunidade Económica Europeia (CEE), que tomou conta do edifício entre Janeiro e Junho de 1992, o CCB voltou a fechar as portas. Os portugueses esperaram quase nove meses para ver nascer junto ao Mosteiro dos Jerónimos o centro cultural que lhes havia sido prometido. Os mais críticos acusavam a Fundação das Descobertas, entidade constituída para administrar aquele conjunto arquitectónico que custara quase tanto como meia ponte sobre o Tejo, de não ter um propósito definido. "Nessa altura não se sabia bem o que o CCB ia representar", diz Francisco Motta Veiga. "O centro nasceu sem um projecto concreto. Os arquitectos tinham uma página A4, penso não estar a exagerar, de programa. Ou seja, estava tudo em aberto." O vazio programático inicial é, segundo Teresa Patrício Gouveia, justificável: "As instituições têm a sua vida própria. É natural que intensifiquem as suas actividades e consolidem a sua linha programática ao longo dos anos. Não se começa no óptimo - caminha-se para lá", defende. Num país em que apenas a Fundação Gulbenkian funcionava como um espaço pluridisciplinar para as artes à escala nacional, o CCB vem traduzir a aposta pública no sector. A partir de que modelo de funcionamento? "Nunca pensámos em seguir este ou aquele modelo", garante Patrício Gouveia. "As razões para a construção do CCB foram muito práticas e fundamentadas. Era necessário dotar a cidade de um espaço capaz de acolher grandes iniciativas e exposições que circulavam pela Europa." O grande motor do projecto acabou por ser a presidência portuguesa da CEE. "A motivação foi o défice de equipamentos culturais e não a CEE. Ela foi o motor de arranque. Não se havia de fazer um CCB para as reuniões da presidência - isso seria ridículo e provinciano." Para além de recuperar uma vasta área que estava ocupada por armazéns da Junta Autónoma das Estradas, o CCB permitiu à autarquia reordenar uma zona nobre da cidade, "abandonada desde a Exposição do Mundo Português [1940]". A sua construção exigiu um plano de salvaguarda para a Ajuda e Belém (da autoria de Manuel Costa Lobo) que, por sua vez, levou à criação de um Plano de Pormenor do Palácio da Ajuda (Gonçalo Byrne). "Foi também a primeira vez que se lançou um concurso internacional para a construção de uma grande obra pública." Para Teresa Patrício Gouveia, a actualidade não deixa dúvidas: "O CCB é incontornável na vida cultural do país" e permitiu aos portugueses acederem a uma oferta artística que, até à sua criação, lhes estava vedada. Fraústo da Silva, presidente da administração do CCB, concorda com a ex-secretária de Estado. "A verdade é que a maioria das pessoas já não concebe Lisboa sem o CCB. Esta é uma casa diferente de todas as outras." Actualmente a funcionar em torno de quatro grandes núcleos - os centros de Exposições, Reuniões, Espectáculos e Pedagogia e Animação -, o CCB tem hoje 181 funcionários (em 1993 eram 30) e um orçamento de funcionamento que ronda os 18 milhões de euros (3,6 milhões de contos). "Está na altura de pensar na conclusão do projecto, de construir os módulos que faltam, em função das necessidades que hoje se fazem sentir", diz Patrício Gouveia. "Há ainda muito a fazer no CCB." OUTROS TÍTULOS EM CULTURA CCB resiste à crise, dez anos depois

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