Rui Ramos:A crise política não passou de uma carga de energia no sistema

14-08-2004
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Rui Ramos:A Crise Política Não Passou de Uma Carga de Energia no Sistema

Domingo, 01 de Agosto de 2004 A cultura de governo tende a reduzir os problemas políticos a problemas técnicos, diz o historiador político Rui Ramos que sublinha que os políticos não são ideólogos. A recente crise política portuguesa não constitui uma ruptura nem revela qualquer doença no sistema. P.- Defende que houve uma dramatização excessiva da recente crise política. Encara-a como um sinal de que o sistema está saudável? R.- Ainda bem que há a possibilidade de as pessoas manifestarem o seu descontentamento e ainda bem que há o descontentamento - não nos fazem lavagens ao cérebro para acharmos que isto é tudo óptimo. Aquilo que se chamou uma crise política, ao fim e ao cabo, é um acidente que não revela por si só uma doença qualquer do regime. Não pode ser utilizado para classificar o regime em qualquer estado de degradação ou de profunda crise, como algumas pessoas entusiasticamente decidiram fazer. Há um primeiro-ministro que se demite por uma razão, o Presidente da República fica com várias possibilidades para uma solução, todas elas legítimas constitucionalmente, e depois decide que esta era a solução mais económica, a que teria menores custos, políticos e outros. Sim, é um momento que não é absolutamente normal, mas não tem que significar descrédito. Pelo contrário, a maneira como a solução foi absorvida revela que há aceitação das regras do jogo. Neste momento, está a falar-se das eleições de 2006, de equipas de liderança partidária, quem é e quem não é membro do governo, estão a aceitar-se as regras do jogo. P.- Não lhe chamaria uma crise? R.- Podemos falar de uma crise, como falamos daquelas crise de trabalho, quando se tem muito que fazer. Houve uma carga de energia no sistema, de repente as luzes acenderam-se, as pessoas compraram mais jornais, os comentaristas escreveram com maior veemência, porque ficaram em aberto várias possibilidades, vários horizontes. A crise foi isso, simplesmente, num determinado momento foi possível contemplar vários futuros possíveis. P.- Este acesso de energia ou reacender do debate representa um retorno ao político? R.- Portugal nos últimos 30 anos viveu condicionado por duas coisas. O medo da guerra civil evocado em 1974-75, a ideia de que, para manter uma democracia, não é possível tentar aplicar um modelo político de que resulte a exclusão da área do poder da outra grande família política. Essa convicção projectou-se na tentativa de encontrar uma cultura de governo que desse uma grande ênfase não às opções políticas mas à solução de problemas técnicos. Isto é, reduzir os problemas políticos a problemas técnicos: questões de desenvolvimento, construir uma determinada estrutura legal, e uma tentativa de os políticos serem avaliados pela sua suposta competência, e não pelas suas opções políticas fundamentais. Isto conviveu com uma nostalgia das questões ideológicas. P.- Está a referir-se aos anos do cavaquismo e do guterrismo? R.- Esses são os anos dourados desse tipo de política, mas é algo que já vem de bastante cedo, começa praticamente a seguir à revolução. O primeiro governo do PS, em Julho de 1976, não aparece como um governo de esquerda, mas para resolver problemas graves do país, rupturas cambiais, a herança negativa da revolução. P.- Esse período vem do princípio da democracia até agora? R.- Sim. O que era o eanismo senão uma coisa dessas? Os governos que ele escolhia, que a direita não gostava e a esquerda também não, pessoas com o perfil de Nobre da Costa. Foi uma das maneiras pelas quais se tentou viabilizar o sistema democrático. Tentou anular-se aquilo que a política tem de confronto entre opções incompatíveis. Acho que este período não terminou e não vejo como poderá terminar. É uma forma de manter a democracia a funcionar, sem um ambiente de desespero, sem a sensação de que metade do país vai ficar excluída. P.- Que efeito é que o aparecimento do Bloco de Esquerda teve nessa prática mais técnica? R.