CGD avança para o Atlántico

09-03-2004
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Preço do banco catalão dobrou em quatro anos

CGD Avança para o Atlántico

Segunda-feira, 01 de Dezembro de 2003

A Caixa Geral de Depósitos volta à carga para a compra do banco espanhol Atlántico, controlado pelo Banco Central da Líbia. A sua pequena dimensão não permitirá que o banco português cresça depressa, mas vai obrigar o Estado a endividar-se em tempo de crise. Lançar uma OPA ou esperar pelo leilão são as alternativas para a instituição dirigida por António de Sousa

Cristina Ferreira

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) poderá pagar pela totalidade do Banco Atlântico, com sede em Barcelona, 1,450 mil milhões de euros, quase o dobro do que teria pago há cerca de quatro anos, quando a anterior administração negociou a compra da instituição catalã - e tanto quanto o Santander pagou pelo grupo Champalimaud. A imprensa espanhola adiantou na sexta-feira que a CGD poderia avançar para uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) já esta semana, o que foi prontamente desmentido pelo banco estatal português. O Atlántico foi o único banco do mercado espanhol que, no final de Setembro deste ano, apresentava uma margem de intermediação negativa.

O banco público liderado por António de Sousa volta assim à corrida para a compra da totalidade do Banco Atlántico, controlado em 68,5 por cento pelo Arab Banking Corporation (ABC), de capitais árabes, o que lhe permitirá alcançar em Espanha, onde já opera através do Banco Siméon, uma quota ainda inferior a dois por cento. As acções sobrantes são detidas pelo BBVA (cerca de 24 por cento) e pela Allianz (4,5 por cento), encontrando-se três por cento do capital disperso em bolsa.

O ABC, controlado em 26,8 por cento pelo Banco Central da Líbia, pede pela sua posição de controlo (68,5 por cento) 1,1 mil milhões de euros, o que traduz um custo global de 1,6 mil milhões de euros (prémio de 46 por cento, tendo em conta a média dos PER dos bancos que operam em Portugal e Espanha). Mas a imprensa tem indicado que a Caixa está disposta a pagar 1,450 mil milhões de euros pelo conjunto das participações (100 por cento do capital), ou seja, quase o dobro do valor que esteve em cima da mesa quando a Caixa, em 1999, negociou a compra do Atlántico (ver caixa). Na altura, o ABC não deu garantias de cumprimento do acordo que ambos se preparavam para celebrar por 850 milhões de euros.

As intenções de compra do Atlántico por parte do banco português têm sido mal recebidas na Catalunha, e justificaram mesmo a intervenção pública do ministro da Economia, Francesc Homs, que veio a público defender que o Atlántico "deve permanecer na Catalunha ou em Espanha" e não "em mãos estrangeiras". Na sexta-feira, os media espanhóis, citando fonte da Caixa Geral de Depósitos, informavam que o banco português iria lançar já esta semana uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre o capital do Atlántico, antecipando-se ao leilão anunciado pelo ABC, agendado para Dezembro. Deste modo, a CGD deixaria para trás os adversários e evitaria um investimento mais elevado. A Caixa negou já estar a projectar lançar uma OPA sobre o Atlántico (tem 288 agências, 2690 trabalhadores e um valor contabilístico de 550 milhões de euros).

Outros interessados no banco catalão são o Sabadell, com sede em Barcelona e que mantém participações cruzadas com o BCP, o Unicredito, a Fortis, a Caja del Mediterráneo e o Barclays. Este último lançou há seis meses uma OPA sobre a totalidade do capital do Zaragozano, que rondou 1,1 mil milhões de euro, menos 350 milhões de euros do que o que a CGD está disposta a pagar pelo Atlántico. O Zaragozano, com um activo total de 16 mil milhões de euros, detém uma quota de mercado em crédito de 1,1 por cento e em recursos de 1,59 por cento, valores que no Atlántico são de 0,68 por cento e de 1,06 por cento (as quotas do Siméon são, respectivamente, de 0,21 por cento e de 0,35 por cento nas mesmas rubricas).

Respaldo parlamentar

É este contexto que explica que a operação de compra do Atlántico não receba o consenso dos financeiros portugueses, que contestam ainda o facto do Estado ter de se endividar até ao limite máximo de 400 milhões de euros, de forma a poder aumentar o capital da CGD e a viabilizar a aquisição (proposta de lei nº 98/IX). Com a sua proposta, apresentada no parlamento, o Governo pretende melhorar os rácios prudenciais da CGD, quer ao nível da solvabilidade, quer do imobilizado, e possibilitar "concretizar acções de internacionalização da sua actividade que venham a ser consideradas pelo Governo de interesse nacional".

