Os dias de Santana Lopes em Alvalade

08-08-2004
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Os Dias de Santana Lopes em Alvalade

Domingo, 18 de Julho de 2004

O presidente que deixou o Sporting endividado

%Luciano Alvarez

A passagem de Pedro Santana Lopes pela presidência do Sporting foi notada, estridente e, acima de tudo, polémica. Começou eufórica e, contra as muitas promessas feitas, terminou a meio, sem êxitos. O clube ficou endividado. O próprio também não ficou melhor. Valeu-lhe, confessou, a enorme notoriedade que ganhou.

Santana Lopes não terá deixado grandes saudades entre os sportinguistas. No aspecto desportivo, o "reinado" do 31º presidente do clube de Alvalade ficou-se por uma vitória na Taça de Portugal ganha poucos dias depois de ter chegado ao clube. De resto a equipa somou derrotas atrás de derrotas, a gestão da compra e venda de jogadores foi considerada desastrosa e a relação do presidente com o treinador, Carlos Queiroz, foi das mais tormentosas que a colectividade viveu.

Jorge Sampaio ajudou na entrada de Santana

A entrada de Pedro Santana Lopes na presidência do Sporting, em Junho de 1995, deve-se acima de tudo a José Roquette. Mas não só. Para que estes dois homens, acompanhados de Miguel Galvão Telles, assumissem os destinos do clube, um grupo de notáveis sportinguistas fez um trabalho na sombra que viria a revelar-se decisivo.

Entre esses notáveis, a que na altura se chamou o "estado-maior da revolução sportinguista", estavam Tavares Moreira, ex-presidente da Bolsa de Lisboa, da Caixa Central de Crédito Agrícola e ex-governador do Banco de Portugal, Faria de Oliveira, então ministro do Comércio Externo, Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, e Jorge Sampaio, presidente da Câmara Municipal de Lisboa e já candidato à Presidência da República.

O grande objectivo deste grupo era convencer Sousa Cintra, o então presidente do Sporting, a não se recandidatar ao cargo, já que Roquette não queria avançar contra ninguém, nem disputar umas eleições que pudessem passar por trocas de acusações ou insultos.

O grupo conseguiu o seu objectivo: Sousa Cintra cedeu, com a garantia de que lhe seria proporcionada uma saída tranquila. Avançava então um triunvirato com plenos poderes. José Roquette, mentor do projecto, iria para a presidência do Conselho Fiscal com o objectivo de montar um "clube-empresa", com estruturas e uma gestão profissionalizada. Miguel Galvão Telles ficaria com a presidência da Assembleia Geral e Santana Lopes tomaria a presidência do clube, assumindo-se como a cara do projecto, o homem dos combates pela "moralização do futebol português", como não se cansavam de pedir os novos dirigentes.

A guerra

A grande polémica de Santana Lopes foi mantida com Pinto da Costa. As razões para este confronto eram estratégicas: o agora primeiro-ministro indigitado percebeu que o futebol português era bipolarizado, e com um discurso contra o poder instituído (FC Porto) pretendia tomar o lugar de "líder da oposição", até então ocupado pelo Benfica. O Sporting depressa ganhou esse lugar, apostando num discurso violento contra Pinto da Costa, ao mesmo tempo que passava uma mensagem assente em cinco pilares: transparência, moralização, seriedade, credibilidade e responsabilidade.

Por outro lado, sendo Pinto da Costa um dirigente que não agradava a muitos dos adeptos de futebol que não do FC Porto, Santana Lopes ganhava popularidade com o confronto e garantia presença permanente nos órgãos de comunicação social, em especial nas televisões. E o próprio muito fez por isso: nunca em Alvalade um presidente deu tantas conferências de imprensa.

A estratégia resultava - pela primeira vez no futebol português alguém conseguiu deixar muitas vezes Pinto da Costa embaraçado e sem resposta. Mas no final Pedro Santana Lopes perderia por completo a "guerra" que lançou. O presidente do FC Porto sempre disse não lhe ligar muito, garantindo que Santana Lopes estava apenas de passagem pelo futebol, e a sua profecia acabaria por se cumprir.

Para trás ficaram algumas cenas caricatas, como a do dia em que Santana Lopes confundiu um convite para o lançamento de um livro com uma ameaça à sua integridade física. A história conta-se em poucas palavras: há muito que se dizia alvo de ameaças (chegou a fazer-se acompanhar por seguranças privados) e um dia chegou-lhe às mãos um convite do escritor Alface para a apresentação do seu mais recente livro, intitulado "Cuidado com os Rapazes". Santana Lopes entendeu o convite como uma ameaça e deu uma conferência de imprensa para anunciar que já tinha participado o facto às autoridades. Só que o convite tinha sido também enviado para as redacções dos jornais e, no dia seguinte, o presidente do Sporting era exposto ao ridículo.