- Creio que não teve grande efeito, não alterou o cenário político, não obrigou os outros a comportarem-se de uma maneira diferente. Os outros partidos de esquerda podem ter tentado usar o Bloco para legitimar um discurso mais à esquerda, e os partidos de direita provavelmente também o utilizaram para fazer um discurso mais à direita, como contraponto. Independentemente dos desempenhos dos seus representantes, não creio que o Bloco tenha transformado o debate político, até mesmo pelas suas performances eleitorais. Nunca nenhum partido se sentiu obrigado a reagir ao Bloco. A tendência é para os outros partidos não imaginarem que lhes estão a roubar eleitorado mas que o Bloco está a representar um eleitorado que provavelmente nunca seria deles. Por outro lado, o Bloco não consegue ser um verdadeiro factor de subversão, dado que o que diz corresponde à cultura hegemónica de esquerda. É um partido bastante do sistema, diria até um partido conservador em relação a questões que fazem parte de uma cultura aceite, na educação, no ensino. Não é por acaso que os líderes do Bloco não são marginais, são pessoas integradas no Estado, funcionários públicos, professores. P.- Um recente "bartoon" de Luís Afonso no PÚBLICO dizia: "Dentro do PS há esquerda e direita. O PSD também tem a sua direita e a sua esquerda. Não se sabe é se a direita do PS fica à esquerda ou à direita da esquerda do PSD." É um sintoma da indiferenciação ideológica ao centro do espectro partidário? R.- Os partidos de governo precisam de apelar a um maior número de eleitores possível, e portanto tendem a ter posições muito aproximadas sobre alguns temas, mas não creio que isso impeça o facto de representarem valores, tendências que não são exactamente iguais. Isto é, ninguém diria do PS que é um partido de direita, e ninguém diria do PSD que é um partido de esquerda. As pessoas que se sentem de direita não estão no PS, as pessoas que se sentem de esquerda, presumo que não haja muitas no PSD. E a percepção pública não é a que de que são o mesmo partido. Os políticos não são ideólogos. Os ideólogos podem ter como objectivo realizar modelos de sociedade ideais. A função dos políticos é arranjar compromissos, negociar, sobretudo os políticos que querem governar numa democracia. Não podemos esperar dos partidos que alternam no governo que representem a pureza de determinadas posições. P.- A fatia do eleitorado que decide os resultados balança entre o PS e o PSD. Como avalia ao longo da democracia a forma como essa flutuação se foi fazendo? R.- A flutuação existe porque há a percepção de que uma alternância entre esses dois partidos não corresponde a uma ruptura com o "status quo", isto é, que alguém pode estar num ou noutro sem pôr em causa o regime. O mesmo não aconteceria votando em outros partidos. Quais são as determinantes dessa flutuação? O desempenho governativo?, o facto de os partidos não terem grande capacidade de fixar eleitorado? Essas hipóteses têm sido estudadas. Diria que essa flutuação é sobretudo o efeito da própria estabilização do regime. As pessoas flutuam quando lhes é possível, sem com isso comprometerem o seu modo de vida, quando o que está em causa não são os fundamentos daquilo em que acreditam. Também é verdade que uma parte grande do eleitorado decide em função da força política que um dos partidos mostra, que essa força por vezes está ligada ao carisma de um líder, e um grande líder pode movimentar uma parte desse eleitorado. P.- Um eleitorado menos ideológico. R.- Não sei se é menos ideológico. Há tendência para pensar que esse eleitorado flutuante não faz opções fundamentais, só opções conjunturais. Não tenho a certeza disso. Acho que as pessoas se permitem o luxo de fazer opções conjunturais quando sabem que isso não vai provocar uma ruptura tão grande que lhes mude a vida. Não vejo nisso o resultado de uma falta de convicção. P.- Nesta recente crise política, um homem que veio da esquerda, Jorge Sampaio, agradou à direita e desagradou à esquerda. Um homem que veio da direita, Freitas do Amaral, agradou à esquerda e desagradou à direita. Foram eles que mudaram ou foi o país? R.- Creio que eles mudaram pouco. Aquilo que dizem acreditar agora não é muito diferente do que diziam acreditar há 20 ou 30 anos. A situação em que estão é que é diferente. Creio também que é necessário distinguir entre aquilo que era legítimo esperar deles e aquilo que, por motivos políticos, alguns fingem ter esperado. Por o Presidente da República (PR) ter decidido de uma determinada maneira, não passou da esquerda para a direita. A decisão que tomou é extremamente lógica com a forma como ele interpreta a função do PR e do que tem sido, de facto, a função do PR nas últimas décadas da democracia. Essa tendência para classificar a decisão do PR como um sinal ou uma ruptura pessoal deve ser interpretada como um grão de sal. Obviamente não estava à espera de ver Ferro Rodrigues congratular-se. Tal como não estava à espera, se a decisão tivesse sido outra, de ver o líder do PSD congratular-se. Faz parte do jogo político. Na política há um nível de reflexão táctica e estratégica e depois há uma reflexão a nível de princípios. P.