Um banqueiro contactado pelo PÚBLICO mostrou-se mesmo "chocado" com a provável compra do Atlántico, considerando que "o Governo dispõe-se a aumentar o capital da Caixa, endividando-se", para "ficar com uma banqueta", numa altura em que "o país vive em contenção orçamental". Outro analista refere que "se vai gastar um balúrdio com uma instituição de dimensão reduzida, e que irá ficar caríssima como, aliás, sucedeu com o Zaragozano". Mas outros reconhecem que a "Caixa está entalada porque o Siméon é muito pequeno e comprando o Atlántico pode ficar melhor". E adiantam: mesmo assim a posição "é insuficiente" para assegurar uma presença "com um mínimo de notoriedade" no mercado espanhol. Sublinham ainda que é preciso "avaliar o Atlántico, porque, embora possa parecer muito caro, pode ter bom potencial".

As notícias que têm vindo a público dando conta de que Durão Barroso e Aznar estiveram a debater a compra e venda do Atlántico na última cimeira luso-espanhola não passaram despercebidas no sector bancário português, que não esconde a sua perplexidade. Nessa altura, fonte ligada ao processo referiu ao PÚBLICO que "Durão Barroso foi informado pelos espanhóis de que o BBVA continuava interessado em crescer em Portugal por aquisição". "Resta saber o que é que o Governo português pretende dar em troca", ironizam os analistas. Para viabilizar a compra do banco catalão, a Caixa necessita de aumentar o seu capital e terá de vender algumas participações. Há quem não exclua a possibilidade de António de Sousa, escudado pelo primeiro-ministro, poder estar a ponderar ceder os 6,34 por cento que a CGD detém no BCP, posição que fontes do PÚBLICO admitem poder servir de moeda de troca no negócio do Atlántico. Para vender a sua posição (24 por cento) no banco catalão, o BBVA vai exigir compensações, e deve ambicionar as acções do BCP.

O PÚBLICO contactou a CGD para obter um comentário sobre o negócio, recebendo uma resposta telegráfica: "Não temos declarações a fazer, o processo está a decorrer."

Preço do banco catalão dobrou em quatro anos

CGD Avança para o Atlántico

Segunda-feira, 01 de Dezembro de 2003

A Caixa Geral de Depósitos volta à carga para a compra do banco espanhol Atlántico, controlado pelo Banco Central da Líbia. A sua pequena dimensão não permitirá que o banco português cresça depressa, mas vai obrigar o Estado a endividar-se em tempo de crise. Lançar uma OPA ou esperar pelo leilão são as alternativas para a instituição dirigida por António de Sousa

Cristina Ferreira

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) poderá pagar pela totalidade do Banco Atlântico, com sede em Barcelona, 1,450 mil milhões de euros, quase o dobro do que teria pago há cerca de quatro anos, quando a anterior administração negociou a compra da instituição catalã - e tanto quanto o Santander pagou pelo grupo Champalimaud. A imprensa espanhola adiantou na sexta-feira que a CGD poderia avançar para uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) já esta semana, o que foi prontamente desmentido pelo banco estatal português. O Atlántico foi o único banco do mercado espanhol que, no final de Setembro deste ano, apresentava uma margem de intermediação negativa.

O banco público liderado por António de Sousa volta assim à corrida para a compra da totalidade do Banco Atlántico, controlado em 68,5 por cento pelo Arab Banking Corporation (ABC), de capitais árabes, o que lhe permitirá alcançar em Espanha, onde já opera através do Banco Siméon, uma quota ainda inferior a dois por cento. As acções sobrantes são detidas pelo BBVA (cerca de 24 por cento) e pela Allianz (4,5 por cento), encontrando-se três por cento do capital disperso em bolsa.

O ABC, controlado em 26,8 por cento pelo Banco Central da Líbia, pede pela sua posição de controlo (68,5 por cento) 1,1 mil milhões de euros, o que traduz um custo global de 1,6 mil milhões de euros (prémio de 46 por cento, tendo em conta a média dos PER dos bancos que operam em Portugal e Espanha). Mas a imprensa tem indicado que a Caixa está disposta a pagar 1,450 mil milhões de euros pelo conjunto das participações (100 por cento do capital), ou seja, quase o dobro do valor que esteve em cima da mesa quando a Caixa, em 1999, negociou a compra do Atlántico (ver caixa). Na altura, o ABC não deu garantias de cumprimento do acordo que ambos se preparavam para celebrar por 850 milhões de euros.

