O constitucionalista unânime

24-12-2003
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O Constitucionalista Unânime

Por ÁLVARO VIEIRA

Sábado, 20 de Dezembro de 2003 Num ano em que a Justiça foi discutida como nunca e num momento em que a Constituição da República volta a ser motivo de luta política, o Prémio Pessoa foi atribuído a José Joaquim Gomes Canotilho, distinguindo pela primeira vez um jurista -constitucionalista, por sinal. A circunstância não escapou aos olhos azuis do laureado, habituados a perscrutar grandes plateias de alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e observadores atentos da vida política nacional. Aliás, a primeira reacção de Gomes Canotilho à notícia do prémio, que o apanhou na Fundação Calouste Gulbenkian onde participava num congresso sobre imigração, foi a de repartir a distinção: "Estou convencido de que um dos objectivos deste prémio foi também premiar os juristas e a área do Direito", disse aos jornalistas. E previu que um dos efeitos deste prémio será o de evitar "a crispação e os ataques muitas vezes desnecessários aos vários operadores do Direito". O bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, aplaudiu a opção do júri: "Foi bom que este prémio surgisse na actual conjuntura, depois de um ano terrível na justiça portuguesa". Cinco horas depois do anúncio do prémio, Gomes Canotilho suspirava por "um momento de alívio": "Sou discreto. Mas hoje tenho que aceitar os holofotes", resignava-se. Nasceu em 1941 em Pinhel, distrito da Guarda, onde ainda tem casa e umas videiras de que gosta de tratar. Mas foi em Coimbra que completou o ensino secundário, no antigo Liceu D. João III. Logo aí, foi colega do social-democrata Manuel Porto, que descreve Canotilho como uma pessoa de "elevadíssimo valor que nunca perdeu a simplicidade". Hoje presidem, respectivamente, ao Conselho Directivo e ao Conselho Científico da FDUC. Casado e com dois filhos formados, Gomes Canotilho recorda-se como um aluno "aplicado", que ocupava os tempos livres com uns jogos de futebol e de futebolinca. Mais tarde, colaborou com a revista Vértice e era assíduo no teatro e no cinema. Isso não o impediu de acabar o curso de Direito com 17 valores. Em 1970, assumiu a regência de várias disciplinas e o 25 de Abril chamou-o a assumir outras responsabilidades na UC: em 1975 foi vice-reitor. Nessa altura, militava no PCP que deixou no início dos anos 90, na onda da "Perestroika", tal como o colega Vital Moreira. "Vejo com alguma tristeza a falta de implantação do PCP e o facto de não ter acompanhado os tempos", diz Gomes Canotilho. De qualquer forma, deixou de ser comunista: "A visão do mundo já não é a mesma", explica o constitucionalista que sublinha não sentir qualquer necessidade de ajuste de contas com o partido. O sentimento, pelos vistos, é recíproco. Ontem, o deputado do PCP António Filipe, em declarações à Lusa (ver reacções), classificou Gomes Canotilho "como um dos melhores constitucionalistas portugueses". No outro extremo da Assembleia da República, o líder da bancada parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia, começou por observar que o seu partido "não tem afinidades políticas" com o docente da FDUC. "Mas creio que no país há unanimidade em considerar Gomes Canotilho uma referência jurídica e no ensino do Direito nas nossas faculdades", acrescentou. Assunção Esteves, do PSD, e Alberto Martins, do PS - com quem Canotilho tinha ontem um almoço combinado, que teve que desmarcar - asseguraram a unanimidade do Parlamento, cujo presidente, Mota Amaral, apontou o trabalho científico do constitucionalista como "um poderoso contributo para a consolidação das instituições democráticas em Portugal". Regressar à política partidária "está fora de causa", garante Canotilho que, na anterior legislatura, foi conselheiro de Estado indicado pelo PS. Mas continua a intervir na vida política nacional. Este ano, foi um dos subscritores iniciais do Manifesto "Pela Paz contra a Guerra" no Iraque, ao lado de Mário Soares, Maria de Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral, que ainda ontem o proclamou "o melhor jurista da actualidade". É uma voz escutada sempre que se discute a revisão constitucional e o momento presente não é excepção. "Já disse várias vezes que, da actual proposta de revisão apresentada pela maioria, salvam-se, quando muito, a alteração das leis eleitorais da Madeira, a questão do limite do número de mandatos de alguns cargos políticos e qualquer coisa, em que se pode de facto mexer, da Alta Autoridade para a Comunicação Social. O resto é ideologismo restauracionista", reiterou ontem ao PÚBLICO. Com uma vasta obra na área do Direito, reconhecida internacionalmente, Canotilho também tem dinamizado alguns projectos inovadores na FDUC, como a recente licenciatura em Administração Pública. Recentemente, subscreveu um abaixo-assinado contra o encerramento, a cadeado, das portas da UC pelos estudantes em protesto contra as propinas. Mas os alunos gostam dele. Nem é "mãos largas" nem "agarrado" a dar notas. É acessível e tem o cuidado de levar casos da actualidade político-constitucional para as aulas. No início do ano lectivo, tem fama de levar muitas revistas jurídicas que apresenta aos alunos. "É para amedrontar os caloiros", diz a brincar. com Lusa OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE A vitória da ciência política com Gomes Canotilho