- E Freitas do Amaral? R.- Independentemente das posições que tem tomado, ainda não nos revelou que se sente uma pessoa de esquerda. Também nunca se tinha classificado como de direita. Fez o seu percurso numa época em que muita gente se dizia de esquerda e, entre líderes políticos, muito pouca gente se dizia de direita - para não dizer ninguém. Dessa maneira, creio que sempre se sentiu com certa liberdade para não seguir uma determinada ortodoxia. Alguém com valores ligados à democracia cristã, ao valor da pessoa humana, que em determinada altura também estiveram associados à defesa de uma economia social de mercado, o que, em 1975, era um grande escândalo para a esquerda, o identificava com a direita, embora ele nunca tivesse assumido essa identificação. Em 1986 [quando disputou as presidenciais com Mário Soares], Freitas era o pólo aglutinador da área do PSD e do CDS. A partir de determinada altura, deixou de ter partido, tornou-se um espécie de "free lancer". Neste momento, é alguém desamarrado de compromissos partidários. A clivagem da direita e da esquerda existe para além dos partidos, mas também nos próprios partidos. P.- É a questão do "bartoon". R.- Que não deve ser entendida como malsã ou anómala. A sociedade portuguesa é plural, a democracia liberal é uma forma de gerir esse pluralismo, e os partidos não podem existir como regimentos homogéneos de gente que, roboticamente, pensa toda da mesma maneira - imediatamente esse partido se colocaria nas margens do sistema, seria a negação do próprio sistema, do pluralismo. Os partidos não são apenas organizações, são também eleitorados, simpatias, toda essa amálgama que faz com que, sobretudo os partidos de governo, não possam contar simplesmente com meia dúzia de corações puros e de gente com grandes opções ideológicas - isso é bom para um partido que tem três ou quatro por cento e se permite falar só para os convertidos. Um partido que se queira aproximar dos 40 por cento e de maiorias absolutas tem de falar para muita gente. E a melhor maneira é falar a muitas vozes. Creio que isto é o resultado da história política do país mas também é um sinal, para ser brutal, de que não vivemos em guerra civil. Não precisamos de saltar para o outro lado da barricada, podemos passear em terra de ninguém sem com isso comprometer aquilo em que acreditamos, o nosso modo de vida. OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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A política à distância

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CARTAS DA MAYA

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Há um primeiro-ministro que se demite por uma razão, o Presidente da República fica com várias possibilidades para uma solução, todas elas legítimas constitucionalmente, e depois decide que esta era a solução mais económica, a que teria menores custos, políticos e outros. Sim, é um momento que não é absolutamente normal, mas não tem que significar descrédito. Pelo contrário, a maneira como a solução foi absorvida revela que há aceitação das regras do jogo. Neste momento, está a falar-se das eleições de 2006, de equipas de liderança partidária, quem é e quem não é membro do governo, estão a aceitar-se as regras do jogo. P.- Não lhe chamaria uma crise? R.- Podemos falar de uma crise, como falamos daquelas crise de trabalho, quando se tem muito que fazer. Houve uma carga de energia no sistema, de repente as luzes acenderam-se, as pessoas compraram mais jornais, os comentaristas escreveram com maior veemência, porque ficaram em aberto várias possibilidades, vários horizontes. A crise foi isso, simplesmente, num determinado momento foi possível contemplar vários futuros possíveis. P.- Este acesso de energia ou reacender do debate representa um retorno ao político? R.- Portugal nos últimos 30 anos viveu condicionado por duas coisas. O medo da guerra civil evocado em 1974-75, a ideia de que, para manter uma democracia, não é possível tentar aplicar um modelo político de que resulte a exclusão da área do poder da outra grande família política. Essa convicção projectou-se na tentativa de encontrar uma cultura de governo que desse uma grande ênfase não às opções políticas mas à solução de problemas técnicos. Isto é, reduzir os problemas políticos a problemas técnicos: questões de desenvolvimento, construir uma determinada estrutura legal, e uma tentativa de os políticos serem avaliados pela sua suposta competência, e não pelas suas opções políticas fundamentais. Isto conviveu com uma nostalgia das questões ideológicas. P.