O dinheiro

Foi na área financeira que a passagem de Santana Lopes por Alvalade mais se fez sentir. Se à sua chegada (Junho de 1995) o clube já não estava bem, à sua partida (Abril de 1996) estava ainda pior.

Desejoso de obter resultados desportivos, o Sporting viveu sempre acima das suas possibilidades e geriu de forma financeiramente muito negativa a compra e venda de jogadores. Os números dos relatórios e contas do clube não enganam: o endividamento bancário, que em Maio de 1995 rondava os 134 mil contos, subiu para 1,8 milhões de contos em Dezembro desse ano. Em sete meses o passivo clube passou de 6,1 milhões para 8,7 milhões. As dívidas a terceiros a curto prazo cresceram de 2,6 milhões para 4,4 milhões. Os prejuízos de exploração, que nos últimos cinco meses da presidência de Sousa Cintra se situavam numa média de 144.789 contos mensais, passaram a ser de 186.016 contos/mês.

A necessidade de dinheiro levou ainda Santana Lopes a tomar medidas que se revelariam catastróficas para o clube. Numa delas o presidente do clube propôs aos associados um aumento do valor das quotas e a criação de uma quota suplementar no valor de uma anuidade. O objectivo era arrecadar um milhão de contos (cerca de cinco milhões de euros), mas a medida revelar-se-ia um fracasso. Dos cerca de 85 mil associados registados, apenas 15 mil pagaram a quota suplementar. Não só não conseguiu o desejado milhão de contos, como viu delapidada uma importante fonte de receitas do clube: a quotização.

A promessa

Pedro Santana Lopes saiu de Alvalade rompendo com uma promessa mil vezes repetida: a de levar o seu mandato até ao fim. Falando em razões de ordem pessoal para o abandono, voltaria de imediato à vida política para se candidatar à liderança do PSD.

A passagem de Santana Lopes pelo Sporting foi também ruinosa para o próprio. Segundo disse numa entrevista à revista "Visão" em Maio de 1996, nunca foi remunerado pelo clube, vivia com "os 360 contos da sua reforma como deputado", teve de contrair "um empréstimo de cinco mil contos" e tinha "uma conta bancária a zeros e outra com cerca de 50 contos". "A verdade é que estou endividado até aos cabelos", garantia.

Mas nem tudo foram espinhos, como Santana Lopes disse numa entrevista ao jornal "Expresso", em Maio de 1997: "Em termos do que se chama notoriedade, estes dois anos de futebol fizeram muito mais do que 20 anos de política."

Os Dias de Santana Lopes em Alvalade

Domingo, 18 de Julho de 2004

O presidente que deixou o Sporting endividado

%Luciano Alvarez

A passagem de Pedro Santana Lopes pela presidência do Sporting foi notada, estridente e, acima de tudo, polémica. Começou eufórica e, contra as muitas promessas feitas, terminou a meio, sem êxitos. O clube ficou endividado. O próprio também não ficou melhor. Valeu-lhe, confessou, a enorme notoriedade que ganhou.

Santana Lopes não terá deixado grandes saudades entre os sportinguistas. No aspecto desportivo, o "reinado" do 31º presidente do clube de Alvalade ficou-se por uma vitória na Taça de Portugal ganha poucos dias depois de ter chegado ao clube. De resto a equipa somou derrotas atrás de derrotas, a gestão da compra e venda de jogadores foi considerada desastrosa e a relação do presidente com o treinador, Carlos Queiroz, foi das mais tormentosas que a colectividade viveu.

Jorge Sampaio ajudou na entrada de Santana

A entrada de Pedro Santana Lopes na presidência do Sporting, em Junho de 1995, deve-se acima de tudo a José Roquette. Mas não só. Para que estes dois homens, acompanhados de Miguel Galvão Telles, assumissem os destinos do clube, um grupo de notáveis sportinguistas fez um trabalho na sombra que viria a revelar-se decisivo.

Entre esses notáveis, a que na altura se chamou o "estado-maior da revolução sportinguista", estavam Tavares Moreira, ex-presidente da Bolsa de Lisboa, da Caixa Central de Crédito Agrícola e ex-governador do Banco de Portugal, Faria de Oliveira, então ministro do Comércio Externo, Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, e Jorge Sampaio, presidente da Câmara Municipal de Lisboa e já candidato à Presidência da República.

O grande objectivo deste grupo era convencer Sousa Cintra, o então presidente do Sporting, a não se recandidatar ao cargo, já que Roquette não queria avançar contra ninguém, nem disputar umas eleições que pudessem passar por trocas de acusações ou insultos.

O grupo conseguiu o seu objectivo: Sousa Cintra cedeu, com a garantia de que lhe seria proporcionada uma saída tranquila. Avançava então um triunvirato com plenos poderes. José Roquette, mentor do projecto, iria para a presidência do Conselho Fiscal com o objectivo de montar um "clube-empresa", com estruturas e uma gestão profissionalizada. Miguel Galvão Telles ficaria com a presidência da Assembleia Geral e Santana Lopes tomaria a presidência do clube, assumindo-se como a cara do projecto, o homem dos combates pela "moralização do futebol português", como não se cansavam de pedir os novos dirigentes.

