Brisa, competitividade e (des)controlo da inflação

06-12-2003
marcar artigo

Convidado

Brisa, Competitividade e (Des)controlo da Inflação

Por CARLOS JOSÉ FONSECA MARINHEIRO

Segunda-feira, 01 de Dezembro de 2003

Anunciava a imprensa no último dia 20 que a Brisa pretende actualizar as taxas de portagem em 3,3 por cento. De acordo com o contrato de concessão, a Brisa pode actualizar essas taxas em Janeiro de cada ano até 90 por cento do valor da inflação homóloga do ano anterior. Contudo, este aumento levanta vários problemas à economia portuguesa, prejudicando gravemente os objectivos de controlo da inflação e de defesa da sua competitividade.

Do ponto de vista do controlo da inflação, a subida das taxas de portagem deveria ser feita em função da previsão de inflação para o ano em causa. Assim, dever-se-ia tomar como referência não a inflação de 2003, mas o objectivo de inflação de 2004. Tal já é feito, por exemplo, nas negociações salariais. Poder-se-ia ir ainda mais longe e considerar como referência não o IPC português, mas o seu equivalente para a zona do euro. Só dessa forma se consegue sustentar um processo de convergência da nossa inflação com a dos nossos parceiros da União Europeia. No caso presente, como a actualização das portagens é uma função do valor da inflação do período anterior, isso contribui para uma inércia na evolução dos preços e para que estes não abrandem significativamente o seu ritmo de crescimento, inviabilizando a convergência com a taxa média da zona euro, que vai ser de apenas dois por cento em 2003.

A manutenção de uma taxa de inflação portuguesa consecutivamente superior à dos nossos parceiros comerciais, nomeadamente os da zona euro, leva a uma crescente perda de competitividade das empresas portuguesas. Tudo o resto inalterado, os nossos produtos tornam-se relativamente mais caros que os seus produtos (estrangeiros) concorrentes. Como já não se pode recorrer à desvalorização da moeda e o crescimento da produtividade tem sido modesto, há que rapidamente inverter esta situação.

Porque é que é relevante a subida das portagens? Pela simples razão que esta subida superior à inflação prevista vai-se reflectir nos preços de (quase) todos os bens que iremos consumir e exportar. Devido ao peso elevado do transporte rodoviário de mercadorias, uma subida nos custos de transporte leva a um agravamento nos custos da maioria das empresas portuguesas. Tendo em conta que as margens de lucro das empresas já estão bastante esmagadas, tal acréscimo de custos será inevitavelmente transferido para os preços das mercadorias, levando a uma perda de competitividade. Sendo o uso da auto-estrada um bem não transaccionável internacionalmente, e operando a Brisa em regime de quase monopólio nas principais ligações rodoviárias, as empresas portuguesas não têm uma verdadeira alternativa rodoviária. Por isso faz sentido perguntar porque razão existe a correcta preocupação de limitar a subida do preço da energia eléctrica para as empresas, mas não a de limitar a subida dos custos de transporte rodoviário!

Assim sendo, a bem do controlo da inflação e da manutenção da competitividade, exige-se ao Governo que esteja atento a esta situação. Proponho concretamente duas medidas, uma a prazo e outra imediata. A breve prazo proponho a renegociação do contrato de concessão, alterando o referencial de preços para o aumento das portagens. O referencial também poderia ser o IPCH da zona euro e não o português. No imediato, o governo deveria fazer uso do disposto no número 8, base XVI do DL 294/97, de 24/10/1997 (contrato de concessão) e propor excepcionalmente à concessionária um outro valor para a actualização das taxas de portagem com base em critérios por si definidos. Diz esse artigo que "excepcionalmente, poderá igualmente o Estado tomar a iniciativa de propor à concessionária que a alteração das tarifas e das taxas de portagem seja efectuada em obediência a critérios diferenciados dos estabelecidos no contrato de concessão." Este ano deveria fazê-lo. Não o fazer significa contribuir para o agravamento da perda de competitividade da economia nacional.

*Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

marinheiro@fe.uc.pt

http://www4.fe.uc.pt/carlosm

Convidado

Brisa, Competitividade e (Des)controlo da Inflação

Por CARLOS JOSÉ FONSECA MARINHEIRO

Segunda-feira, 01 de Dezembro de 2003

Anunciava a imprensa no último dia 20 que a Brisa pretende actualizar as taxas de portagem em 3,3 por cento. De acordo com o contrato de concessão, a Brisa pode actualizar essas taxas em Janeiro de cada ano até 90 por cento do valor da inflação homóloga do ano anterior. Contudo, este aumento levanta vários problemas à economia portuguesa, prejudicando gravemente os objectivos de controlo da inflação e de defesa da sua competitividade.

Do ponto de vista do controlo da inflação, a subida das taxas de portagem deveria ser feita em função da previsão de inflação para o ano em causa. Assim, dever-se-ia tomar como referência não a inflação de 2003, mas o objectivo de inflação de 2004. Tal já é feito, por exemplo, nas negociações salariais. Poder-se-ia ir ainda mais longe e considerar como referência não o IPC português, mas o seu equivalente para a zona do euro. Só dessa forma se consegue sustentar um processo de convergência da nossa inflação com a dos nossos parceiros da União Europeia. No caso presente, como a actualização das portagens é uma função do valor da inflação do período anterior, isso contribui para uma inércia na evolução dos preços e para que estes não abrandem significativamente o seu ritmo de crescimento, inviabilizando a convergência com a taxa média da zona euro, que vai ser de apenas dois por cento em 2003.

A manutenção de uma taxa de inflação portuguesa consecutivamente superior à dos nossos parceiros comerciais, nomeadamente os da zona euro, leva a uma crescente perda de competitividade das empresas portuguesas. Tudo o resto inalterado, os nossos produtos tornam-se relativamente mais caros que os seus produtos (estrangeiros) concorrentes. Como já não se pode recorrer à desvalorização da moeda e o crescimento da produtividade tem sido modesto, há que rapidamente inverter esta situação.

Porque é que é relevante a subida das portagens? Pela simples razão que esta subida superior à inflação prevista vai-se reflectir nos preços de (quase) todos os bens que iremos consumir e exportar. Devido ao peso elevado do transporte rodoviário de mercadorias, uma subida nos custos de transporte leva a um agravamento nos custos da maioria das empresas portuguesas. Tendo em conta que as margens de lucro das empresas já estão bastante esmagadas, tal acréscimo de custos será inevitavelmente transferido para os preços das mercadorias, levando a uma perda de competitividade. Sendo o uso da auto-estrada um bem não transaccionável internacionalmente, e operando a Brisa em regime de quase monopólio nas principais ligações rodoviárias, as empresas portuguesas não têm uma verdadeira alternativa rodoviária. Por isso faz sentido perguntar porque razão existe a correcta preocupação de limitar a subida do preço da energia eléctrica para as empresas, mas não a de limitar a subida dos custos de transporte rodoviário!

Assim sendo, a bem do controlo da inflação e da manutenção da competitividade, exige-se ao Governo que esteja atento a esta situação. Proponho concretamente duas medidas, uma a prazo e outra imediata. A breve prazo proponho a renegociação do contrato de concessão, alterando o referencial de preços para o aumento das portagens. O referencial também poderia ser o IPCH da zona euro e não o português. No imediato, o governo deveria fazer uso do disposto no número 8, base XVI do DL 294/97, de 24/10/1997 (contrato de concessão) e propor excepcionalmente à concessionária um outro valor para a actualização das taxas de portagem com base em critérios por si definidos. Diz esse artigo que "excepcionalmente, poderá igualmente o Estado tomar a iniciativa de propor à concessionária que a alteração das tarifas e das taxas de portagem seja efectuada em obediência a critérios diferenciados dos estabelecidos no contrato de concessão." Este ano deveria fazê-lo. Não o fazer significa contribuir para o agravamento da perda de competitividade da economia nacional.

*Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

marinheiro@fe.uc.pt

http://www4.fe.uc.pt/carlosm

marcar artigo