- Está a referir-se aos anos do cavaquismo e do guterrismo? R.- Esses são os anos dourados desse tipo de política, mas é algo que já vem de bastante cedo, começa praticamente a seguir à revolução. O primeiro governo do PS, em Julho de 1976, não aparece como um governo de esquerda, mas para resolver problemas graves do país, rupturas cambiais, a herança negativa da revolução. P.- Esse período vem do princípio da democracia até agora? R.- Sim. O que era o eanismo senão uma coisa dessas? Os governos que ele escolhia, que a direita não gostava e a esquerda também não, pessoas com o perfil de Nobre da Costa. Foi uma das maneiras pelas quais se tentou viabilizar o sistema democrático. Tentou anular-se aquilo que a política tem de confronto entre opções incompatíveis. Acho que este período não terminou e não vejo como poderá terminar. É uma forma de manter a democracia a funcionar, sem um ambiente de desespero, sem a sensação de que metade do país vai ficar excluída. P.- Que efeito é que o aparecimento do Bloco de Esquerda teve nessa prática mais técnica? R.- Creio que não teve grande efeito, não alterou o cenário político, não obrigou os outros a comportarem-se de uma maneira diferente. Os outros partidos de esquerda podem ter tentado usar o Bloco para legitimar um discurso mais à esquerda, e os partidos de direita provavelmente também o utilizaram para fazer um discurso mais à direita, como contraponto. Independentemente dos desempenhos dos seus representantes, não creio que o Bloco tenha transformado o debate político, até mesmo pelas suas performances eleitorais. Nunca nenhum partido se sentiu obrigado a reagir ao Bloco. A tendência é para os outros partidos não imaginarem que lhes estão a roubar eleitorado mas que o Bloco está a representar um eleitorado que provavelmente nunca seria deles. Por outro lado, o Bloco não consegue ser um verdadeiro factor de subversão, dado que o que diz corresponde à cultura hegemónica de esquerda. É um partido bastante do sistema, diria até um partido conservador em relação a questões que fazem parte de uma cultura aceite, na educação, no ensino. Não é por acaso que os líderes do Bloco não são marginais, são pessoas integradas no Estado, funcionários públicos, professores. P.- Um recente "bartoon" de Luís Afonso no PÚBLICO dizia: "Dentro do PS há esquerda e direita. O PSD também tem a sua direita e a sua esquerda. Não se sabe é se a direita do PS fica à esquerda ou à direita da esquerda do PSD." É um sintoma da indiferenciação ideológica ao centro do espectro partidário? R.- Os partidos de governo precisam de apelar a um maior número de eleitores possível, e portanto tendem a ter posições muito aproximadas sobre alguns temas, mas não creio que isso impeça o facto de representarem valores, tendências que não são exactamente iguais. Isto é, ninguém diria do PS que é um partido de direita, e ninguém diria do PSD que é um partido de esquerda. As pessoas que se sentem de direita não estão no PS, as pessoas que se sentem de esquerda, presumo que não haja muitas no PSD. E a percepção pública não é a que de que são o mesmo partido. Os políticos não são ideólogos. Os ideólogos podem ter como objectivo realizar modelos de sociedade ideais. A função dos políticos é arranjar compromissos, negociar, sobretudo os políticos que querem governar numa democracia. Não podemos esperar dos partidos que alternam no governo que representem a pureza de determinadas posições. P.- A fatia do eleitorado que decide os resultados balança entre o PS e o PSD. Como avalia ao longo da democracia a forma como essa flutuação se foi fazendo? R.- A flutuação existe porque há a percepção de que uma alternância entre esses dois partidos não corresponde a uma ruptura com o "status quo", isto é, que alguém pode estar num ou noutro sem pôr em causa o regime. O mesmo não aconteceria votando em outros partidos. Quais são as determinantes dessa flutuação? O desempenho governativo?, o facto de os partidos não terem grande capacidade de fixar eleitorado? Essas hipóteses têm sido estudadas. Diria que essa flutuação é sobretudo o efeito da própria estabilização do regime. As pessoas flutuam quando lhes é possível, sem com isso comprometerem o seu modo de vida, quando o que está em causa não são os fundamentos daquilo em que acreditam. Também é verdade que uma parte grande do eleitorado decide em função da força política que um dos partidos mostra, que essa força por vezes está ligada ao carisma de um líder, e um grande líder pode movimentar uma parte desse eleitorado. P.