As intenções de compra do Atlántico por parte do banco português têm sido mal recebidas na Catalunha, e justificaram mesmo a intervenção pública do ministro da Economia, Francesc Homs, que veio a público defender que o Atlántico "deve permanecer na Catalunha ou em Espanha" e não "em mãos estrangeiras". Na sexta-feira, os media espanhóis, citando fonte da Caixa Geral de Depósitos, informavam que o banco português iria lançar já esta semana uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre o capital do Atlántico, antecipando-se ao leilão anunciado pelo ABC, agendado para Dezembro. Deste modo, a CGD deixaria para trás os adversários e evitaria um investimento mais elevado. A Caixa negou já estar a projectar lançar uma OPA sobre o Atlántico (tem 288 agências, 2690 trabalhadores e um valor contabilístico de 550 milhões de euros).

Outros interessados no banco catalão são o Sabadell, com sede em Barcelona e que mantém participações cruzadas com o BCP, o Unicredito, a Fortis, a Caja del Mediterráneo e o Barclays. Este último lançou há seis meses uma OPA sobre a totalidade do capital do Zaragozano, que rondou 1,1 mil milhões de euro, menos 350 milhões de euros do que o que a CGD está disposta a pagar pelo Atlántico. O Zaragozano, com um activo total de 16 mil milhões de euros, detém uma quota de mercado em crédito de 1,1 por cento e em recursos de 1,59 por cento, valores que no Atlántico são de 0,68 por cento e de 1,06 por cento (as quotas do Siméon são, respectivamente, de 0,21 por cento e de 0,35 por cento nas mesmas rubricas).

Respaldo parlamentar

É este contexto que explica que a operação de compra do Atlántico não receba o consenso dos financeiros portugueses, que contestam ainda o facto do Estado ter de se endividar até ao limite máximo de 400 milhões de euros, de forma a poder aumentar o capital da CGD e a viabilizar a aquisição (proposta de lei nº 98/IX). Com a sua proposta, apresentada no parlamento, o Governo pretende melhorar os rácios prudenciais da CGD, quer ao nível da solvabilidade, quer do imobilizado, e possibilitar "concretizar acções de internacionalização da sua actividade que venham a ser consideradas pelo Governo de interesse nacional".

Um banqueiro contactado pelo PÚBLICO mostrou-se mesmo "chocado" com a provável compra do Atlántico, considerando que "o Governo dispõe-se a aumentar o capital da Caixa, endividando-se", para "ficar com uma banqueta", numa altura em que "o país vive em contenção orçamental". Outro analista refere que "se vai gastar um balúrdio com uma instituição de dimensão reduzida, e que irá ficar caríssima como, aliás, sucedeu com o Zaragozano". Mas outros reconhecem que a "Caixa está entalada porque o Siméon é muito pequeno e comprando o Atlántico pode ficar melhor". E adiantam: mesmo assim a posição "é insuficiente" para assegurar uma presença "com um mínimo de notoriedade" no mercado espanhol. Sublinham ainda que é preciso "avaliar o Atlántico, porque, embora possa parecer muito caro, pode ter bom potencial".

As notícias que têm vindo a público dando conta de que Durão Barroso e Aznar estiveram a debater a compra e venda do Atlántico na última cimeira luso-espanhola não passaram despercebidas no sector bancário português, que não esconde a sua perplexidade. Nessa altura, fonte ligada ao processo referiu ao PÚBLICO que "Durão Barroso foi informado pelos espanhóis de que o BBVA continuava interessado em crescer em Portugal por aquisição". "Resta saber o que é que o Governo português pretende dar em troca", ironizam os analistas. Para viabilizar a compra do banco catalão, a Caixa necessita de aumentar o seu capital e terá de vender algumas participações. Há quem não exclua a possibilidade de António de Sousa, escudado pelo primeiro-ministro, poder estar a ponderar ceder os 6,34 por cento que a CGD detém no BCP, posição que fontes do PÚBLICO admitem poder servir de moeda de troca no negócio do Atlántico. Para vender a sua posição (24 por cento) no banco catalão, o BBVA vai exigir compensações, e deve ambicionar as acções do BCP.

O PÚBLICO contactou a CGD para obter um comentário sobre o negócio, recebendo uma resposta telegráfica: "Não temos declarações a fazer, o processo está a decorrer."

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