A revisão anunciada

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Reacções

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Sábado, 20 de Dezembro de 2003 Num ano em que a Justiça foi discutida como nunca e num momento em que a Constituição da República volta a ser motivo de luta política, o Prémio Pessoa foi atribuído a José Joaquim Gomes Canotilho, distinguindo pela primeira vez um jurista -constitucionalista, por sinal. A circunstância não escapou aos olhos azuis do laureado, habituados a perscrutar grandes plateias de alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) e observadores atentos da vida política nacional. Aliás, a primeira reacção de Gomes Canotilho à notícia do prémio, que o apanhou na Fundação Calouste Gulbenkian onde participava num congresso sobre imigração, foi a de repartir a distinção: "Estou convencido de que um dos objectivos deste prémio foi também premiar os juristas e a área do Direito", disse aos jornalistas. E previu que um dos efeitos deste prémio será o de evitar "a crispação e os ataques muitas vezes desnecessários aos vários operadores do Direito". O bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, aplaudiu a opção do júri: "Foi bom que este prémio surgisse na actual conjuntura, depois de um ano terrível na justiça portuguesa". Cinco horas depois do anúncio do prémio, Gomes Canotilho suspirava por "um momento de alívio": "Sou discreto. Mas hoje tenho que aceitar os holofotes", resignava-se. Nasceu em 1941 em Pinhel, distrito da Guarda, onde ainda tem casa e umas videiras de que gosta de tratar. Mas foi em Coimbra que completou o ensino secundário, no antigo Liceu D. João III. Logo aí, foi colega do social-democrata Manuel Porto, que descreve Canotilho como uma pessoa de "elevadíssimo valor que nunca perdeu a simplicidade". Hoje presidem, respectivamente, ao Conselho Directivo e ao Conselho Científico da FDUC. Casado e com dois filhos formados, Gomes Canotilho recorda-se como um aluno "aplicado", que ocupava os tempos livres com uns jogos de futebol e de futebolinca. Mais tarde, colaborou com a revista Vértice e era assíduo no teatro e no cinema. Isso não o impediu de acabar o curso de Direito com 17 valores. Em 1970, assumiu a regência de várias disciplinas e o 25 de Abril chamou-o a assumir outras responsabilidades na UC: em 1975 foi vice-reitor. Nessa altura, militava no PCP que deixou no início dos anos 90, na onda da "Perestroika", tal como o colega Vital Moreira. "Vejo com alguma tristeza a falta de implantação do PCP e o facto de não ter acompanhado os tempos", diz Gomes Canotilho. De qualquer forma, deixou de ser comunista: "A visão do mundo já não é a mesma", explica o constitucionalista que sublinha não sentir qualquer necessidade de ajuste de contas com o partido. O sentimento, pelos vistos, é recíproco. Ontem, o deputado do PCP António Filipe, em declarações à Lusa (ver reacções), classificou Gomes Canotilho "como um dos melhores constitucionalistas portugueses". No outro extremo da Assembleia da República, o líder da bancada parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia, começou por observar que o seu partido "não tem afinidades políticas" com o docente da FDUC. "Mas creio que no país há unanimidade em considerar Gomes Canotilho uma referência jurídica e no ensino do Direito nas nossas faculdades", acrescentou. Assunção Esteves, do PSD, e Alberto Martins, do PS - com quem Canotilho tinha ontem um almoço combinado, que teve que desmarcar - asseguraram a unanimidade do Parlamento, cujo presidente, Mota Amaral, apontou o trabalho científico do constitucionalista como "um poderoso contributo para a consolidação das instituições democráticas em Portugal". Regressar à política partidária "está fora de causa", garante Canotilho que, na anterior legislatura, foi conselheiro de Estado indicado pelo PS. Mas continua a intervir na vida política nacional. Este ano, foi um dos subscritores iniciais do Manifesto "Pela Paz contra a Guerra" no Iraque, ao lado de Mário Soares, Maria de Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral, que ainda ontem o proclamou "o melhor jurista da actualidade". É uma voz escutada sempre que se discute a revisão constitucional e o momento presente não é excepção. "Já disse várias vezes que, da actual proposta de revisão apresentada pela maioria, salvam-se, quando muito, a alteração das leis eleitorais da Madeira, a questão do limite do número de mandatos de alguns cargos políticos e qualquer coisa, em que se pode de facto mexer, da Alta Autoridade para a Comunicação Social. O resto é ideologismo restauracionista", reiterou ontem ao PÚBLICO. Com uma vasta obra na área do Direito, reconhecida internacionalmente, Canotilho também tem dinamizado alguns projectos inovadores na FDUC, como a recente licenciatura em Administração Pública. Recentemente, subscreveu um abaixo-assinado contra o encerramento, a cadeado, das portas da UC pelos estudantes em protesto contra as propinas. Mas os alunos gostam dele. Nem é "mãos largas" nem "agarrado" a dar notas. É acessível e tem o cuidado de levar casos da actualidade político-constitucional para as aulas. No início do ano lectivo, tem fama de levar muitas revistas jurídicas que apresenta aos alunos. "É para amedrontar os caloiros", diz a brincar. com Lusa OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE A vitória da ciência política com Gomes Canotilho

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