- Um eleitorado menos ideológico. R.- Não sei se é menos ideológico. Há tendência para pensar que esse eleitorado flutuante não faz opções fundamentais, só opções conjunturais. Não tenho a certeza disso. Acho que as pessoas se permitem o luxo de fazer opções conjunturais quando sabem que isso não vai provocar uma ruptura tão grande que lhes mude a vida. Não vejo nisso o resultado de uma falta de convicção. P.- Nesta recente crise política, um homem que veio da esquerda, Jorge Sampaio, agradou à direita e desagradou à esquerda. Um homem que veio da direita, Freitas do Amaral, agradou à esquerda e desagradou à direita. Foram eles que mudaram ou foi o país? R.- Creio que eles mudaram pouco. Aquilo que dizem acreditar agora não é muito diferente do que diziam acreditar há 20 ou 30 anos. A situação em que estão é que é diferente. Creio também que é necessário distinguir entre aquilo que era legítimo esperar deles e aquilo que, por motivos políticos, alguns fingem ter esperado. Por o Presidente da República (PR) ter decidido de uma determinada maneira, não passou da esquerda para a direita. A decisão que tomou é extremamente lógica com a forma como ele interpreta a função do PR e do que tem sido, de facto, a função do PR nas últimas décadas da democracia. Essa tendência para classificar a decisão do PR como um sinal ou uma ruptura pessoal deve ser interpretada como um grão de sal. Obviamente não estava à espera de ver Ferro Rodrigues congratular-se. Tal como não estava à espera, se a decisão tivesse sido outra, de ver o líder do PSD congratular-se. Faz parte do jogo político. Na política há um nível de reflexão táctica e estratégica e depois há uma reflexão a nível de princípios. P.- E Freitas do Amaral? R.- Independentemente das posições que tem tomado, ainda não nos revelou que se sente uma pessoa de esquerda. Também nunca se tinha classificado como de direita. Fez o seu percurso numa época em que muita gente se dizia de esquerda e, entre líderes políticos, muito pouca gente se dizia de direita - para não dizer ninguém. Dessa maneira, creio que sempre se sentiu com certa liberdade para não seguir uma determinada ortodoxia. Alguém com valores ligados à democracia cristã, ao valor da pessoa humana, que em determinada altura também estiveram associados à defesa de uma economia social de mercado, o que, em 1975, era um grande escândalo para a esquerda, o identificava com a direita, embora ele nunca tivesse assumido essa identificação. Em 1986 [quando disputou as presidenciais com Mário Soares], Freitas era o pólo aglutinador da área do PSD e do CDS. A partir de determinada altura, deixou de ter partido, tornou-se um espécie de "free lancer". Neste momento, é alguém desamarrado de compromissos partidários. A clivagem da direita e da esquerda existe para além dos partidos, mas também nos próprios partidos. P.- É a questão do "bartoon". R.- Que não deve ser entendida como malsã ou anómala. A sociedade portuguesa é plural, a democracia liberal é uma forma de gerir esse pluralismo, e os partidos não podem existir como regimentos homogéneos de gente que, roboticamente, pensa toda da mesma maneira - imediatamente esse partido se colocaria nas margens do sistema, seria a negação do próprio sistema, do pluralismo. Os partidos não são apenas organizações, são também eleitorados, simpatias, toda essa amálgama que faz com que, sobretudo os partidos de governo, não possam contar simplesmente com meia dúzia de corações puros e de gente com grandes opções ideológicas - isso é bom para um partido que tem três ou quatro por cento e se permite falar só para os convertidos. Um partido que se queira aproximar dos 40 por cento e de maiorias absolutas tem de falar para muita gente. E a melhor maneira é falar a muitas vozes. Creio que isto é o resultado da história política do país mas também é um sinal, para ser brutal, de que não vivemos em guerra civil. Não precisamos de saltar para o outro lado da barricada, podemos passear em terra de ninguém sem com isso comprometer aquilo em que acreditamos, o nosso modo de vida. OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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