A guerra

A grande polémica de Santana Lopes foi mantida com Pinto da Costa. As razões para este confronto eram estratégicas: o agora primeiro-ministro indigitado percebeu que o futebol português era bipolarizado, e com um discurso contra o poder instituído (FC Porto) pretendia tomar o lugar de "líder da oposição", até então ocupado pelo Benfica. O Sporting depressa ganhou esse lugar, apostando num discurso violento contra Pinto da Costa, ao mesmo tempo que passava uma mensagem assente em cinco pilares: transparência, moralização, seriedade, credibilidade e responsabilidade.

Por outro lado, sendo Pinto da Costa um dirigente que não agradava a muitos dos adeptos de futebol que não do FC Porto, Santana Lopes ganhava popularidade com o confronto e garantia presença permanente nos órgãos de comunicação social, em especial nas televisões. E o próprio muito fez por isso: nunca em Alvalade um presidente deu tantas conferências de imprensa.

A estratégia resultava - pela primeira vez no futebol português alguém conseguiu deixar muitas vezes Pinto da Costa embaraçado e sem resposta. Mas no final Pedro Santana Lopes perderia por completo a "guerra" que lançou. O presidente do FC Porto sempre disse não lhe ligar muito, garantindo que Santana Lopes estava apenas de passagem pelo futebol, e a sua profecia acabaria por se cumprir.

Para trás ficaram algumas cenas caricatas, como a do dia em que Santana Lopes confundiu um convite para o lançamento de um livro com uma ameaça à sua integridade física. A história conta-se em poucas palavras: há muito que se dizia alvo de ameaças (chegou a fazer-se acompanhar por seguranças privados) e um dia chegou-lhe às mãos um convite do escritor Alface para a apresentação do seu mais recente livro, intitulado "Cuidado com os Rapazes". Santana Lopes entendeu o convite como uma ameaça e deu uma conferência de imprensa para anunciar que já tinha participado o facto às autoridades. Só que o convite tinha sido também enviado para as redacções dos jornais e, no dia seguinte, o presidente do Sporting era exposto ao ridículo.

O dinheiro

Foi na área financeira que a passagem de Santana Lopes por Alvalade mais se fez sentir. Se à sua chegada (Junho de 1995) o clube já não estava bem, à sua partida (Abril de 1996) estava ainda pior.

Desejoso de obter resultados desportivos, o Sporting viveu sempre acima das suas possibilidades e geriu de forma financeiramente muito negativa a compra e venda de jogadores. Os números dos relatórios e contas do clube não enganam: o endividamento bancário, que em Maio de 1995 rondava os 134 mil contos, subiu para 1,8 milhões de contos em Dezembro desse ano. Em sete meses o passivo clube passou de 6,1 milhões para 8,7 milhões. As dívidas a terceiros a curto prazo cresceram de 2,6 milhões para 4,4 milhões. Os prejuízos de exploração, que nos últimos cinco meses da presidência de Sousa Cintra se situavam numa média de 144.789 contos mensais, passaram a ser de 186.016 contos/mês.

A necessidade de dinheiro levou ainda Santana Lopes a tomar medidas que se revelariam catastróficas para o clube. Numa delas o presidente do clube propôs aos associados um aumento do valor das quotas e a criação de uma quota suplementar no valor de uma anuidade. O objectivo era arrecadar um milhão de contos (cerca de cinco milhões de euros), mas a medida revelar-se-ia um fracasso. Dos cerca de 85 mil associados registados, apenas 15 mil pagaram a quota suplementar. Não só não conseguiu o desejado milhão de contos, como viu delapidada uma importante fonte de receitas do clube: a quotização.

A promessa

Pedro Santana Lopes saiu de Alvalade rompendo com uma promessa mil vezes repetida: a de levar o seu mandato até ao fim. Falando em razões de ordem pessoal para o abandono, voltaria de imediato à vida política para se candidatar à liderança do PSD.

A passagem de Santana Lopes pelo Sporting foi também ruinosa para o próprio. Segundo disse numa entrevista à revista "Visão" em Maio de 1996, nunca foi remunerado pelo clube, vivia com "os 360 contos da sua reforma como deputado", teve de contrair "um empréstimo de cinco mil contos" e tinha "uma conta bancária a zeros e outra com cerca de 50 contos". "A verdade é que estou endividado até aos cabelos", garantia.

Mas nem tudo foram espinhos, como Santana Lopes disse numa entrevista ao jornal "Expresso", em Maio de 1997: "Em termos do que se chama notoriedade, estes dois anos de futebol fizeram muito mais do que 20 anos de política."

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